#2 | 3 Sistemas de RPG que valorizam a cultura brasileira

Lucas Campos
Só Mais um Turno
Published in
4 min readJun 27, 2023
Capa dos livros base dos RPGs ‘O Cordel do Reino do Sol Encantado’, ‘Mojubá’ e ‘A Bandeira do Elefante e da Arara’

Para muitos, jogar RPG é uma forma de fugir da realidade em que vivemos e imaginar-se em situações completamente diferentes. Diante disso, tornar-se um heroico mago que vive numa era medieval ao maior estilo europeu ou talvez um vampiro que luta contra a fera interior nas noites americanas realmente são experiências interessantes e, sim, muito divertidas.

Sistemas como Dungeons & Dragons ou World of Darkness nos permitem vivenciar um pouco desses locais com diferentes contextos socioculturais, uma vez que muitas aventuras prontas acontecem no exterior e foram escritos por pessoas cuja ótica de mundo é a de lá. No fim, acabamos seguindo esses modelos no piloto automático.

Por mais que a ‘possibilidade’ seja parte do que torna esse gênero de jogo tão mágico, acredito que, muitas vezes, esquecemos de buscar viver histórias fantásticas em um contexto que seja nosso. Felizmente, com a força que o RPG brasileiro tem ganhado nos últimos anos, é possível observar o despontar de autores que usam a cultura nacional para criar jogos e cenários muito ricos.

Pensando nisso, decidi trazer para vocês a recomendação de 3 sistemas lançados recentemente — entre 2019 e 2023— , onde a cultura brasileira é maravilhosamente evidenciada.

1. O Cordel do Reino do Sol Encantado

Não tinha como começar essa lista sem mencionar O Cordel do Reino do Sol Encantado, de Pedro Borges. O sistema, seus suplementos e aventuras são completamente embasados e ambientados em um Nordeste mágico, que extrai o melhor das grandes obras literárias como O Auto da Compadecida, Os Sertões e os inúmeros poemas de Cordel. Essas referências incríveis se somam para construir um livro de regras escrito totalmente em versos, usando um linguajar que dialoga com os diversos estados nordestinos, apresenta suas classes baseadas em estereótipos e personagens da nossa cultura — mas de forma respeitosa — e desenha seu bestiário como uma grande saudação ao folclore regional. Além disso, todas as artes dos livros são belíssimas, pois usam o estilo da xilogravura. Uma homenagem perfeita.

2. Mojubá

O que acontece quando a cultura afro-brasileira encontra o futurismo? Temos Mojubá, de Lucas Conti. Nessa obra, o autor trouxe as mitologias Iorubás e as religiões de matrizes africanas para um grande centro urbano de um futuro tecnológico, onde os crias — descendentes dos Orixás — precisam lidar com espíritos malignos, vilões mal intencionados e, às vezes, uns com os outros — em batalhas de Rap. Não preciso dizer que, em um país com altos números de intolerância religiosa e violência contra pessoas pretas, Mojubá é uma forma poderosa de ensinamento sobre ancestralidade e resistência. Além disso, no universo do RPG, onde predominam narrativas brancas, é simplesmente incrível ver narrativas pretas conquistando seu merecido espaço e fazendo vibrar muito do que constitui a cultura brasileira. Menção honrosa para a diagramação e arte do livro, é realmente de brilhar os olhos.

3. A Bandeira do Elefante e da Arara

Ainda que não seja escrito por um autor brasileiro, não posso deixar de mencionar A Bandeira do Elefante e da Arara, de Christopher Kastensmidt. Nesta obra, apoiada pelo Ministério da Cultura através da Lei de Incentivo à Cultura, somos transportados à época do Brasil colônia. O sistema tem um caráter bastante educacional e, por ter muitos brasileiros envolvidos na produção, se debruça bem demais em cima da nossa história. Assim, temos um capítulo inteiro que contextualiza o Brasil no ano de 1576 e um bestiário que conta com seres encantados do folclore brasileiro e animais típicos da nossa fauna. É um material riquíssimo e que pode render boas reflexões sobre o passado.

É importante destacar que não há aqui o intuito de te dizer como jogar RPG, afinal não há uma maneira certa de fazer isso. Quer que sua história se passe em algum país do exterior e ter um personagem de lá? Faça. A prioridade deve ser sempre buscar sua diversão e o bem-estar de todos na mesa.

Por outro lado, este artigo é um lembrete do quanto nosso país tem muito a oferecer ao universo do RPG e como pode enriquecer as suas aventuras e a de seus amigos saindo desses espaços estrangeiros para mergulhar mais a fundo no nosso universo.

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Lucas Campos
Só Mais um Turno

27 anos, jornalista e UX Designer, viciado em RPG de mesa, videogames e cultura POP. Atualmente, redator e editor no SMT - Só Mais um Turno.