Voz dos atingidos: o jornal A Sirene e o jornalismo comunitário

Em circulação desde fevereiro de 2016, ele é publicado mensalmente, todo dia 5, como dia para lembrar e buscar combater a impunidade e o preconceito sofrido pelas comunidades

Marcella de Carvalho
singular&plural
3 min readDec 10, 2018

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Por Marcella De Carvalho

Foto: Gustavo Basso / Shutterstock.com

Mariana, 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão rompe e se torna o maior desastre ambiental do Brasil.

Três anos após a tragédia, o único jornal que ainda luta pelos direitos dos atingidos é o jornal A Sirene, produzidos pelos moradores afetados juntamente com uma equipe de jornalistas formados na Universidade Federal de Ouro Preto, que conta ainda com um jornal e uma revista laboratorial que foca diversas reportagens nas questões dos atingidos.

Conta ainda com o apoio que incluem profissionais da Universidade Federal de Minas Gerais, o total é de 70 pessoas entre organização e colaboradores.

O jornal trabalha com recursos escassos vindos de recursos arrecadados pela Arquidiocese de Mariana, e foi criado sob decisão da comunidade e aprovado pelo Ministério Público de Minas Gerais.

Em circulação desde fevereiro de 2016, ele é publicado mensalmente, todo dia 05, como dia para lembrar e buscar combater a impunidade e o preconceito sofrido pelas comunidades.

Com tiragem de 3 mil exemplares, a distribuição é feita entre a população, com textos de jornalistas e das fontes que narram as histórias, a vinculação se baseia em denúncias contra a Samarco, andamento de processos, resgate da memória desde o maior distrito dizimado pela lama, Bento Rodrigues, até as comunidades ribeirinhas chegando à Regência (ES) e troca de experiências e apoio mútuo.

Com uma linguagem simples acessível às comunidades mais humildes, o foco é na qualidade imagética e diagramação do jornal, que conta com fotografias e capas de destaque.

Mais que um simples jornal, o A Sirene tem sido a base de informação para os direitos das famílias e reparação de danos, colocando em domínio público também dados das reuniões do Movimento dos Atingidos pelas Barragens.

As mídias tradicionais com o tempo se esqueceram do desastre e dos moradores, A Sirene serve para quebrar a barreira entre a população e os jornalistas, que transformaram ao longo do tempo a situação em um tipo de circo, que chegou ao seu auge e foi esquecido.

No corpo editorial estão atingidos pelo desastre, que fazem as publicações deles para eles mesmos, o foco no jornalismo comunitário traz força aos movimentos e une os envolvidos no mesmo propósito, o de não deixar as marcas da tragédia considerada por muitos como crime se esvaírem.

Com recursos escassos, o jornal custa ao fundo do Coletivo Um Minuto de Sirene o valor de R$ 20 mil por mês, que incluem aluguel da sede, pagamento dos colaboradores e impressão.

Os equipamentos utilizados são dos próprios colaboradores, contando com o apoio técnico dos laboratórios do curso de jornalismo da UFOP. O fim das atividades está em risco, tendo recursos garantidos apenas até março de 2019.

Com o objetivo atingido, a luta agora é para ter novos apoiadores e busca de novos recursos para continuar existindo, a Arquidiocese que gerencia os fundos e destinam as arrecadações para outros projetos coletivos e provavelmente deixará de apoiar o jornal.

Para não esquecer!

O Jornal já se transformou base para diversos projetos de pesquisa e extensão do país e vem sendo citado em diversos artigos, as temáticas perpassam pelo jornalismo comunitário, jornalismo investigativo e direitos humanos e direitos socioambientais no âmbito de megaprojetos.

Se diferencia também por fazer parte da formação de diversos alunos de jornalismo e criam na pacata Mariana a sensação de controle sobre a situação e de acolhimento, unindo moradores e estudantes que antes viviam em duas Marianas completamente diferentes.

Na contramão da mídia tradicional, a mídia radical do A Sirene destacando-se pela militância, entrando no âmbito do direito à comunicação, explorando também as redes sociais e trazendo mais humanidade as publicações.

O jornal que tem seu nome baseado na sirene que devia ter sido tocada para alertar os moradores do rompimento e não foi soado, tem muitos desafios pela frente e precisa de apoio para não deixar a luta acabar.

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