De noite, todos os gatos fazem miau

Guilherme Schütz
Só pra passar o tempo
3 min readSep 18, 2013

Eram 3:12 quando pegou o celular e olhou a hora. As cobertas no chão, derrubadas pelo constante movimento durante o sono, foram dadas falta e o frio passou rente ao nariz. A respiração fria mostrava que a noite marcava seus dois graus. Uma pequena fresta da cortina deixava a luz do poste invadir o quarto e colidir com seus olhos e alguns estranhos choros não deixavam pregar o sono outra vez, fazendo lembrar de uma história contada num jantar de natal da família de alguns anos atrás.

“Nessa casa que tu mora agora, antes tinha outra casa no pátio. Vou contar um causo agora que aconteceu nela. Nessa casa morava uma família que tinha o pai, a mãe e um filho pequeno. Os pais trabalhavam o dia todo e então eles deixavam uma empregada tomando conta da casa e do gurizinho. A empregada, cansada do muleque, um dia se encheu do saco e resolveu dar um fim naquilo tudo. Enterrou a criança viva no fundo do pátio e depois foi pra casa, onde foi encontrada morta pouco tempo depois. Quando os pais chegaram em casa, não encontraram a criança e avisaram a polícia. A criança nunca foi encontrada. Os pais se mudaram da velha casa, onde teus pais compraram ela e construíram outra, pra tentar fugir da lenda. Mas nessas noites de natal, a criança chora pedindo pra ser desenterrada, pedindo presente ou alguém pra brincar, apenas. O choro dela, abafado pela terra, parecem gatos fazendo amor. Então, quando tu ouvir os gatos na madrugada perto da tua casa, lembra-te da criança.”

3:27 e a luz parecia mais forte. Os ruídos haviam cessado, mas a lembrança daquela história ainda fazia a cabeça rodopiar. Era bobagem do primo mais velho sim, mas aquilo continuava a moer os pensamentos. 3:31 e a balbúrdia ao lado da casa recomeçou. Uma orquestra de gemidos e pedidos pra brincar; miau, miau, miaweowowowowwowo, vem jogar bola comigo. Aquilo prensava a cabeça no travesseiro e os olhos fixos na luz invadindo o quarto. 3:34, e o choro parou de vez. Na esguelha do muro em frente a janela, um gato passou correndo em cima dele. A sombra fez o quarto escurecer por milésimos de segundos, o suficiente pras cobertas formarem um casulo e uma lagarta se preparar em cima da cama, pro amanhecer nascer um rosto com fundas olheiras no espelho.

3:38 e tudo num inquietante silêncio. Os problemas começaram a vir a tona. Aquele filho da puta ainda vai pagar. Iria deformar o rosto dele, com tamanha raiva que sentia. Seu tempo ocioso, o pensamento era tomado pela raiva que sentia do cagão que infernizava sua vida. Aquele filho da puta ainda pagaria por toda merda que causara. 3:43 e agora pensava em Carol. Ah, Carol, por que? Teus lábios não são labirintos, pois ainda não havia provado deles. O ponto alto do dia era chegar na faculdade e passar 15 minutos conversando e rindo com ela, olhando os olhos marrons, as maçãs do rosto cheias, mesmo sendo fina de corpo. Os lábios carnudos e os dentes quadradinhos o deixavam louco. Fazia quase seis meses que gostava dela, mas ela o intimidava a ponto de se sentir tão confortável que seria um erro tentar algo com ela. Queria partilhar a intimidade, ver as costas nuas e perder tempo deitados escutando o Adore dos Smashing Pumpkins. Mas ela o intimidava. Tinha medo do resultado. Seis vezes anteriores o haviam deixado sem direção, e uma sétima gostaria de tentar, mas o risco era grande. Gostava da companhia, mas o risco era grande. Pegou-se sorrindo, olhando a luz invadindo o quarto. Pensava como seria ver a luz invadir o quarto por sobre os ombros dela, enquanto ela dormia ao seu lado. Pegou-se sorrindo, imaginando tudo faziam 7 minutos.

3:50, e ainda pensava no que poderia fazer. Naquela noite tomaria sua sétima iniciativa. Riu sozinho enquanto pensava no que iria fazer. Seus pensamentos já não habitava a velha história do natal. Nada tinha ver o natal. Era metade de setembro, e um frio de início da primavera mudava o tempo. Pensava numa noite qualquer que fumavam um cigarro andando pelo campus matando aula, em que tentou beija-la. Segurou seu pescoço e hesitou um momento. “Não podemos, disse ela.” Não comentou nunca mais sobre. Nunca mais tentou nada sobre. Gostava de pensar sobre Carol. O tempo passava voando, e com isso, o sono começou a chegar. Carol. Carol. Carol. Carol. O sono chegava, eram 3:56. Miau, miaumi aimauamuia; vem jogar comigo.

Era uma panqueca na cama. Nenhum movimento. Miau, Miauiamuaiamuaami; vem logo jogar comigo. 5:18 da matina.

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