Sobre o futuro da indústria musical

Raul Kuk
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5 min readSep 26, 2016

Eu tenho uma coleção razoável de discos de vinil. Quando eu era adolescente, gostava de ir à Galeria do Rock e entrar em loja por loja, vasculhar prateleira por prateleira, olhar disco por disco. Levava horas, as pontas dos dedos ficam pretas e tudo isso era pra comprar um ou dois discos, apenas. Mas eu tinha poucos discos, pouco dinheiro e muito tempo à minha disposição.

(Eu tinha um método infalível pra comprar discos de rock e metal, que aprendi com meu amigo Fabio Palomares: se, na capa do disco, tem um desenho de demônio, dragão ou máquinas de destruição, um logotipo colorido bacana e, no verso, uma foto de três ou quatro cabeludos muito mal-encarados, o disco é bom. Pode comprar sem medo, não falha. Conheci muitas bandas assim.)

Então aqueles primeiros discos acabaram sendo os que mais ouvi — já que eu tinha poucos, precisava fazer o investimento valer a pena. Powerslave, do Iron Maiden, The Eye, do King Diamond, Creatures of the Night, do Kiss e, obviamente, Appetite for Destruction, do Guns n’ Roses passaram milhares, centenas de milhares de vezes pela agulha do velho aparelho 3 em 1 (toca-discos, toca-fitas e rádio). Os discos tinham encartes com as letras, então parte da diversão era acompanhar as músicas, me prender a cada mínimo detalhe das capas, ler cada nome na lista de agradecimentos. Quem produziu, quem foi o engenheiro de som, quem mixou (ainda hoje não tenho uma ideia muito clara do que são essas funções, mas eu lia com interesse genuíno).

Eu demorei um pouco pra sair da “Era do Vinilítico” e começar a comprar CDs. Eles não tinham o mesmo charme. Pra começar, era bem mais difícil apreciar a arte da capa. Eu não queria trocar minha coleção de Iron Maiden, que era praticamente um pôster pronto, por aquelas caixinhas de plástico em que você precisava de lupa pra degustar todos os detalhes. Mas a marcha inexorável do progresso não poupa ninguém. Ou eu aderia, ou seria atropelado por ela no final das contas. “Pelo menos todo CD tem encarte”, pensei comigo. Imaginei o livrinho com as letras das músicas e notas da produção espremidos ali na caixinha. O primeiro CD que comprei foi o debut do Kiss. Claro, não tinha encarte. A capa era só uma folhinha solta ali.

Mas continuei comprando alguns discos de vinil ocasionalmente. Com o advento da internet e meu interesse por tecnologia, claro, quis estar à frente da curva e comecei a fazer minhas primeiras pesquisas. Alguns sites já falavam sobre um formato de arquivo que podia facilitar a troca de músicas, chamado mp3.

Esse formato de arquivo tinha um princípio de funcionamento bastante interessante: ele simplesmente comprime o áudio, que pode ficar com até 1/10 do tamanho original. E fez-se o Napster.

O Napster era um programa pra compartilhamento de arquivos (músicas, principalmente) que causou uma verdadeira revolução na indústria no final do século XX. Quando eu o instalei, joguei na busca “Iron Maiden” pensando em baixar algum disco que eu ainda não tinha. Para minha surpresa, passei a ter acesso a milhões de discos piratas, covers, versões inéditas, singles, faixas bônus… O tipo de material que eu achava que jamais ouviria. E isso só de uma banda. Não havia mais limites. Nessa época, o Iron Maiden trocou de vocalista e isso refletiu pesadamente nas vendas — além do novo vocalista não ser bem aceito pelos fãs, quem é que ia pagar por um disco que podia baixar de graça na internet? Eu peguei o bonde da pirataria, conheci centenas de novas bandas, ouvi shows obscuros e lados B que eu nunca tinha imaginado.

O que a indústria da música fez, então, ao perceber que estava perdendo consumidores? Claro, tentou barrar o Napster na Justiça! E tome Kazaa, LimeWire, Audio Galaxy e centenas de outros programas que faziam a mesma coisa: permitiam o compartilhamento livre de música. A indústria não enxergou o que estava acontecendo e hoje as vendas de discos, mesmo dos grandes artistas, sequer se comparam às de vinte anos atrás. Isso limita bastante a capacidade das gravadoras investir em novos talentos, então é bem provável que jamais haja um novo Metallica, um novo U2. Bandas antigas e consagradas vivem, basicamente, de longas turnês, e não gostam de gastar dinheiro produzindo novos discos que ninguém vai comprar.

Então chegamos a um ponto onde temos todo o passado, toda a história da música em arquivos compactos, fáceis de baixar e colocar em nossos telefones celulares pra ouvirmos onde quisermos, quando quisermos. Melhor ainda, sabe aquela música que você adora, mas que saiu num disco bem chato? Não precisa baixar o disco todo! Pega só o que você quer ouvir!

O passo seguinte foram os serviços de streaming, em que você sequer precisa fazer o download. Basta estar conectado à internet e ouvir o que quiser, quando quiser, compartilhar preferências, ouvir sugestões, dar dicas e descobrir um mundo cada vez maior — e mais antigo. Qual gravadora vai investir milhões numa banda nova que não vai dar retorno financeiro nenhum? As turnês recentes de Guns n’ Roses, AC/DC e Iron Maiden estão sendo muito bem sucedidas, mas e aquelas bandas de garagem super-talentosas que ninguém conhece? Eles nunca vão ter a chance de colocar mais do que algumas músicas em mp3 no twitter. Jamais vão ter um disco lançado, com um monstro na capa, logotipo bacana e foto da galera fazendo cara de mau no verso. Não vão ter a chance de fazer uma turnê de verdade.

Aparentemente, vamos continuar consumindo música velha, sem saber quantos novos Van Halens ou Queens deixam de surgir todos os dias, num mundo sem espaço para investir no desconhecido. As gravadoras estão desmoronando e os músicos que, por tantos anos, se sentiram oprimidos por elas, também estão em extinção. Um dia, sobrarão apenas arquivos em mp3 e as baratas. Todo o resto irá desaparecer, como discos de vinil devorados por traças, ou os novos talentos. E a grande ironia é que jamais teremos noção do que perdemos.

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Raul Kuk
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