Meu passado me condena

Eduardo Branco
Sobre Comédia
Published in
4 min readJan 15, 2015

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Meu Passado me Condena“, filme de Júlia Resende com roteiro de Tati Bernardi, estreou na última semana e já alcançou o topo das bilheterias nacionais no seu primeiro fim de semana em cartaz.

Como fica evidente no trailer a sinopse é bem simples: Após se casarem às pressas pouco tempo depois de se conhecerem, o casal Fábio e Miá resolve passar a lua de mel num cruzeiro com destino à Europa. Durante a viagem os dois têm tempo de descobrir que não se conhecem tão bem assim, e ainda encontram duas figuras importantes de seu passado amoroso que podem abalar seu relacionamento.

Baseado na série de mesmo nome exibida no Multishow em 2012, — que teve 13 episódios na primeira temporada e cuja segunda temporada estreia dia 30 de outubro, talvez pra tentar capitalizar o já esperado sucesso do filme — os personagens principais de ambas as produções têm os mesmos nomes, e parecem existir em um universo paralelo, já que no seriado os noivos passam a lua de mel numa pousada e, no longa, em um cruzeiro. No fim das contas isso não faz nenhuma diferença, pois tenho quase certeza de que nenhum fã da série vai reclamar, principalmente por que acho que até hoje ninguém conseguiu virar fã de uma série de humor do Multishow.

No filme, quase toda a ação humorística é catalisada pelo que parece ser uma certa improvisação dos atores, mas principalmente pela conhecida atuação afetada de Fábio Porchat. Aqui cabe uma ressalva (acho que cabe sim, tem bastante espaço): quando comecei a descobrir o trabalho do Fábio me perguntava várias vezes o porquê daquele exagero todo, da entonação acentuada, de tanta gesticulação, aí aos poucos me dei conta de que aquilo era o Fábio Porchat, e que seria difícil pra ele se distanciar de tudo isso.

Fica óbvio então que o carisma adquirido com seu jeito canastrão de atuar é o que mais atrai o público para ver seus filmes, tanto que quando recebi o convite de uma amiga para ir ao cinema as palavras que ouvi foram: “Vamos pro cinema ver o novo filme do Fábio Porchat?”. Muitas pessoas só vão assistir ao novo filme do Woody Allen por ser o novo filme do Woody Allen. Isso significa que as pessoas admiram o trabalho dele, e eu não considero de maneira nenhuma isso como algo ruim.

Pode até ser que o estilo de atuação do Fábio funcione bem em alguns vídeos curtos do Porta do Fundos, mas num filme em que o roteiro carece de uma melhor elaboração dos personagens, só a canastrice do ator o tempo todo não é o suficiente para torná-lo bom. Por outro lado algumas gags são boas, mas outras não funcionam exatamente por parecerem muito exageradas.

A fundamental importância dos diálogos e da construção da relação entre os personagens nas comédias românticas já foi tema discutido aqui no Sobre Comédia, e esses são pontos que mereciam melhor atenção na elaboração de “Meu Passado me Condena”. Tudo parece muito corrido, e isso acaba deixando o filme sem ritmo (as filmagens foram realizadas em três semanas a bordo de um cruzeiro convencional, o que pode ser uma justificativa para a correria). Conflitos se resolvem rápido demais, e a falta de química entre o casal principal não nos deixa torcer para que eles resolvam seus problemas, assim como acontece em “Mato sem Cachorro“. Nem a inserção do amigo excêntrico de Fábio à história — que deveria servir como mais um alívio cômico para a trama, mas agora num momento de tensão — consegue melhorar a situação.

Algumas cenas, como a que o casal de vilões se agarra e faz algumas gracinhas após receber o prêmio que ganharam no cassino, tentam reproduzir o estilo de direção e as situações às quais o grande público está acostumado a assistir nas novelas. Essa é uma mania antiga que o cinema nacional de humor precisa deixar de lado o quanto antes se tiver alguma intenção de evoluir como gênero e infelizmente parece não conseguir. É mais fácil apostar no que se sabe que dará certo.

“Meu Passado me Condena” não traz nada de novo pros filmes de comédia no Brasil, tão pouco para o gênero de comédias românticas, e nem parece ter sido esse seu objetivo. A única coisa que o filme consegue fazer é alcançar as expectativas de quem saiu de casa com a intenção de se divertir um pouco assistindo a um filme com o Fábio Porchat.

Originally published at sobrecomedia.com on October 29, 2013.

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Eduardo Branco
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desenho e escrevo. não necessariamente nessa ordem