Trabalho escravo na moda vs. mídia

Gabriela Cesario
singular&plural
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5 min readMay 29, 2018

Como as mídias nacionais e internacionais abordam (ou não) o lado obscuro da indústria fashion

Por Gabriela Cesario e Julia Fagundes

Foto por Pixabay

Em abril de 2013 a indústria da moda mostrou um lado obscuro para o mundo inteiro após o desabamento do Rana Plaza, edifício em Bangladesh, que deixou 1.133 mortos e 2.500 feridos, todos funcionários de renomadas fast fashion, como a rede de lojas britânica Primark.

O acidente chocou o mundo, dominou as redes sociais e veículos de comunicação. Durante algumas semanas a sociedade capitalista consumista tomou consciência da realidade em que muitas pessoas viviam devido a nossa ânsia por estar na moda. Mas não durou muito.

Os anos se passaram, o trabalho escravo não. Mas os grandes veículos logo esqueceram da realidade esmagadora da (grande) minoria.

O caso continuou sendo abordado apenas por veículos, ONGs e personalidades já especializados no assunto, como o Fashion Revolution e Repórter Brasil, que sempre lutaram para que esse assuntos saíssem das sombras.

Bangladesh foi importante para abrirmos os olhos para essa realidade. Uma realidade que atinge o mundo inteiro. Atinge os Estados Unidos, China e Brasil. Sim, Brasil.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) de SP, a indústria de confecção de vestuário do estado de São Paulo, entre 2010 e 2016, foi o setor mais flagrado exercendo atividades com características de escravidão contemporânea: funcionários com documentos retidos pelos contratantes, alojamentos com pouca iluminação, sem armários ou camas; longas jornadas de trabalho de 12 horas diárias ou mais, sem alimentação, água potável e equipamento de proteção. Tudo isso ocorrendo no Brasil, em uma das principais cidades do país e a mídia se calando.

OK, algumas vezes foram feitas matérias e reportagens sobre. Mas poucas. Tão poucas que o incêndio em uma fábrica de perfumes e de costuras do bairro paulistano Vila Maria recebeu apenas uma pequena nota. Tente dar uma busca sobre no Google e não encontrará quase nada.

A situação piora quando inúmeros imigrantes chegam ao nosso país visando uma vida melhor mas acabam submetidos a escravidão moderna, trabalhando em fábricas paulistas.

Durante a Semana Fashion Revolution Brasil 2018, aconteceu o seminário “Migração, Violência e Trabalho Análogo ao Escravo” organizado pelo CAMI — Centro de Apoio e Pastoral do Imigrante em parceria com o Governo de São Paulo, Fashion Revolution Brasil e Instituto C&A, que reuniu o dep. Carlos Bezerra, presidente da comissão de Direitos Humanos de SP e autor da lei paulista contra o trabalho escravo (14.946/2013); Fernanda Simon, coordenadora do Fashion Revolution Brasil; Flávio Corrêa, especialista em Direito do Trabalho pela UniFMU e Governo e Poder Legislativo pela Unesp; Juliana Cardoso, vereadora e vice-presidente da comissão de Direitos Humanos de SP; e Cláudia Regina Lovato Franco, procuradora do Trabalho e Representante Regional da Coordenação do Conaete (Coordenadoria Nacional de Erradicação e Combate ao Trabalho Escravo) no MPT/SP.

O evento debateu sobre a situação de milhares de imigrantes e brasileiros em situações precárias na indústria fashion e qual a melhor maneira de mostrar essa realidade para a sociedade. A ação imediata, segundo Fernanda Simon, é utilizar o poder das Redes Sociais — já que a mídia não abre muito espaço para isso — com #QuemFezMinhasRoupas, uma maneira prática e simples de fazer com que as marcas mostrem por meio de fotos e vídeos as pessoas envolvidas no processo de fabricação de nossas roupas e produtos de beleza.

Pergunte as marcas: #QuemFezMinhasRoupas? (Foto Fashion Revolution Brasil/Pinterest)

O problema é que este mercado mais específico, onde os clientes conhecem todo o processo que envolve a roupa que usam, custa caro, e por isso diz respeito à uma pequena parcela da população. Infelizmente, a imensa maioria dos brasileiros optam por comprar roupas mais baratas, mesmo que de uma qualidade inferior, porque é o que o dinheiro consegue comprar. Por isso, falar de moda revolucionária dentro destes termos levantados pelo Fashion Revolution chega a ser algo utópico.

O que podemos levar adiante como conhecimento, é que todas as nossas escolhas de consumo importam, e isso começa a ganhar mais relevância a partir do momento que falamos de acidentes como os citados acima, que escancaram um sistema escravagista do mundo moderno.

Na teoria, a mídia e as pessoas que tem um poder de fala, seja nas mídias sociais ou em outros planos, não deveriam esperar tragédias como essas e tantas outra acontecerem para reportar os abusos por trás da moda. Mas, como tudo que envolve o interesse público, muitos veículos e blogueiras acabam nadando na onda “consciente” depois que algo assim acontece. E por isso, não levam o assunto adiante. Porque seguem tópicos com potencial de tendência. Visam o lucro.

Caso queira entender um pouco mais sobre o trabalho escravo que atinge a indústria da moda nacional e internacional, recomendamos que assista o documentário — disponível no Netflix — The True Cost sobre o acidente do Rana Plaza em Bangladesh. Confira abaixo o trailer.

Referências

BRASIL, Repórter. As marcas da moda flagradas com trabalho escravo. 2012. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2012/07/especial-flagrantes-de-trabalho-escravo-na-industria-textil-no-brasil/>. Acesso em: 28 maio 2018.

DEP Carlos Bezerra Jr — Trabalho Escravo. 2016. Son., color. Legendado. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dY2whrdkMR0>. Acesso em: 28 maio 2018.

FASHION REVOLUTION COMMUNITY INTEREST CORPORATION (Brasil). Brazil — Fashion Revolution. Disponível em: <https://www.fashionrevolution.org/south-america/brazil/>. Acesso em: 28 maio 2018.

INCÊNDIO destrói fábrica de perfumes na Zona Norte de SP. São Paulo: TV Globo — SP2, 2018. Son., color. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/6480911/>. Acesso em: 28 maio 2018.

INSTITUTO C&A (Brasil). Seminário “Migração, Violência Doméstica e Trabalho Análogo de Escravo”. 2018. Disponível em: <http://www.institutocea.org.br/impact/news/seminario-migracao-violencia-domestica-e-trabalho-/>. Acesso em: 28 maio 2018.

TANJI, Thiago. Escravos da moda: os bastidores nada bonitos da indústria fashion. 2016. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/06/escravos-da-moda-os-bastidores-nada-bonitos-da-industria-fashion.html>. Acesso em: 28 maio 2018.

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