Depois de uma intensa passagem por São Paulo (se você ainda não leu o que aconteceu no texto anterior, é só clicar aqui), os piratas viajaram em uma van rumo ao estado que seria o berço da segunda etapa da UNBOUND, o Rio de Janeiro.
A primeira atividade aconteceu ali mesmo, na casa em que os piratas estavam hospedados e os dois primeiros dias de atividade foram marcados com a participação do pessoal da SOUL (Grupo Empreendera). A atividade foi estrategicamente planejada para acontecer bem “no meio” da trilha, momento dos Piratas revisitarem seus propósito e objetivos profissionais e de vida, se questionarem e refletirem juntos sobre os porquês, inclusive o porquê de cada um estar participando daquela experiência trilha.
Foi um sharing bastante profundo que trouxe reflexões fortes, porém necessárias. Além do olhar para dentro, a SOUL também compartilhou com os participantes da trilha a importância que existe em olhar o outro e a influência que esses dois olhares exercem dentro de um ambiente criativo, assim como, os impactos da falta desses aspectos.
Os piratas obtiveram aprendizado teórico e prático das técnicas que exercitam o conflito saudável no ambiente profissional, social ou familiar, para a construção de equipes de trabalho e relações interpessoais mais produtivas, humanas e verdadeiramente empreendedoras. A importância do conteúdo, teve aplicação direta para toda a fase da trilha. Fase essa, que apresentava o desafio da convivência, de compartilhar o espaço e de superar conflitos por mais de 1 mês.
E se você leu o nosso último texto, deve se lembrar que os piratas receberam a Missão Networking, cujo resultado influenciaria diretamente na acomodação deles no Rio de Janeiro. Foi durante a programação da SOUL, que ela foi resgatada. Em uma das atividades propostas pelo Marco e pelo Victor, os piratas desenvolveram soluções para problemas reais, exercitando as técnicas de facilitação e escuta ativa durante todo o processo. E já que a melhor forma de fazer um projeto acontecer é compartilhando a ideia com a sua rede e conquistando apoiadores, os piratas ligaram para a rede que eles construíram durante a Campus Party, apresentaram as suas ideias e adquiriram suporte para a realização dos projetos. Isso fez com que eles não precisassem mais usar as barracas… por enquanto.
Saindo de casa
Por mais que durante os primeiros dias os piratas tenham ficado mais em casa, eles também saíram para explorar o Rio de Janeiro e as iniciativas incríveis presentes na cidade.
Depois de tantos aprendizados relacionados à tecnologia, inovação, criatividade e futuro, era impossível que os piratas já não tivessem visitado alguns conceitos e despertado curiosidade pela Cultura Maker. Mas foi só no Olabi, makerspace na zona sul do Rio, que eles tiveram a oportunidade de botar a mão na massa, e testar na prática sua habilidades criativas e manuais, aprender sobre o movimento maker, cultura hacker, fablabs e laboratórios de experimentação em geral.
Apresentados à esse universo pelo Eduardo Lopes, em um dia de desafios e experimentação, os Piratas conheceram o poder da educação maker para jovens e crianças, e também para empreendedores, inovadores e artistas. Foi um novo approach ao desenvolvimento de projetos, em que o compartilhamento de maquinários, ferramentas e ideias explorando a marcenaria, eletrônica, robótica, impressão 3D e biohacking, formam redes transdisciplinares de trabalho nas quais errar é tão importante quanto acertar.
Depois do mergulho proporcionado pelo pessoal do Olabi, os piratas foram muito bem recebidos pela equipe da LAJE para a participação do workshop “Playful Business — LEGO® também é para adultos”.
O momento foi facilitado pela Marcia Penna, que compartilhou com todos os participantes a metodologia LEGO® Serious Play® e mostrou a importância da utilização de Design Thinking e metodologias lúdicas na resolução de problemas. Foi uma imersão prática no conceito de gamification, que agregou no entendimento de que é possível engajar pessoas na criação de um ambiente aberto à inovação e também no redesenho de serviços e produtos.
E diferente de algumas programações anteriores, todas as dinâmicas foram propostas para um grupo extenso e diverso. Haviam profissionais do meio corporativo, jovens em busca de mais conhecimento, novos empreendedores e pessoas que queriam se atualizar com as novas metodologias. Toda a diversidade tornou a experiência ainda mais enriquecedora e proporcionou uma troca bastante positiva entre todos os envolvidos.
Empreendedores impactando empreendedoras
Antes mesmo da definição de todas as atividades que fariam parte da trilha, nós já imaginávamos que os piratas viveriam com a Gastromotiva, o auge da experiência UNBOUND em termos de aplicação dos conhecimentos e aprendizados adquiridos. E nós sabíamos também, que essa aplicação envolveria a realização de ações de impacto real na vida de pessoas que empreendem em condições de oportunidade muito menores.
Assim que chegamos no Refettorio Gastromotiva, fomos recebidos pela Agnes e os piratas conheceram de perto a iniciativa do chef brasileiro David Hertz, fundador da Gastromotiva, que há anos transforma vidas com programas de Capacitação em Cozinha. No caso, a iniciativa que foi apresentada aos piratas, empodera cidadãos de baixa renda a conquistarem espaço no mercado de trabalho, bem como a empreender seus próprios negócios no ramo da Gastronomia. Não só isso, eles também conheceram e atuaram como voluntários no Refettorio Gastromotiva, uma das iniciativas de disseminação da Gastronomia Social trazida para o Brasil em parceria com o chef italiano Massimo Bottura e a jornalista Ale Forbes, que funciona como um restaurante-escola, onde chefs profissionais se unem a estudantes da Gastromotiva, para prepararem maravilhosas refeições à partir de ingredientes excedentes (que mesmo ainda bons para consumo seriam descartados por supermercados da cidade). Todas as noites, o Refettorio serve gratuitamente, refeições para pessoas em situação de rua, trazendo à elas um momento de dignidade e estímulo à ressocialização, por meio da comida e da cultura.
Mas como nós bem já comentamos, para que o aprendizado seja genuíno e impactante, é preciso que os atores não estejam apenas como telespectadores e ouvintes, mas também envolvidos em atividades práticas que os desafiem a ir além. Por isso, nós da equipe SKEP , propomos um desafio para os 10 piratas. Naquele mesmo dia, os piratas tiveram a oportunidade de conhecer 4 micro empreendedoras e ex alunas da Gastromotiva, cuja paixão por gastronomia foi o combustível para a abertura de 3 pequenos negócios no segmento.
Gerlândia, Carla, Alessandra e Merielen, impressionaram e emocionaram cada um de nós presentes no Refettorio com suas histórias de vida, repletas de dificuldades e superações. Foi o contato necessário para entender que empreendedorismo não tem porte definido, e nós temos muito para aprender com quem consegue “fazer acontecer” com poucos recursos e mantendo outras atividades em paralelo, mas nunca, sem perder o sorriso no rosto e o brilho no olho. Após perceber que tínhamos muito a aprender com aquelas mulheres que empreendem todos os dias, foi também a hora de parar e refletir sobre o que poderíamos fazer para ajudá-las.
Nas 48h seguintes, os piratas mergulharam na realidade de cada uma dessas empreendedoras, visitando suas casas e seus locais de trabalho para entenderem mais a fundo o contexto em que elas estavam inseridas e quais as principais dificuldades enfrentadas na gestão dos seus respectivos negócios. Depois de adquirirem mais conhecimento acerca do contexto, eles voltaram para a base da UNBOUND no Rio de Janeiro para darem sequência ao Hackathon Social. Foram muitas horas de trabalho, muitos blocos de post it e madrugadas em claro com o objetivo de fazer o máximo por aquelas empreendedoras. As necessidades de cada uma eram variadas, dependia de cada equipe ir atrás das soluções mais adequadas e construir as ferramentas que mais auxiliassem cada uma delas. No fim de todo o processo, planilhas de precificação e de controle financeiro foram produzidas, identidades visuais foram pensadas, estratégias de comunicação foram detalhadas e planos de ação foram traçados com base nas diferenças de cada micro empresa.
O resultado de todo trabalho intenso de 48h foi apresentado e entregue nas mãos de cada uma daquelas mulheres, um momento de emocionar os piratas, as empreendedoras e também nós da SKEP, que presenciamos a gratidão presente no olhar e nas palavras de cada uma delas e também o trabalho duro de cada pirata. Com certeza, uma lição de empatia, que viria a ser ainda mais explorada no restante da trilha.
Pra contrapor a correria, um pouco de reflexão
Quando mergulhamos de cabeça nos trabalhos, esquecemos de respirar, consolidar e refletir, não só em relação a nós mesmos, mas a tudo que está a nossa volta também. Só refletir e não executar não gera a ação necessária para a implementação de mudanças importantes, mas só fazer sem pensar se esse é o melhor caminho também não é uma alternativa tão interessante. Por isso, nós da SKEP, tivemos a preocupação de combinar programações que trouxessem esses dois momentos diferentes a tona: A hora de parar e pensar e a hora de criar coragem e agir, cada um no seu tempo. Dessa forma, depois de um intenso Hackathon Social, era hora dos piratas passarem por mais momentos de reflexão, agora no Museu do Amanhã.
Guiados pelo David, educador do Museu do Amanhã, os piratas mergulharam numa reflexão profunda sobre a pegada tecnológica da sociedade de consumo “des-envolvida”. Ao longo da programação, surgiram perguntas que tentam responder “de onde viemos?” contrapondo teorias evolucionistas e criacionistas, sempre entendendo que as percepções de verdade de cada cultura ou indivíduo, são definidas à partir dos significados socialmente construídos. E por fim, reflexões sobre os desafios futuros da Era Antropocênica, e a capacidade da ciência, da tecnologia e da sociedade de criar condições sustentáveis para a continuidade da espécie humana no planeta.
Na exposição temporária do Laboratório de Atividades do Amanhã, os piratas foram mais uma vez estimulados a agir em prol do bem público “hackeando” soluções para suas cidades ou seus bairros, sem esperar pela ação governamental, engajando redes e surfando a onda da cultura maker e da inovação social. Tudo isso numa explosão de arte, história, atualidade, futurismo, ciência, dentre outros temas e questionamentos que fizeram a mente dos piratas trabalhar.
Choque de realidades
Numa época em que os conceitos de “empreendedorismo” e “impacto social” parecem desassociáveis, mesmo considerando iniciativas empreendedoras cuja proposta não seja diretamente voltada para resolver um problema social, nada mais relevante que a abordagem do Pensamento Sistêmico. Foi em uma noite que os piratas receberam a visita do Murilo Sabino para obterem a noção de que todo empreendedor gera impacto: social, ambiental, econômico, político, seja no seu bairro, cidade, ou no planeta. Mas, além da tomada de consciência da existência desses problemas e da responsabilidade que o empreendedor precisa ter, os piratas entenderam através de dinâmicas a complexidade do nosso meio. Complexidade que é demonstrada quando percebemos que a maior parte dos problemas estão conectados e exercem influência direta, uns nos outros. O que muitos podem ver como algo negativo e que torna a situação do nosso país ainda mais difícil de mudar, os piratas enxergaram a partir de outro ponto de vista. A partir do momento que uma iniciativa impacta um determinado ponto (mesmo que seja um ponto pequeno), a capacidade que isso tem de se espalhar e influenciar outros elementos desse sistema é ainda maior, devido a essa conectividade.
Além de levar aos piratas a abordagem do pensamento sistêmico, Murilo apresentou e convidou os participantes da UNBOUND a participarem de uma ronda do Projeto RUAS (Ronda Urbana de Amigos Solidários), projeto cujo objetivo é: “Promover o bem estar e a cidadania da população em situação de rua com informação e estímulo por meio dos residentes dos bairros ao seu entorno”.
Após a introdução do projeto e a divisão dos 10 piratas em dois grupos, nos dirigimos até o ponto de encontro dos participantes da ronda para recebermos a capacitação e fomos rumo a refeição com os atendidos. O choque de realidade vivido pelos piratas, sentados no chão de uma praça compartilhando uma refeição e conhecendo as histórias de vida daquelas pessoas geralmente ignoradas por quem poderia ajudar, mostrou que além de visão sistêmica, é preciso empatia e um novo olhar com relação às populações em situação de vulnerabilidade social, para que o impacto seja verdadeiramente positivo para elas e consequentemente para todo o ecossistema no qual estas pessoas estão inseridas. Uma lição poderosa que tocou profundamente todos nós, por percebemos que a realidade é muito diferente quando vista a partir da perspectiva do outro, ainda mais quando esse outro, dificilmente é ouvido ou inserido na conversa.
A programação com o Murilo foi a última atividade da etapa Rio de Janeiro. Bom… pelo menos foi isso que nós dissemos aos piratas.
Uma parada estratégica
De malas prontas e dentro da van mais uma vez, estavam todos empolgados e prontos para a última cidade que faria parte da trilha UNBOUND, Florianópolis. O que os piratas não sabiam, é que nós faríamos uma parada estratégica na aldeia Awá Porungawa Dju, localizada em Peruíbe, no litoral Sul de São Paulo. Após a van “emperrar” na entrada da praia, todos foram instruídos a descerem do carro e caminharem rumo ao local onde iríamos almoçar, enquanto o problema da van era resolvido. Após isso, seguiríamos viagem à Floripa novamente.
Quando nos aproximamos do local indicado por mim, David, fomos surpreendidos por uma tribo indígena, que levou os piratas para dentro da sua aldeia e revelou o que eles já estavam imaginando: aquilo não era uma parada para o almoço.
Na verdade, todos nós ficaríamos ali por 3 dias, dormindo em barracas, para absorver a cultura daquele povo e exercitar mais uma vez a capacidade de gerar empatia por realidades completamente diferentes das nossas. Tudo isso fazia parte de um programa organizado pela Vivência na Aldeia, que busca, através das suas atividades, promover um intercambio cultural e social, gerando elos permanentes, de conexão real, apoio mutuo e cooperação.
Da resistência a entrega. Durante os dias em comunidade, foi nítido perceber o processo de transição em que os piratas viveram. Descolando da perspectiva de “luxo” das cidades e famílias de origem, e mergulhando na fragilidade e escassez em que a tribo vive, não foi tão fácil abrir espaço para o sentimento de conexão e empatia aflorarem. A Vivência na Aldeia proporcionou uma experiência que evita a imagem distorcida e maquiada do turista e abre espaço para a realidade do usuário, empoderou todos os envolvidos a serem agentes de transformação efetivos e principalmente valorizarem pequenos hábitos do dia a dia.
Os Piratas absorveram no processo, conhecimento prático e teorias baseadas em histórias e não necessariamente cálculos. Alguns pontos mais marcantes foram:
- Liderança Dinâmica
- Soluções Ecoeficientes
- Sustentabilidade por Necessidade
- Teoria Sistêmica
- Rituais e Mitos
- Fauna e Flora
Apesar dos dias cansativos, onde o foco não estava no conforto, mas sim na capacidade de empreender diariamente para sobreviver junto a uma comunidade, os piratas se envolveram na construção de trabalhos manuais, manuseio de arco e flecha, construção de casas e portas e rodas de histórias na fogueira. Tudo isso, para que a imersão fosse completa e marcante o suficiente para agregar aprendizados que não seriam levados apenas para as etapas seguintes, mas sim, para a vida de cada um.
Depois das despedidas, era hora de seguir rumo à Florianópolis.
Os últimos dias de UNBOUND estavam chegando ao fim.