Sobre as charges de humor no Brasil

Eduardo Branco
Sobre Comédia
Published in
4 min readJan 15, 2015

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Charges sempre foram utilizadas pela imprensa para abordar de maneira bem humorada os problemas e assuntos em destaque no Brasil e no mundo. Quando bem executadas conseguem sintetizar de maneira singular a situação apresentada.

Existe um consenso entre os profissionais do humor gráfico no Brasil acerca da necessidade da existência de categorias específicas para distinguir os tipos de materiais produzidos, separando cada qual de acordo com as suas características. Talvez a principal discussão a respeito dessa categorização seja sobre até onde vão as diferenças e semelhanças entre charge e cartum.

Uma definição bastante aceita para charges é de que elas são cartuns, mas que apresentam necessariamente um texto que expresse opinião sobre acontecimentos recentes, sejam eles políticos, sociais, ou de outra natureza. Já o cartum (o cartum mesmo, de raiz) mostra um texto que assume caráter atemporal. Acontece que em muitos casos os elementos desses gêneros se misturam, daí nasce a confusão. De qualquer maneira, o nome é só um detalhe diante dos 3 aspectos sobre o assunto que irei destacar nesse texto.

O padrão de humor nas charges de salão de humor

Os salões de humor são eventos realizados por todo o país, e que têm como objetivo premiar as obras que merecem destaque no humor gráfico nacional e internacional. Normalmente têm suas categorias divididas em charge, cartum, tira e quadrinho. São excelentes oportunidades que os cartunistas em geral têm de alcançar algum destaque no meio, e conseguir uma grana extra pra tirar a barriga da miséria, já que os valores dos prêmios são bons e a profissão paga pouco. O problema é que quando são divulgadas as listas de vencedores das categorias (principalmente nas charges) fica evidente que o foco principal do evento não é o humor. Pode ser outra coisa, mas não o humor. É tudo muito triste: a seca, a fome, a guerra, as mazelas da sociedade sendo expostas de um jeito que quase sempre não conseguem extrair risadas, apenas críticas.

Essa imagem por exemplo é da charge do mexicano Angel Boligán, vencedora do 39º Salão do Humor de Piracicaba, que é o mais conceituado do país.

Difícil achar graça em alguém perdido num mar sangue. Coitado do cara! Ele está lá, sozinho, num barco de papel no meio de um mar vermelho!

Charges na era digital

Com o advento da internet, nunca se viu tanta gente escrevendo a irritante frase “com o advento da internet”. Mas além disso, também surgiu uma liberdade nunca antes vista para que cada pretenso chargista publicasse o que quisesse. Infelizmente a quantidade de conteúdo ruim produzida não é pouca, e por isso o que a gente mais vê por aí são tentativas de charges que utilizam os mesmos clichês, e que se repetem à exaustão. Mar de lama, pizzas, narizes de palhaço e abacaxis estão entre os recursos mais cotados na bolsa.

Nessa obra o autor assumiu que a simples ideia de que todo político é ladrão traria risos ao espectador, mas essa associação por si só não tem graça nenhuma, pois é o senso comum sendo apresentado apenas como senso comum.
Nessa charge aqui eu não entendi muito bem a que conclusão o autor quis chegar. Não sei se ele pensa que durante o horário de verão o expediente dos políticos é reduzido, ou que a gente perde uma hora das nossas vidas para sempre, ou que o dia passa a ter 23 h, ou se no final das contas ele não pensou e nada disso e estava apenas tentando arrumar uma vaga como roteirista do CQC.

A questão que levanto ao criticar a qualidade do que é produzido atualmente não tem nada a ver com saudosismo. No passado também existia muita coisa ruim e feita nas coxas. Os irmãos Paulo e Chico Caruso estão aí há vários anos sem fazer ninguém rir com seus desenhos bem feitinhos e não me deixam mentir. Aliás, preciso confessar pra vocês que ainda tenho pesadelos quando lembro daquelas charges animadas que passavam no Jornal Nacional.

O fim de uma era

Nos dias de hoje existem jornais de grande circulação que não possuem ao menos uma seção de charges, como o jornal carioca Meia Hora — conhecido por suas capas sensacionalistas e polêmicas. Eu sei, esse é um péssimo exemplo, e fica até difícil imaginar que tipos de desenhos seriam publicados se eles seguissem a linha editorial que trouxe notoriedade ao periódico. Apesar de ruim, funciona como distante exemplo pra chegarmos a constatação de que a charge política já não tem a importância e nem a força de antigamente. Boa parte dos problemas que tínhamos há 30 anos ainda existe, e a utilização das mesmas associações e metáforas durante décadas gerou um esgotamento do gênero.

Ainda existem muitos chargistas que bravamente tentam manter a importância da área, e cujo trabalho vale muito a pena ser visto: Alberto Benett, o dinossauro do Angeli, Jean Galvão, o jovem João Montanaro, Leonardo, e até o Latuff — que apesar de ter a péssima mania de querer explicar literalmente os elementos de suas charges, consegue acertar de vez em quando. Mas é uma pena que uma linguagem que já foi tão forte, e que nos apresentou nomes tão importantes para a cultura nacional, consiga destaque hoje em dia apenas quando cria polêmicas que não levam a lugar nenhum.

Originally published at sobrecomedia.com on October 23, 2013.

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Eduardo Branco
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desenho e escrevo. não necessariamente nessa ordem