#4 | O papel do RPG de mesa na história dos jogos digitais

Lucas Campos
Só Mais um Turno
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4 min readJun 30, 2023

Em meados da década de 1970, o RPG surge como um gênero revolucionário. Até aquele momento, os jogadores não tinham voz ativa na experiência da qual estavam participando e precisavam aceitar todas as interações, trajetos, combates, etc. impostos pelos jogos.

“E se eu preferir dialogar com este personagem ao invés de assumir que ele é um vilão incorrigível? Serei obrigado a lutar com ele mesmo assim?”. Bem, para a época, só havia uma resposta: sim, prossiga.

Olhando de uma perspectiva atual, é óbvio para todos nós que, neste período da história, os computadores e demais dispositivos tecnológicos ainda estavam, pode-se dizer, engatinhando — quando comparados com todos os aparatos e funcionalidades que temos hoje em dia . O mesmo pode-se dizer a respeito do design de jogos.

De qualquer forma, imagino que, para os jogadores com mentes mais criativas, tantos limites poderiam ser uma fonte de frustração. Entretanto, quando em 1974, Gary Gygax e Dave Arneson lançam a primeira versão de Dungeons & Dragons pela TSR, o universo dos jogos expande seus horizontes e muda completamente de perspectiva.

Se fôssemos definir o RPG em palavras-chave, poderíamos utilizar algumas como imaginação, participação e interação. Talvez alguém que esteja mais distante desse gênero possa não entender, mas vamos destrinchar a seguir.

O RPG, em seu formato primordial, usa a imaginação como sua principal plataforma. É através dela que construímos cenas inteiras por meio do estímulo oral, fornecido pelo narrador e também por todos os jogadores que participam da dinâmica da mesa, a partir do momento em que fazem suas contribuições individual ou coletivamente — visto que eles podem interagir para enriquecer as cenas através de diálogos e ações, por exemplo.

“Tá, mas e daí? O que isso tem a ver com jogos de computador?”. Ora, se antes a perspectiva de fazer intervenções dentro dos jogos já era uma ideia que pairava na mente de algumas pessoas, o que você acha que aconteceu depois de D&D? Com o sucesso desse RPG, houve um impulso na direção da interação como elemento nos jogos, um formato de mídia que estava em evidência e constante crescimento.

Começam a surgir, então, os text-based games, ou jogos baseados em texto para computador. Colossal Cave Adventure (1976), de William Crowther e Don Woods, foi o primeiro deles. Nesse precursor, somos um explorador que busca tesouros em uma caverna perigosa e mágica onde é possível encontrar uma fortuna em tesouros. Como a exploramos? Puramente através de leituras e comandos de texto em um terminal de computador.

Exemplo do funcionamento de Colossal Cave Adventure

Outros jogos no mesmo modelo vieram posteriormente, como Zork (1977) e Spider and Web (1988). Esse certamente foi um avanço significativo para a indústria dos jogos. É óbvio, não podemos esquecer dos limites computacionais da época, mas Colossal Cave Adventure tornou a possibilidade um fator tangível nos jogos, afinal, o jogador poderia tomar rotas alternativas e não seguir em linha reta, de forma pré-fixada.

Pouco tempo depois, inspirando-se nos RPGs e nos text-based games, Roberta e Ken Williams criaram Mystery House (1980), um jogo de suspense, assassinato e investigação. Esse lançamento, porém, representou outro marco para o segmento, pois ele foi o primeiro jogo de computador a contar com amparo visual para o que surgia na tela.

Uma das cenas de Mystery House

Esse processo evolutivo da relação entre texto e gráfico não parou mais e se permanecermos avaliado o gênero de text-based game, temos hoje exemplos de jogos e franquias de muito sucesso que usam apenas esses elementos para contar uma história e criar uma experiência interativa, como: Phoenix Wright, Disco Elysium e Zero Escape Saga. Se tirarmos o texto como fator principal, há ainda outros exemplos interessantes, como a franquia Life is Strange.

Mas será que os atrativos do RPG são apenas a interação e a colaboração, sendo essas as únicas contribuições do gênero para os jogos digitais? Claro que não! O RPG tem um outro elemento fantástico do qual careceram os jogos por muito tempo: a personalização. Acho que falo por muitos quando digo que uma das melhores coisas ao começar uma mesa é a construção do personagem, quando escolhemos os atributos, história, aparência, etc.

E foi justamente um Dungeon Master que trouxe esse elemento à tona: Richard Garriott, criador do jogo Ultima (1981) — onde o jogador poderia personalizar os atributos do personagem. A alteração de aparência e certas particularidades só veio surgir muito depois.

Ainda que o conceito de avatar, a essa altura, já existisse como premissa no design de jogos, sem a inserção dos atributos apresentada por Garriott, jamais chegaríamos no ponto dos avatares únicos/particulares/individuais — pois até então, só tínhamos em mãos Marios, Sonics e Links da vida. Nada com o qual pudéssemos nos relacionar de forma concreta.

Desse ponto em diante, a história é longa, mas vocês sabem como ela termina. Na verdade, sabemos que esta é uma narrativa sem fim, pois os jogos continuam evoluindo diariamente — sejam eles de tabuleiro, de mesa ou digitais.

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Lucas Campos
Só Mais um Turno

27 anos, jornalista e UX Designer, viciado em RPG de mesa, videogames e cultura POP. Atualmente, redator e editor no SMT - Só Mais um Turno.