#3 | A importância do RPG para pessoas LGBTQIAPN+

Lucas Campos
Só Mais um Turno
Published in
4 min readJun 28, 2023

Muito embora tenhamos atualmente um número consideravelmente maior de pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ ocupando posições de destaque no meio do RPG — como autores, ilustradores, produtores de conteúdo, streamers, jogadores, entre outros — e também empresas que se declaram aliadas, não seria precipitado afirmar que a hegemonia ainda está predominantemente nas mãos das pessoas cisgênero e heterossexuais.

Por conta disso, por mais que exista a possibilidade de criar personagens LGBTQIAPN+ nos RPGs de mesa, creio que esse nível da nossa identidade — estejamos falando de gênero ou de orientação sexual — não costuma ser contemplado de alguma forma nos sistemas mais mainstream. Alguns indies, por outro lado, como Be Gay Do Crimes e Thristy Sword Lesbians entendem a importância de abordar o tema para que os jogadores se sintam inclusos de alguma forma.

É evidente que nem todos os jogos ou todas as nossas histórias precisam girar em torno do fato de sermos LGBTQIAPN+, porque, na realidade, este é apenas um aspecto de quem somos. Ainda assim, é um pilar importante e que nos situa no mundo e na nossa relação com ele. Infelizmente, esta relação ainda está longe de ser tão positiva ou simples como deveria ser.

Aliás, vamos falar desta realidade? De acordo com o Observatório do Grupo Gay da Bahia (GGB) de 2022, o Brasil continua liderando o rankeamento de países que mais matam pessoas LGBTQIAPN+. Só no ano de 2022, foram pelo menos 256 pessoas pertencentes a este grupo que morreram de formas violentas — das quais 52% eram gays e 43% eram pessoas transgênero e travestis. Do valor total, 14 pessoas cometeram suicídio. Esse quantitativo representa uma morte a cada 34 horas.

Obviamente, os números de violência física representam apenas um dos muitos problemas que a comunidade LGBTQIAPN+ precisa enfrentar. Existem outras nuances como: rejeição familiar, expulsão de casa, bullying, perseguição ou rejeição total em ambientes de trabalho, marginalização social, etc.

Diante disso, há quem ainda que não entenda o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ — comemorado hoje, 28 de Junho — , mas do contexto apresentado até aqui, dá para ver que sobreviver pertencendo a esta comunidade não é nada fácil. Por isso, viver nossas vidas com orgulho de tudo que somos é, sim, algo que deve ser celebrado alegre e abertamente — mas, claro, sem esvaziar o simbolismo de luta.

Muitas pessoas, entretanto, ainda não podem expor essa parte de suas identidades. Por sorte, o RPG apresenta-se para elas como uma espécie de válvula de escape: diferentes universos e mundos onde temos a liberdade para descobrir quem nós somos e caminhar na direção de quem queremos ser e também poder amar quem desejamos sem medo de sofrer alguma punição ou literalmente morrer por conta disso.

Falando um pouco da minha experiência pessoal, passei anos rejeitando completamente a ideia de ser gay. Crescendo em uma família cristã com origens do interior paraibano, sempre tive muito receio de que eles — e qualquer outra pessoa — descobrissem que eu sentia uma atração por outros meninos, algo que eu não entendia muito bem. Por um tempo, até mesmo sentia raiva sempre que alguém cogitava a ideia de que eu fosse gay perto de mim. Era algo simplesmente intolerável.

Quando descobri os RPGs narrativos em fóruns (por onde comecei minha jornada nesse universo), vi que haviam pessoas lidando muito bem com a questão e haviam personagens abertamente LGBTQIAPN+ que eram bem aceitos, respeitados e não tratados como piada — assim como seus jogadores. Quando tive a coragem de criar um personagem gay, anos depois, comecei a sentir que talvez eu fosse como ele e que talvez eu estivesse vivendo através dele o que eu gostaria de viver. Ainda assim, precisei de um empurrão dos meus web-amigos (beijo Dan, Pups e Digs) para admitir e viver quem eu sou.

A boa notícia é que esse cenário de liberdade não se limitou aos RPGs narrativos em fóruns, pois quando cheguei nos de mesa, vi o mesmo espaço inclusivo acontecendo — tanto nos grupos com os quais joguei, como em canais pelos quais tenho muito respeito e admiração, como o D20 Culture, as mesas do Mestre Pedroka e, falando dos estrangeiros, o Critical Role e o Dimension20.

Dito tudo isso, termino este artigo dizendo que o RPG é mais do que um simples formato de jogo: o RPG é um multiverso onde viver o orgulho é o componente que jamais falta — ou não deve faltar — para completar a missão da busca pela diversidade.

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Lucas Campos
Só Mais um Turno

27 anos, jornalista e UX Designer, viciado em RPG de mesa, videogames e cultura POP. Atualmente, redator e editor no SMT - Só Mais um Turno.