Sobre a Cerveja

Raul Kuk
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4 min readSep 13, 2016

Vocês que já assistiram A Lista de Schindler: leeeembram do Oskar Schindler oferecendo whiskey ao seu “assistente” Stern, enquanto ele datilografava a tal lista? Stern, incessantemente, se negava dividir a bebida com Schindler, ao longo de todo o filme. Exceto na última cena, quando ele reconhece o empresário como um bom homem, um amigo e um tsadik.

Apesar de eu gostar de um bom destilado, eventualmente eu bebo sozinho. Mas a cerveja, essa ilustre companheira de milhões de brasileiros, não. Ela foi feita para ser bebida em boa companhia. Meu relacionamento com a cerveja é complicado, eu não sou realmente um fã. Não é minha primeira opção, é mais fácil eu tomar um refrigerante. Mas não dá pra negar que, com os bons amigos que eu tenho, nada desce melhor. Seja ela uma Original, Estrella Galícia, Guiness, Heineken, Budweiser ou a boa e velha Itaipava, não importa. Às vezes acho que parte de rever os amigos é justamente ver o que eles me oferecem.

Curiosamente, só fui experimentar a sério quando comecei a viajar para o litoral com meu amigo Márcio. Chega uma hora que começa a ficar chato ser o único que bebe refrigerante enquanto TODOS os seus amigos bebem cerveja. E, em Long Beach, caramba. Acho que a gente só jogava videogame, assistia filme ruim e ia pra praia — com cerveja acompanhando cada etapa desse processo. Como a situação não era das mais financeiramente estáveis (eufemismo para “tava feio o negócio”), a gente acabava apelando para as “mais acessíveis”. Mas eu lembro de uma ocasião em que tomamos um porre de SubZero e passamos a madrugada discutindo qual seria o pior cenário para a humanidade (e em qual deles teríamos mais chances de sobreviver): invasão de Predadores, ataque da Skynet ou apocalipse zumbi.

(Chegamos à conclusão que, num apocalipse zumbi, tem como você construir barricadas e manter os bichos afastados, já que eles são meio burros. A única dificuldade é estocar comida, água e armas. Mas ok, sobreviveríamos. Já o ataque da Skynet seria bem complicado, mas uma vez que você se mantivesse afastado de grandes centros, garantisse água e comida e jamais, em hipótese alguma, voltasse a ouvir Guns n’ Roses, os exterminadores te deixariam em paz. Pra mim, essa última parte seria bem difícil. Finalmente, o único cenário ao qual a humanidade não sobreviveria seria uma invasão de Predadores, aqueles bichos com cara de caranguejo do filme com o Schwarzenegger. Eles caçam. Não adianta correr. Eles não vão te ignorar se você fingir que “não é ameaça”. Eles vão matar todos. Já era. RIP.)

Teve o casamento do André e da Bruna, em que saí em mais fotos que os noivos. Eu me sinto seriamente inclinado a tentar descobrir se isso pode se transformar numa carreira: animar casamentos como mero convidado ou padrinho. Podem me pagar em cerveja, tá tudo certo. Recentemente, teve o casamento do Luís e da Priscila também, que foi muito bem sucedido. Para a maioria dos convidados, pelo menos. Mas teve o primeiro casamento em que fui padrinho, aquele acabou mal pro noivo por… Bom, muitas razões. Meus advogados me aconselharam a não me manifestar publicamente a respeito. Eu responderia pelo menos três processos: de uma das cantoras da banda que tocou ao vivo lá, do presidente da empresa em que o noivo trabalhava e do próprio noivo.

Caso tudo errado, só quero deixar bem claro aqui que não me arrependo de nada.

Teve uma ocasião recentemente em que eu e meu amigo Maurício fechamos três bares em São Paulo. Uma noite memorável. Ele produz a própria cerveja hoje em dia, espero termos um tempinho para eu poder experimentar. Eu não sou exatamente um SOMMELIER de cerveja, mas prestigiar a produção do camarada sempre é uma boa pedida.

O que me lembra, por algum motivo qualquer, de um dos meus gibis favoritos: Hellblazer, apresentando as histórias de John Constantine. Tem uma edição escrita pelo Garth Ennis em que um amigo de Constantine usa magia pra fazer cerveja com água de um poço abençoado por São Patrício. Sim, St Patrick! É um autor irlandês escrevendo uma história que se passa na Irlanda, então, bollocks! Constantine usa a “cerveja benta” pra enganar o diabo e acaba entrando numa enrascada danada (mas isso é assunto pra outra ocasião). No gibi Hitman, também de Ennis, o protagonista Tommy Monaghan chega a passar edições inteiras num bar com seus amigos, discutindo se o Superman devia ou não cortar o cabelo, ou quem imitava melhor o Clint Eastwood.

Há muitas lembranças etílicas de Eastwood também.

Algumas das minhas bandas favoritas fizeram músicas sobre bebedeiras, como o Guns n’ Roses com Nightrain. As brigas e confusões da banda eram uma constante, o baixista Duff McKagan chegou ao ponto de romper seu pâncreas DE TANTO BEBER e também ajudou a batizar aquela cerveja que aparece nos Simpsons. Sim, não é uma coincidência que ela se chame “Duff”. Mas quem foi bem longe foi outra banda em que Axl é o vocalista, o AC/DC: quando o vocalista da formação clássica Bon Scott morreu após uma bebedeira, eles até consideraram encerrar as atividades. Mas resolveram seguir em frente, contrataram Brian Johnson para os vocais e gravaram uma música sobre… beber. Have a Drink on Me!

É fácil fazer uma associação rápida com as coisas que a gente gosta. Mas é apenas dos meus amigos que me lembro quando ouço falar em cerveja. É a única ocasião possível para beber: boa música? Tudo bem. Um bom gibi? Legal. Um filme? Okay! Mas é de uma boa companhia que vamos nos lembrar, é os amigos que vamos querer ter por perto, é as risadas que vão ficar pra sempre. Afinal, dá pra fazer uma festa com Cintra, Glacial ou Polar.

Mas não sem amigos.

Ergamos um brinde aos amigos ausentes, amores perdidos, deuses antigos e à Estação das Brumas, e que cada um de nós sempre conceda ao diabo o seu quinhão.

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Raul Kuk
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We’re just stories in the end. Just make it a good one, huh?