Tratamento precoce da covid-19: quando a notícia vira desinformação

Uma análise da reportagem realizada pelo “Alerta Nacional”, da Rede TV!, sobre a ivermectina

Edward Pepe
singular&plural
3 min readApr 23, 2021

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Por Edward Pepe, Júlia Silva e João Schneider

Sikêra Júnior durante o “Alerta Nacional” exibido em 12/03/2021. Imagem: Reprodução

No dia 12 de março, o programa Alerta Nacional, da Rede TV!, exibiu uma reportagem com a pauta: “Médicos europeus pedem uso urgente da Ivermectina no tratamento da Covid”. O noticiário “policialesco”, apresentado por Sikêra Júnior em uma parceria da emissora paulista com a TV A Crítica — do Amazonas —, dedicou 14 minutos do programa para o tema tratamento precoce da covid-19.

Logo ao chamar a reportagem, Sikêra adianta aos telespectadores que esse tipo de matéria eles não veriam em outro jornal, se voltando para o viés sensacionalista e buscando audiência com um tema extremamente politizado pela sociedade atual. Apesar das autoridades máximas de saúde indicarem que não há tratamento precoce contra a covid-19 eficaz, o assunto ainda é discutido por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

A matéria jornalística traz uma notícia factual. O embasamento por meio de dados de uma pesquisa científica e a citação de autoridades de saúde, como a Infarmed, utiliza-se da credibilidade do jornalismo e imparcialidade da ciência para contradizer organizações como a OMS, que apresentou estudos sobre ineficácia do medicamento.

Um outro elemento que contribui para que a visão do jornal seja validada é o fato de uma correspondente trazer as informações direto da Europa. Médicos e instituições locais são citados para se aproveitar de uma visão eurocêntrica, de que informações vindas do continente teriam mais chance de serem percebidas como verdade perante o telespectador.

Ao trazer o foco para o cenário brasileiro, a intenção de justificar a utilização da ivermectina fere gravemente valores profissionais jornalísticos como a pluralidade, a imparcialidade e a verdade. Com fontes médicas e personagens apenas a favor da utilização do medicamento, a matéria não apresenta nenhum entrevistado que fale sobre sua ineficácia e conta apenas com um trecho de sonora que cita rapidamente “nenhum desses medicamentos têm eficácia comprovada”, em referência à hidroxicloroquina, à cloroquina e à ivermectina.

Imagens de apoio com caixas do remédio, em vermelho, desempenham quase um papel publicitário, e a escolha pelo enquadramento do repórter Giovanni em uma drogaria transmite facilidade, tom popular e acessível ao tratamento. As entrevistas de personagens do grupo de risco que fizeram a utilização da substância também aparecem com destaque e enfatizam o viés de “bons resultados para todos” da matéria. A utilização de adjetivos como “positivo” e “fraquinhos” evidencia, mais uma vez, a falta de neutralidade e objetividade do repórter.

Ao final da reportagem, Sikêra Júnior inicia sua fala com: “Será que está todo mundo aqui está mentindo?” O apresentador em seguida defende a teoria conspiratória de que a ivermectina não seria usada no tratamento precoce da covid-19 porque não daria lucro ao mercado farmacêutico. Um mês antes da reportagem ser exibida, a própria fabricante do antiparasitário, a Merck, afirmou que não há evidências de que o medicamento traga benefícios ou seja eficaz no tratamento da covid-19. Durante o restante de seu comentário, Sikêra continua com falas sensacionalistas e distorcidas, como quando diz que a mídia americana dava mais destaque à pandemia durante o governo Trump (aliado de Bolsonaro) do que no de Joe Biden.

Com base em tudo que foi citado, Sikêra Júnior faz de si um personagem popularesco, que fala “o que os outros não querem ouvir”. Ele, a partir de gestos e tom de voz fortes, tenta se aproximar do público do programa, buscando ter credibilidade, mesmo sem embasamento científico algum. Apesar da posição de jornalista, Sikêra — que fala para milhões de pessoas — ao invés de informar desinforma e presta um grande desserviço à sociedade, contribuindo ainda mais para o agravamento da crise sanitária do país.

Sikêra Júnior posando em selfie ao lado do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro

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