Spotlight: um retrato jornalístico

Victória Navarro
singular&plural
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5 min readNov 7, 2017

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Por Marcela Sanches e Victória Navarro

O roteiro de Spotlight — segredos revelados é diretamente ligado ao jornalismo, durante seus 129 minutos de produto. A trama inicia-se dentro de uma redação de um jornal diário e só sai daquele ambiente quando e para acompanhar os jornalistas, na cobertura e na busca de fontes para a pauta principal — os casos de abuso sexual em crianças, cometidos por padres da Igreja Católica. Do início ao fim, a história é linear e mostra o making-off de uma pauta investigativa que leva meses para ser concluída.

No exercício jornalístico, quem sai da mesmice se destaca. Na trama, esse papel ficou para o novato Marty Baron, que instiga a equipe de Spotlight a dar um novo ângulo à história de violação infantil. Afinal, o time poderia ter apenas produzido uma reportagem sobre os religiosos assediantes da Igreja Católica e não uma reportagem sobre o sistema corrompido da instituição, como foi o abordado pelos profissionais da The Boston Globe.

Além disto, a película de Tom McCarthy mostra como Walter Robinson ficou desolado ao descobrir que, sob sua gestão, deixou passar a pauta sobre abusos sexuais — não dando continuidade ao material. Isso é uma prova de como é papel do leitor saber o que lê, onde lê e como as características políticas, ideológicas e profissionais dos escritores são capazes de influenciar o produto final.

Cena do filme Spotlight — segredos revelados (crédito: reprodução)

Repórter bom é aquele que persiste no contato com suas fontes e vai atrás veementemente da verdade. Esse é o caso do repórter interpretado por Mark Ruffalo, que insiste que o advogado Mitchell Garabedian conte mais sobre o que sabe a respeito da pedofilia realizada por padres católicos. Até que este último revela possuir o depoimento de um religioso que foi acusado de molestar diversas crianças. Dessa forma, a película mostra o que até hoje é muito importante, principalmente, no jornalismo investigativo: optar pelo caminho mais fácil não leva a uma boa apuração — afinal, os jornalistas poderiam usar apenas os fatos visíveis aos olhos.

Sobretudo, Spotlight — segredos revelados é uma grande história de como o jornalismo possui potencial de denúncia. Vale ressaltar que a trama é recente, já que retrata uma problematização de 2001. Alguns fatos para serem bem contados demandam tempo e dedicação: o trabalho do time de Spotlight durou meses e demandou mão-de-obra. Ainda a exemplo disto está a atual equipe investigativa do Boston Globe que, segundo a matéria “Spotlight: o jornalismo investigativo não acabou” publicada na Veja por Diogo Schelp (2017, online), possui sete integrantes — três a mais que na época que se passa a narrativa do longa-metragem.

De uns tempos para cá, as redações brasileiras estão mais enxutas e atuam com prazos menores, seja pela pulverização de audiência em razão da tecnologia, ou do surgimento de outras plataformas — ou seja, mais concorrência. Porém, no jornalismo investigativo, a internet veio para prover rapidez e reduzir os custos de reportagens — o que, às vezes, deixa averiguações de fatos rasas. O filme mostra como o trabalho desta profissão, há 16 anos, era diferente do de hoje, mas também incentiva o exercício de um jornalismo bem apurado.

Ademais, no longa-metragem, é possível encontrar jargões jornalísticos como off the record[1], deadline[2], matéria de gaveta[3] e furo[4]. Todos utilizados frequentemente por jornalistas ativos no mercado.

Entenda melhor o filme Spotlight

O filme Spotlight — segredos revelados foi lançado em primeira mão na Itália — durante o Festival de Veneza –, em setembro de 2015. Logo após, em novembro do mesmo ano, migrou para os Estados Unidos e, em janeiro do ano passado, para o Brasil. Dirigido por Tom McCarthy, o longa-metragem baseia-se em fatos reais — de 2001 — e é responsável por narrar o cotidiano da redação de um jornal diário americano, o The Boston Globe. Com um time dedicado a pautas mais complexas e que demandam mais tempo para serem desenvolvidas e apuradas, a equipe do Spotlight é convocada por Marty Baron (Liev Schreiber) — novo editor do veículo — a resgatar fatos, vítimas e culpados de abusos sexuais, causados por padres católicos. A atitude deste profissional é despertada por uma coluna, que alega o fato de o Cardeal Law (Len Cariou) ter abafado e encobertado casos de excessos contra crianças pelo padre John Geoghan.

O time encarregado pelo caso consiste em quatro pessoas: os jornalistas Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matty Carroll (Brian d’Arcy James), além do editor Walter Robinson (Michael Keaton).

No início das investigações, poucas fontes aceitam falar sobre o caso, já que se trata de uma acusação contra a Igreja Católica, uma das entidades mais fortes e poderosas do mundo. Porém, a partir do momento que encontram vítimas e conhecedores do assunto, os integrantes do The Boston Globe chocam-se com um expressivo número de assédios: 13. Dessa forma, a busca cansativa dos jornalistas por uma perfeita apuração dos fatos, mesmo com algumas dificuldades, permeia o restante do enredo. Ao total descobrem-se, em Boston, nos Estados Unidos, 87 padres suspeitos de molestar crianças.

Em 2016, a película ganhou dois prêmios do Oscar, um de Melhor Filme e outro de Melhor Roteiro Original. Além dos personagens citados acima, a obra também conta com a participação de: Ben Bradlee Jr. (John Slaterry), Stephen Kurkjian (Gene Amoroso), Jim Sullivan (Jamey Sheridan) e outros.

Bibliografia

SPOTLIGHT. Direção de Tom McCarthy. 2016. Son., color.

BAHIA, Juarez. Dicionário de Jornalismo: Século XX. Rio de Janeiro: Mauad, 2015.

[1] Off the record, em inglês, significa fora dos registros. Segundo o manual de produção da Folha de S.Paulo (s.d, online), o termo designa toda informação dada a um jornalista por uma fonte anônima. Existe o off simples, que não cruza os dados com outros entrevistados independentes; o off checado, que cruza com o outro lado ou pelo menos com duas fontes independentes; e o off total, que não deve ser publicado a pedido da fonte — mesmo com o anonimato mantido.

[2] Segundo o dicionário online Oxford, deadline quer dizer o último tempo ou data para algo ser completado.

[3] De acordo com o “Dicionário de Jornalismo” de Bahia (2015), matéria de gaveta é aquela sem gancho e que pode ser publicada a qualquer momento.

[4] Furo é “o ato ou feito de apurar, criar e publicar uma matéria que nenhum outro — seja repórter ou veículos — conseguiu realizar”, explica o “Dicionário de Jornalismo” de Bahia (2015).

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