Por que odiamos spoilers?
Sobre o nosso fetiche com a surpresa na experiência de consumir uma história
É sempre assim. Você vê um filme, um seriado, ou acaba de ler o mais badalado lançamento literário e precisa tomar cuidado com suas palavras a partir de então. Isso porque outras pessoas que ainda não viram o filme não vão querer que você revele detalhes da história.
Uma das maiores gafes modernas é comentar inocentemente sobre a morte de determinado personagem sem antes verificar se as pessoas presentes no recinto já sabiam disso. Afinal, é um direito inalienável dos cidadãos não serem expostos a spoilers contra a sua vontade. Bem, se isso ainda não está na Constituição, um dia vai estar.
As pessoas que evitam ter conhecimento prévio sobre um filme ou livro estão, na verdade, querendo guardar somente para a história a capacidade de surpreendê-las. Elas querem levar susto. Elas querem descobrir o grande mistério junto com os personagens. Elas esperam ser sobressaltadas. Elas esperam o inesperado. E se você contar antes, estraga.
Mais do que a linguagem ou a construção da história, elas valorizam o “elemento surpresa”. Como se a função de todo filme, livro, quadrinhos, seriado ou novela fosse pegar seu espectador ou leitor desprevenido.
Mas por que essa gente quer tanto ser surpreendida?
Usando o cinema como exemplo (já que uma das maiores preocupações atuais é não saber o final do filme antes de vê-lo), a pessoa vive uma experiência de imersão na história. Em seu livro O Cinema e o Homem Imaginário, Edgard Morin defende que o espectador tem participação ativa na significação de um filme, ao se projetar no mundo ficcional e absorvê-lo para si. Essa realidade imaginária, de acordo com ele, seria complementar àquilo que concebemos como real.
Ou seja, queremos acreditar na realidade do filme enquanto ele durar. E queremos tanto acreditar, que estamos dispostos a aceitar coisas impossíveis na nossa própria realidade, como ganhar poderes de uma aranha radioativa ou brinquedos terem vida própria. É a “suspensão de descrença”, que nos permite curtir uma história por mais fantasiosa que ela seja.
Mas há outra forma de tornar ainda mais convincente essa experiência de imersão em uma realidade imaginária. Uma das principais características da “vida real” é que não temos a menor noção do que vai acontecer com nossas vidas ou com o mundo ao nosso redor. Quer dizer, todos nós sabemos que vamos morrer, mas não sabemos onde, ou quando, ou ainda o que vai acontecer até essa hora chegar. Estamos perdidos no escuro. E é esse tipo de percepção que queremos ter quando imersos em uma história: a sensação de não termos consciência do que vai acontecer no futuro.
O maior problema do spoiler
Conheço uma pessoa que é fanática por filmes e livros de ficção. Ela não se esquece de nenhuma história que já tenha visto ou lido, e se eu quiser uma boa recomendação, é só pedir para ela. Só que eu sou do pior tipo de curiosa. Se alguém fala que uma história é boa, eu não vou me segurar: “me conta mais, me conta mais, por favor!”
O único problema dessa amiga é que ela é uma excelente contadora de histórias. Ela narra o filme do início ao fim, e só de ouvir eu já fico encantada pelos personagens, ou ansiosa pelo clima de suspense que ela vai construindo até revelar o desfecho.
Fico maravilhada e ansiosa para assistir o filme, lógico. Daí vejo o filme e fico decepcionada. Não por saber previamente o que acontece, mas porque aquela pessoa conseguiu contar a história de uma forma muito mais interessante.
Houve uma época em que todas as histórias eram transmitidas oralmente. Já nos dias de hoje, os meios de entretenimento monopolizaram as narrativas, de forma que se uma história é transmitida de uma pessoa para outra, é considerado um meio menos legítimo. O spoiler parece ser a forma que a tradição oral encontrou de se adaptar aos tempos atuais — e essa tradição sobrevive, ainda que geralmente tão indesejada e mal vista.
O spoiler mais ajuda que atrapalha
Foi a conclusão a que chegaram pesquisadores da Universidade da Califórnia. O spoiler, na verdade, não estragaria, mas melhoraria a experiência de uma pessoa com a história.
Os pesquisadores distribuíram às suas cobaias 12 tipos diferentes de histórias curtas (inclusive as de mistério e as que continham viradas dramáticas). Algumas traziam um spoiler bem no início, outras não. Depois, as pessoas precisavam dizer o quanto gostaram da história, dando uma nota de 0 a 10. Surpreendentemente, as pessoas que receberam as histórias com spoilers deram notas melhores.
“Uma teoria é que o spoiler facilita a compreensão da história”, explicou o psicólogo responsável pela pesquisa. “Outra teoria é que as pessoas tendem a focar no suspense, e uma vez que elas sabem como a história irá acabar, é possível ampliar o foco e apreciar outros aspectos da história, como a linguagem e o desenvolvimento dos personagens.”
Certamente, uma história é mais do que descobrir quem morre ou o que acontece no final. Por que se preocupar tanto com o destino, se a graça da viagem é curtir o caminho que leva você até lá?
O maior spoiler de todos
Não adianta muito evitar saber sobre aquele filme que acabou de ser lançado. Porque, muito provavelmente, ele segue a mesma estrutura narrativa da maioria das histórias já criadas e contadas pela humanidade. Se você tem implicância com spoilers, sugiro que passe longe dos passos da Jornada do Herói. Mude de página agora!
Desde as tragédias gregas até os atuais blockbusters, a grande maioria das histórias é incrivelmente previsível. Isso acontece porque a narrativa possui uma estrutura comum a todas as histórias. Até mesmo o gênero do filme (comédia, ficção, romance, terror) nos dá uma pista de como a história vai acabar. Isso não significa que não possa haver surpresas. Porque o que é surpreendente não é o herói vencer ou não no final; é a forma como a história dele é contada.
E uma história bem contada, amigos, não há spoiler que estrague.
*texto originalmente escrito em agosto de 2012.