Vozes de uma geração: entenda como as capas de revista refletem o pensamento do seu público

Há quase sete décadas no mercado, a marca Capricho tanto influencia quanto é influenciada pelos discursos que marcam a sua época

Carolina Gomes Dias Lima
singular&plural
4 min readMay 30, 2022

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Por Carolina Gomes e Victória Clemente

Em 2022, a revista Capricho completaria 70 anos desde a sua primeira publicação. Hoje veiculada apenas em formato digital, a marca se transformou e adaptou-se aos novos meios, mas sem perder a sua proposta inicial: comunicar-se com o seu público — este majoritariamente jovem e feminino — trazendo informações atuais e pertinentes sobre o mundo adolescente. Ainda com relevância considerável nos dias de hoje, a revista foi, principalmente até a década de 1990, um dos grandes nomes do jornalismo no nicho jovem, responsável por influenciar social e culturalmente gerações em sequência.

Logo da revista Capricho, uma das maiores referências de comunicação para o público jovem feminino

Como as redes sociais hoje em dia, as revistas foram durante muito tempo responsáveis por não apenas reproduzir, mas também ditar o discurso proclamado pelo contexto do qual faz parte. Antes dos influenciadores digitais, a mensagem era transmitida pelos grandes nomes do momento, e, no lugar do número de seguidores e da ‘conta verificada’, a melhor forma de se estabelecer relevância era estampar uma capa de revista. É na capa que ficam os tópicos mais importantes. É nela que estão refletidas as principais ideias que aquele material tem a oferecer. Se está na capa, então é importante. Mas o que de fato é importante o suficiente para estampar a primeira página?

Na década de 1980, a preocupação com um corpo saudável e bem delineado era evidente. Com o boom da febre fitness, a popularização das academias e o surgimento das musas do corpo de verão, esse era um tópico de relevância e um assunto de preocupação para quem quisesse estar dentro do novo padrão. Criou-se um novo parâmetro a ser seguido, e é nele que se inspiram as principais chamadas das revistas.

Capa da edição de número 500 da revista Capricho publicada em 1980 (Reprodução)

Não é surpresa, tampouco novidade, que o público jovem feminino é o alvo principal das pressões estéticas de beleza e bem-estar. Por isso, o que acontece quando as capas de revistas se multiplicam no tom de um mesmo discurso? Os temas emagrecimento, boa forma — dentro de um padrão — bem-estar corporal — dentro da boa forma — criam um discurso que determina como deve ou deveria ser o corpo de uma garota ideal. Está em todas as capas de revista, em chamadas ou estampadas em modelos e atrizes globais com a cintura perfeita. É reforçada uma verdade criada pelo discurso da própria sociedade.

A edição número 500 da Capricho, publicada em 1980, traz em uma das chamadas o especial que ensina como 10 minutos de exercício físico podem mudar o seu corpo. A de número 507, por sua vez, promete o truque perfeito para acabar com a gordura localizada e afinar os braços. A de número 517, posteriormente, destaca exercícios “mágicos” que deixarão, com toda certeza, o corpo da leitora ’em forma’.

Capa da edição número 507 da revista Capricho publicada em 1980 (Foto: divulgação)

É um ciclo vicioso. A sociedade influencia, por meio das suas preferências do que é importante ou não, o que entra ou não como pauta relevante para a revista. Esta, por sua vez, reforça a ideia e faz dela uma verdade absoluta. Para a menina de 13 anos assinante da revista Capricho em 1980, aquele se torna o seu conceito de verdadeiro. Não é um momento de preocupação com a autoaceitação, saúde mental, diversidade e pluralidade de pensamentos. Por isso, a ideia de um corpo magro é vendido como se é vendida uma capa de revista.

Milhares de garotas compraram também essa ideia, tornando-se reféns do padrão imposto naquela época. A Capricho é um entre tantos exemplos. É inegável que hoje incontáveis mulheres em território nacional dizem com certa nostalgia que fizeram isso ou aquilo porque eram leitoras fiéis da revista Capricho. Mas está para além de uma marca. É o ciclo do discurso.

Hoje, a mesma marca se destaca por um discurso oposto. Preza pela liberdade da aceitação e a beleza individual. É sobre o que o seu novo público quer ler.

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