O lado trágico da comédia

Comédia e tragédia não são tão opostas quanto se costuma acreditar

Eduardo Branco
Sobre Comédia

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O comediante Greg Giraldo tinha uma piada em sua rotina que dizia o seguinte:

Um mendigo chegou pra mim outro dia me pedindo dinheiro. Eu ia dar uns trocados pra ele e pensei “Ele vai usar o dinheiro pra comprar drogas e álcool!”. Mas aí pensei melhor “É pra isso que EU uso o meu dinheiro. Quem sou eu pra julgar o cara?”

Em setembro de 2010, após alguns anos lutando contra o vício em drogas e álcool, Greg Giraldo sofreu uma overdose acidental ao ingerir uma quantidade exagerada de medicamentos sob prescrição — que tomava para controlar sua melancolia e ansiedade — e faleceu depois de ficar 5 dias internado.

Numa intimista entrevista concedida em 2009 pro site Psychology Today, Giraldo fala sobre como o sentimento de fracasso era constante em sua vida: “Eu me sinto como se estivesse me escondendo nas drogas ou no álcool […] Sinto como se tivesse falhado em termos de quão grande é o meu potencial”.

Assim como Giraldo, diversos comediantes utilizam seus dramas pessoais como tema para algumas de suas piadas. Existe uma corrente que acredita por trás dos palcos a vida do comediante é triste, e esse não é um tema recente, tanto que a conhecida ópera italiana Pagliacci (1892) (que inspirou a canção Tears of Clown, de Smokey Robinson & The Miracles), conta a história de um palhaço traído que precisa esconder sua tristeza do público que o assiste fazer graça.

Todo comediante quer que seu material seja entendido e apreciado de alguma forma. Essa motivação é essencial para o desenvolvimento do seu trabalho. O constante julgamento ao qual são submetidos, a necessidade de aceitação, a busca pelo reconhecimento; são sentimentos fortes o suficiente pra tornar esses tipos de angústias adquiridas totalmente compreensíveis.

Comédia e tragédia não são tão opostas quanto se costuma acreditar, as duas caminham lado a lado, e o documentário “The Tragic Side of Comedy”, produzido pelo canal Biography Channel, mostra de maneira rápida a história desses 10 comediantes de destaque que tiveram suas carreiras interrompidas por mortes trágicas.

John Belushi (1949–1982)

John Belushi fez parte do elenco original do Saturday Night Live, na década de 70, uma época que ficou marcada pelos excessos. Quase todos os integrantes do SNL estavam envolvidos com drogas nesse período. A morte de John por overdose de Speedball (mistura de cocaína com heroína) foi um alerta para os que levavam uma vida parecida. Belushi era irmão mais velho do também ator James Belushi, e ficou conhecido pelo seu estilo agressivo de atuação e também pelas participações em filmes como “Animal House” e “The Blues Brothers”.

Chris Farley (1964–1997)

Chris Farley também fez parte do elenco do Saturday Night Live, mas no início dos anos 90. As diversas imitações e personagens que fazia com seu estilo “bufão” agradaram o público, a ponto de fazer Farley abandonar o SNL para tentar a carreira no cinema. Atuou em vários filmes de comédia na década de 90, entre eles “Um ninja da pesada”, campeão de exibições na Sessão da Tarde. Por diversas vezes Chris Farley tentou procurar ajuda pra tratar a obesidade e o vício em drogas, mas sem sucesso. No dia 18 de setembro de 1997 Chris Farley foi encontrado morto em seu apartamento. A causa da morte foi uma parada cardíaca causada por overdose de cocaína.

Freddie Prinze (1954–1977)

Freddie Prinze é o comediante mais novo a aparecer nessa lista, e teve uma carreira de muito sucesso em um período também muito curto, até cometer suicídio em 1977, quando tinha apenas 22 anos. Com descendência Porto-Riquenha (fato que era recorrentemente mencionado em seu material) Freddie Prinze conseguiu uma enorme identificação com a comunidade latino-americana que morava nos EUA e que não tinha um comediante de destaque que falasse por eles. Apesar de todo o sucesso alcançado com tão pouca idade, Prinze sofria de depressão e também era viciado em drogas. É pai do ator Freddie Prinze Jr. (sim, ele mesmo, o Fred dos filmes do Scooby Doo!).

Richard Jeni (1957–2007)

Richard Jeni conseguiu destaque após gravar uma série de especiais de stand up pro canal Showtime. É um dos comediantes cujo material eu menos conheço dessa lista. A única lembrança que possuo (e que vocês provavelmente também vão se lembrar) é de sua atuação como amigo do Jim Carey (Stanley Ipkiss) no filme “O Máscara”. Richard Jeni já havia mostrado sinais de esquizofrenia, e cometeu suicídio alguns meses após apresentar um quadro mais severo de depressão.

Richard Pryor (1940–2005)

Richard Pryor é considerado por muitos como o maior comediante de Stand Up da história. Já escrevi sobre alguns acontecimentos de sua vida e do seu comportamento nesse texto aqui. Apesar de Curtir a Vida Adoidado™ Richard Pryor teve que abandonar os palcos por causa dos avanços de sua esclerose múltipla.

Phill Hartman (1948–1998)

Phil Hartman é mais um da lista que também fez parte elenco do SNL, mas no fim dos anos 80. Sua imitação do presidente Bill Clinton ainda é uma das mais lembradas do programa. Se destacou também pela atuação como Bill McNeal no seriado NewsRadio, e como recorrente dublador no desenho Os Simpsons. Sua morte também foi causada por consumo de drogas, mas pela parte de sua esposa, que o matou com três tiros enquanto estava sob efeito de entorpecentes, e se suicidou em seguida.

Sam Kinison (1953–1992)

Sam Kinison cresceu numa família religiosa e foi pastor da igreja pentecostal antes de iniciar a carreira como comediante. Seu estilo intenso e exagerado lembrava alguns pastores que tem a mania falar alto demais, como se o público não estivesse escutando muito bem. Foi alcoólatra por muito tempo, procurou ajuda no A.A e, ironicamente, após conseguir abandonar o vício, morreu num acidente de carro causado por um motorista que estava alcoolizado.

Andy Kaufman (1949–1984)

Andy Kaufman também fez parte do elenco do Saturday Night Live, e foi um dos comediantes mais intrigantes que já existiu, por apresentar um material muito diferente do tradicional. Andy Kaufman morreu pouco tempo após divulgar na imprensa que sofria de um raro tipo de câncer no pulmão. O Alê já escreveu um pouco mais e bem melhor sobre ele nesse texto aqui.

Bernie Mac (1957–2008)

Bernie Mac é o comediante com o falecimento mais recente nessa lista (o documentário The Tragic Side of Comedy é de 2009), e possivelmente um dos mais conhecidos. Conseguiu a fama ainda no início dos anos 90 com sua rotina de stand up, e atuou em vários filmes, entre os mais famosos estão “As Panteras”, “Onze Homens e um Segredo” e suas sequências. Bernie Mac faleceu devido às complicações de uma sarcoidose pulmonar, doença da qual não se tratou direito e que escondia da família.

Bill Hicks (1961–1994)

Bill Hicks foi um comediante que infelizmente faleceu num momento de sua carreira em que suas críticas políticas e sociais estavam conseguindo maior expressão. Em suas apresentações fazia questão de demonstrar sua raiva e inquietação diante de assuntos considerados controversos, como: religião, a mediocridade da sociedade, do mundo da propaganda, etc. Bill Hicks faleceu pouco tempo após descobrir que possuía um câncer no pâncreas.

The Tragic Side of Comedy em si não tem nada de diferente dos documentários feitos pra TV: com depoimentos de familiares e de pessoas próximas, chega até apelar um pouco pro lado emocional do espectador. Mas por tratar de assuntos tão delicados, acho que ficaria difícil não ser desse jeito, e isso não o torna menos interessante de assistir.

Os casos relacionadas à doenças são fatalidades e poderiam acontecer com qualquer um. As outras histórias mostradas no filme estão ligadas, ou à depressão e à angústia que às vezes acometem a carreira dos comediantes, como comentei no início do texto, ou aos excessos cometidos pelas pessoas envolvidas no Show Business. Mortes relacionadas ao consumo exagerado de drogas já aconteceram e vão acontecer com atores, músicos, e diversos outros artistas, mas quando tragédias desse tipo acontecem com comediantes a relação entre comédia e tragédia fica exposta de um jeito muito mais explícito.

A maior similaridade entre todos os casos é o trágico fim de quem tanto se esforçou pra nos fazer rir.

The Tragic Side of Comedy pode ser assistido aqui, aqui, ou em partes soltas no Youtube.

Originally published at sobrecomedia.com on January 17, 2014.

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Eduardo Branco
Sobre Comédia

desenho e escrevo. não necessariamente nessa ordem