um outro amor, de karl ove knausgård

Conversas Projeto
um humilde comentário
3 min readMay 26, 2022

Dois meses depois, finalmente, terminei “Um outro amor”, de Karl Ove Knausgard. Cinco anos separam a minha leitura do volume um da série “Minha Luta” e da do segundo. Tempo fundamental para eu refletir criticamente sobre os embates travados no casamento entre Karl Ove e Linda. Porque, se Knausgard parte da sua vida para criar a obra, a reflexão da leitura também atravessa a nossa experiência pessoal. E as questões profissionais do escritor, que está na casa dos 30 no livro, somaram-se às minhas que estou na mesma faixa etária.

Em diversas passagens do livro, Knausgard diz que escreve sobre a vergonha. E mostra os diversos constrangimentos que sente ao longo da vida. Uma entrevista em que o jornalista pode ter o interpretado de uma forma enviesada. Carregar os filhos no carrinho sem a presença da mãe e isso levar os transeuntes a vê-lo como um homem afeminado. Se declarar para pessoa que ama e descobrir que não é correspondido.

Em uma época em que nos preocupamos tanto com o ego e em apresentar a nossa melhor versão nas redes sociais, ao ler as linhas de Knausgard refleti sobre a vergonha e principalmente sobre o que é público e privado. O quanto estamos dispostos a jogar a merda no ventilador? Uma pessoa que esmiúça em tantos detalhes a sua vida tem algo que ficou privado? E o pior: quanto mais pensava nisso, mais sentia vontade de pesquisar sobre a família Knausgard. O banquete que ele me ofereceu no livro às vezes parecia insuficiente.

“Pode-se dizer muita coisa a respeito da nossa autoimagem, mas o certo é que não se forma nos frios salões da razão. Os pensamentos são capazes de entendê-la, mas não há força capaz de governá-la. Nossa autoimagem diz respeito não apenas a quem somos, mas também a quem gostaríamos de ser, poderíamos ser, uma vez fomos. Para a autoimagem não existe diferença entre o real e o hipotético.”

Confesso que senti o final neste volume arrastado. Eu já não aguentava mais as conversas de Karl Ove com Geir. O excesso de detalhe das cenas somado a minha antipatia pelo amigo do autor me davam vontade de pular páginas. Assim como em vivemos momentos tediosos na vida, em que ficamos olhando o relógio que se recusa avançar nos minutos.

Mas persisti por um sentimento de fidelidade ao livro. Ouvi em um podcast a escritora Natalia Timerman dizer que hoje vivemos tão fora do presente, em situações tão superficiais, que a presença da vida no livro é o que nos arrebata. Por exemplo, a descrição detalhada de uma sopa que ele comeu em um dia frio, detalhando até os respingos que caíram da boca e sujou o queixo. Em todas as 592 páginas, o autor descreve todas as suas sensações e ações minuciosamente.

Não consigo embalar agora no terceiro volume. Preciso recuperar o fôlego para seguir daqui uns meses. Me sinto incapaz de maratonar Knausgard, como fiz com a Ferrante. Quando a gente termina um livro assim tão visceral, o que sobra depois é uma ressaca também física.

--

--