Sobre… 3 X 0 é Goleada?

Marcio Sampayo
Sobre
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4 min readSep 21, 2016

Vivendo no país que gosta de se auto intitular “o país do futebol” (apesar de estarmos longe, bem longe, de ser o povo mais fanático por futebol que existe no planeta. Os hermanos argentinos e, principalmente, os escoceses, podem sim fazer jus a esse título) recebi a difícil tarefa de falar sobre os quesitos e mistérios que se escondem por trás da goleada.

A definição de goleada, conforme determinação dos deuses do futebol, abrange algumas regras bem estabelecidas, mas não totalmente esclarecidas:

Considera-se uma goleada a diferença no placar de 3 gols, desde que a contagem só comece a partir de 4 gols de diferença.

Parece confuso, mas eu explico. A goleada começa a tomar forma a partir dos 4 X 0, e ainda se considera uma goleada um 4 X1, por exemplo. Mas o 4 X 2 não é goleada, e o 4 X 3 é considerado um “jogaço” e, dependendo da situação, o time vencedor pode não ter sido o melhor da partida. Ainda seguindo esse critério, um 5X2 pode ser considerado uma goleada, mas não um 5 X 3.

Ou seja, respondendo o título desta crônica, definitivamente, 3 X 0 NÃO pode ser considerado uma goleada (mas um 7 X 1 sempre será considerado uma vergonha).

Porém, aproveitando o tema, gostaria de falar sobre um comportamento típico do futebol que, infelizmente, migrou para a sociedade em geral, especialmente para o que se considera hoje a “vida virtual”, ou a dura convivência nas redes sociais:

O comportamento de torcida organizada.

Uma das coisas mais importantes que precisam ser consideradas quando se pensa em futebol é que vencer não é o mais importante. O que realmente importa é que os outros times percam.

Ganhar um campeonato é legal, admito. Mas ver o Corinthians perder (mais) uma final não tem preço.

O problema é quando a coisa extrapola a brincadeira com o amigo do escritório, o grupo de mensagens do Whatsapp ou a zoeira do Facebook, e se torna real, invade as ruas, se transforma em brigas de torcida, em fatalidades e mortes.

O fanatismo existe em todos os lugares. Da mesma forma que existem pessoas que consideram sua fé particular como única expressão da verdade, existem pessoas que consideram torcer para um time uma autêntica religião. É o sujeito que tem o escudo do clube tatuado no corpo, que se torna sócio torcedor, que assiste todas as partidas no estádio, faça chuva e faça sol, que apoia o time nas vitórias e em dobro nas derrotas, que coleciona o álbum de figurinhas da Panini, que sabe a escalação de cor da equipe de 1963 e que prefere enterrar a sogra na Segunda Feira à perder um jogo no Domingo à tarde.

Mas como nas religiões também existem aqueles que aceitam se matar em nome da fé, no futebol também temos os extremistas, aqueles que ignoram a lei simples e elementar do esporte: Para que alguém vença, alguém precisa perder. Esses são os torcedores que matam e morrem em nome da “honra” do seu time, aqueles que invadem o CT para exigir mais comprometimento dos jogadores, que ameaçam a vida dos técnicos em redes sociais — ou ao vivo mesmo — que brigam até a morte com a torcida rival e que, covardes, se reúnem em grupo para atacar alguém que ouse usar a camisa — ou muitas vezes, simplesmente a cor — do time rival.

Para mim, isso não é torcer. Isso é usar uma desculpa para poder expressar o seu lado extremista, é usar uma desculpa para destilar ódio e amargura contra os outros.

Só que o comportamento de torcida organizada está, cada vez mais, saindo do futebol e se expandindo para as outras áreas. Uma simples passada no seu Facebook diário vai mostrar que esse fenômeno cresce de forma exponencial. O sujeito que vira vegano não está interessado em melhorar a saúde, ele esta interessado em deixar claro que qualquer um que não seja vegano também é um assassino, um canibal que está ajudando a destruir o planeta (mesmo que ele tenha deixado de comer carne ontem). O sujeito que defende o Partido Vermelho não vai conseguir enxergar qualquer desvio de caráter dos representantes políticos de seu partido, apenas vai destilar ódio contra o Partido Azul, como se fosse alguma espécie de competição de “quem rouba mais”. A estudante da universidade federal não quer defender realmente a igualdade entre os gêneros, mas sim dizer que qualquer ser humano do sexo masculino esta errado simplesmente por ser do sexo masculino.

O sujeito que gosta da Marvel não pode simplesmente curtir seus filmes e gibizinhos, ele tem que criticar e mostrar que quem gosta da DC tem problemas mentais.

Esse pensamento binário, essa incapacidade de gostar de duas coisas ao mesmo tempo — ou pior — a impossibilidade de aceitar que as pessoas possam gostar de coisas diferentes de você, está nos afastando como espécie. Estamos criando tribos virtuais, onde nos rodeamos de gente que compartilha os mesmos pensamentos, e nos afastamos dos que pensam diferente, e isso é perigoso.

Porque estamos nos organizando como torcidas.

E dentro das torcidas, existem os extremistas, aqueles que estão dispostos a matar e a morrer pela sua causa.

E amanha, quando você sair para trabalhar, quando estiver no mercado fazendo suas compras ou simplesmente atravessando à rua, a sua causa pode ser diferente dos outros.

E se você estiver em menor número, ou usando a cor da camisa errada, pode ser a sua vez.

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