Valores jornalísticos são questionados na cobertura da posse do presidente Jair Bolsonaro

A imparcialidade dos veículos de comunicação é analisada pela falta ou pela presença de opinião ou juízo de valor

Marcela Frese
singular&plural
3 min readApr 7, 2022

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Por Marcela Frese e Pietra Minhon

Jair Bolsonaro ao lado de sua esposa, Michelle Bolsonaro, e do ex-presidente Michel Temer durante sua posse. (Fonte: Agência Brasil)

O jornalismo é sustentado por dois valores principais: a imparcialidade e a neutralidade, primordiais para uma prática qualificada e virtuosa de propagação de informação. Segundo o filósofo e sociólogo alemão, Jürgen Habermas, há dois tipos de razão: a instrumental, que promove a evolução do pensamento de que tudo que nos cerca é útil para a sociedade, porém quando nos limitamos a esse raciocínio e permitimos que esse pensamento passe a atingir a esfera social, engrandecemos a ideia de reificação/alienação e a superioridade do homem sobre o homem; e a comunicativa, contrária à primeira, que procura levar o conhecimento ou a informação para todas as partes, em forma de debates. Em suma, Habermas acredita que os conflitos diminuem quando os pontos de vista e os argumentos são expostos, pois estaremos conduzindo a esfera pública para um esclarecimento maior.

Ao relacionar os valores essenciais do jornalismo com as categorizações de Habermas, pode-se afirmar que a prática virtuosa do jornalismo deve aproximar-se daquilo que seja útil para a sociedade. Um exemplo a ser analisado é uma matéria publicada pela Piauí, em janeiro de 2019. A manchete contém a seguinte frase: “A nova ordem militar”, que faz referência aos ideais do governo de Jair Bolsonaro, recém-eleito na ocasião. Ao levar em consideração a frase inicial e a notícia, pode-se analisar que a publicação transmite uma mensagem mais voltada ao lado opinativo, aflorando em alguns leitores a ideia de que esse veículo enaltece a reificação e padece em neutralidade. Simultaneamente, deve-se entender os porquês desse tipo de abordagem e analisar o discurso do veículo como um todo.

Na mesma ocasião, um veículo do grupo Globo publicou a seguinte frase: “Jair Bolsonaro toma posse como presidente da República e promete pacto nacional”. Nota-se que esse meio de comunicação abordou o mesmo evento, a posse de Jair Bolsonaro, de uma maneira mais próxima da imparcialidade e neutralidade, o que transmite maior credibilidade e compromisso maior com os fatos. Ao ater-se à prática de informar, nota-se que os veículos possuem características diferentes e, sob as análises da teoria de Habermas da razão comunicativa, a arte de articular e de compreender que todo jornal apresenta uma parcela de parcialidade faz com que o feito dos veículos não seja, necessariamente, uma forma de alienação da esfera pública.

Outro pensamento a ser considerado para essa discussão é o de Barbara Wertheim Tuchman, escritora e historiadora dos Estados Unidos. Ela reflete sobre a impossibilidade de separar o critério opinativo do relato de um acontecimento. De acordo com ela, toda a compreensão do fato está relacionada com a maneira com que essa informação será recebida, é o que ela chama de “Trama da Faticidade”. Segundo ela, esse juízo de valor dos veículos é inerente àqueles que aguçam o senso crítico. Dessa maneira, a notícia ou o fato não serão vistos como uma maneira reificada do jornal.

A questão desses meios de comunicação não é a falta do afastamento de juízo de valor e, sim, onde ele está inserido. Alguns veículos separam em áreas para fazer esse distanciamento do opinativo para o noticioso, como a Folha de S.Paulo, que no dia da posse do Bolsonaro publicou uma matéria com o título “Tiro no pé” no campo opinativo do jornal e, no campo noticioso, a manchete era “Bolsonaro toma posse e inicia guinada à direita no Brasil”. Desta forma, observa-se que o conceito de linguagem impacta a neutralidade e a imparcialidade na produção jornalística de maneira direta.

“Só o enunciado pode ser verdadeiro (ou não verdadeiro), correto (ou falso), belo, justo etc.”, defende Mikhail Bakhtin, filósofo e pensador russo.

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