What just happened? O valor-notícia da briga entre Will Smith e Chris Rock

Um olhar sobre os critérios de noticiabilidade e sensacionalismo presentes na cobertura do Oscar 2022

Pedro Gabriel Duarte
singular&plural
3 min readApr 3, 2022

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Por Melissa Marques e Pedro Duarte

U m ditado do jornalismo diz que “Um cachorro morder um homem não é notícia. Mas um homem morder o cachorro é”. Podemos alegar que a surpresa, o anômalo, é o cerne da notícia. Por outro lado, se enxergamos critério de noticiabilidade suficiente por si só naquilo que é bizarro, o que difere o bom jornalismo do sensacionalismo?

Um feito recente nos serve como caso de análise: durante a cerimônia de premiação do Oscar 2022, o ator Will Smith (que concorria ao prêmio de melhor ator – e ganhou) deu um tapa no apresentador do evento Chris Rock após o comediante fazer uma “piada” sobre os cabelos da esposa de Smith, Jada Pinkett Smith. Seguido de gritos e caras de espanto, o episódio foi reportado em veículos de mídia que se apóiam em diversos suportes, tendo repercutido em escala mundial.

Will e Jada Smith na cerimônia do Oscar. A atriz tem alopecia, doença autoimune que causa queda capilar. (Reprodução/@theacademy)

No Brasil, por exemplo, o ocorrido caiu na boca de comentaristas, tuiteiros e, claro, da mídia. Na mesma noite, alguns minutos depois do caso, Will Smith acabou levando a estatueta de ouro por seu trabalho em King Richard: criando campeões (2021), o primeiro Oscar de sua longa carreira. Mas, apesar de um grande feito, o único acontecimento noticiado por diversos veículos foi a agressão.

Alguns chamaram especialistas para comentar, como o campeão de tapa na cara, que acusou a agressão de ter sido apenas uma jogada de marketing, e psicólogos, para comentar sobre o “ataque de fúria” do ator, que chegam a comentar até sobre desdobramentos do ataque nas redes, mas deixando de lado aspectos importantes da história. Entende-se que uma situação como essa choca e ergue debates no mundo inteiro, principalmente levando em consideração o tamanho dos atores envolvidos e a notoriedade da premiação, sendo uma “notícia pronta” para a mídia, mas com um breve olhar crítico percebe-se que algumas abordagens beiram o sensacionalismo.

Nessas matérias, não é nem citado o fato do ator ter ganhado um dos principais prêmios da cerimônia, a cobiçada estatueta de melhor ator, e o foco fica concentrado na ação dele, e não no comentário de Chris Rock que desconcertou o premiado e incomodou sua parceira ao vivo para todo o mundo. Existe uma escolha sobre o que reportar e sobre como fazê-lo muito clara. Agressão nunca é justificável, mas, a partir do momento em que só se fala dela, sem dar contexto às coisas e sem explicar os outros acontecimentos, acaba sendo apenas uma ferramenta fácil de cliques, uma vez que notícias agressivas tendem a ter mais visualizações.

Outro ponto a ser comentado é que isso não aconteceu só no Brasil. A revista Vanity Fair, conhecida por sua grande cobertura do Oscar nas redes sociais e sua festa pós-evento, ao invés de fazer o clássico post anunciando a vitória de Will Smith, só comentou sobre a agressão trocada entre os atores, sendo a categoria de “Melhor ator” a única não divulgada em suas páginas.

Publicação da Vanity Fair sobre o tapa de Will Smith em Chris Rock, não houve post sobre o Oscar de Melhor Ator. (Reprodução/@vanityfair)

A lógica seguida pelos veículos é latente, visível aos olhos mais leigos, e pode ser expressa como “é incomum, é notícia”. Dentro do jornalismo, é questionável afirmar que essa prática se apóia em valores inerentes ao comunicador que serve ao interesse público. Talvez, essa maneira de retratar a realidade seja, na verdade, um ato de servidão ao interesse do público, à audiência, aos dedos ávidos por cliques. A cobertura baila entre os critérios de noticiabilidade e o pitoresco sensacionalista, tão alheio a edições anteriores do Oscar. Julgar o valor de uma atitude, feita no calor do momento, não é o objetivo do Jornalismo, tampouco deveria ser aproveitar-se desse fato.

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