Sobre o cuidado necessário aos jornalistas para não confundirem opinião com fatos
Após decisão da ONU envolvendo Lula e Moro, Maria Beltrão, da GloboNews, declarou que o ex-presidente ‘não é inocente’
Por Rafael Sant’Ana
Quando trabalhamos com jornalismo, é muito fácil se deixar levar por nossas crenças e esquecer de um dos grandes deveres da profissão: lidar apenas com fatos. Embora a opinião possa contribuir para um debate, ela precisa ser embasada por dados concretos, que agreguem à argumentação de quem discursa.
No último dia 29, a experiente apresentadora Maria Beltrão, do canal pago GloboNews, fez um comentário contraditório em seu programa Estúdio I. Apesar do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) apontar a parcialidade de Sérgio Moro no julgamento do ex-presidente Lula envolvendo o famoso triplex no Guarujá, Beltrão afirmou que o petista não é inocente. Em sua fala, a jornalista cometeu alguns erros de informação, algo que pode acontecer, mas não na frequência que ocorreu, demonstrando falta de preparo por parte da comunicadora.
O primeiro deslize se deu quando ela afirmou que a segunda turma do STF reconheceu a parcialidade do ex-juiz Moro depois da decisão da ONU. Isso porque os ministros do Supremo anularam as condenações de Lula em março de 2021, enquanto o comunicado da organização intergovernamental veio no dia 28 de março deste ano. Vale dizer que a opinião da apresentadora sobre a inocência do ex-presidente também é incorreta, já que, segundo especialistas ouvidos pelo UOL, o petista é inocente do ponto de vista jurídico.
Outro erro cometido por Beltrão se referia à autoria do referendo da condenação de Lula. Os responsáveis por tal decisão foram a Oitava Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e a Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), diferentemente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), orgão citado pela apresentadora do Estúdio I.
Mais do que uma informação imprecisa, a atitude de Maria Beltrão revela falta de responsabilidade diante da posição que ocupa. Sendo apresentadora em um canal de notícias com a maior audiência da TV paga e tendo mais de duas décadas de experiência no ofício, é de se espantar que ela ainda se permita cometer erros tão juvenis quanto esses.
Falando especificamente do Estúdio I, se nota uma informalidade maior do que num telejornal, mas transmitir informações com mais leveza não significa abrir mão dos fatos e expor opiniões pessoais. Em qualquer lugar do mundo, ser jornalista é uma enorme responsabilidade, mas no Brasil, o trabalho é ainda mais crítico, dada a polarização política na qual vivemos.
Portanto, além de ser anti-ético, o que Beltrão fez em seu programa foi colaborar para os inúmeros discursos de ódio presentes na internet. Julgar indevidamente uma pessoa e, na sequência, expor mentiras sobre seu caso é jogar fora o diploma de jornalista e se tornar apenas mais um entre tantos que falam o que querem e, por vezes, até cometem crimes, como é o caso dos disseminadores de fake-news.