Sobre o porquê de “no meu tempo que era bom” não ser tão verdade assim

Juliano Souza Ribeiro
Sobre
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6 min readAug 26, 2016

Quando eu era moleque sempre ouvia coisas como, “hoje só tem música ruim, não se faz Rock como antigamente, Nirvana, Pearl Jam são uma merda… No meu tempo que era bom!”, a pessoa falava isso e depois dizia, “bom é Led Zeppelin, Beatles e Rolling Stone!”, até hoje eu não suporto Led Zeppelin, gosto mais ou menos dos Beatles e dos Rolling Stones. Nunca havia me dado conta, mas bandas que esse povo não citava como The Doors, The Clash, Supertramp e The Kinks eu gostava. Então, o problema não era a década em questão, mas esse povo que até hoje vem com essa história.

Sempre que começavam com o papo sobre “no meu tempo os filmes eram melhores porque não filmavam em laboratório, era tudo ator de verdade que caía mesmo do cavalo e não fingia que pilotava uma espaçonave!”, ou “no meu tempo é que era bom, ninguém lia gibis, mas livros!”, “no meu tempo que era bom, as pessoas saíam para dançar música boa, e não esse tal de Titãs!” e claro, tinha essa, “No meu tempo que era bom! A gente jogava bolinha de gude e não ficava jogando videogame!”. Essas conversas além de entediarem-me, criavam o efeito inverso, faziam-me gostar mais do meu tempo e não do tempo deles.

Vacinado que fui por essas opiniões não pedidas, olhem só! No meu tempo o povo já dava palpite sem terem sido solicitados… eu cresci e envelheci com a convicção que “No meu tempo” as coisas eram diferentes, e em geral, não eram melhores, mas em muitos casos piores.

Vejamos, podemos comparar um Atari com um PS3, e por mais saudosista que você possa ser, um PS3 será sempre superior ao Atari. Se não quer comparar os jogos, ok, porém o PS3 pode ser utilizado para ver filmes, fotos, músicas, Netflix, YouTube, internet…

Ou então, por mais que eu goste de livros, e gosto, muito, No meu tempo as pesquisas eram limitadas às enciclopédias das bibliotecas municipais ou escolares e na maioria dos casos, os trabalhos escolares utilizavam-se da mesma fonte, era difícil algum aluno conseguir uma informação diferente do que a maioria apresentava. Agora temos a internet e uma gama enorme de fontes de pesquisa e informação. A quantidade de estudantes que já entendem inglês é maior (provavelmente porque há muito conteúdo em inglês), assim como a possibilidade de verificar se o trabalho apresentado foi copiado ou plagiado de outro é facilitada com o uso das redes.

Sim, há muita coisa ruim na internet e muita informação falsa espalhada, e muita gente tem receio, para não dizer medo, de deixar seus filhos navegarem à vontade, agora, há muitas maneiras de se impedir que alguns conteúdos sejam acessados e muitos sites confiáveis para encontrar informação e outros para conferir se estão corretas, e antes que me digam que “No meu tempo era melhor”, no meu tempo as bancas de revistas vendiam pornografia para menores e as revistas tinham chamadas do tipo “Ensinando o menino desde pequeno o que é bom!”. Por favor, no seu tempo isso era melhor?

Estou ficando velho e tenho relido muita coisa antiga, isso antiga, principalmente em quadrinhos, e uma das razões não é que eu sinta que elas são melhores do que as atuais, mas porque há saudosismo da minha parte. Os personagens, como devem ser, mudaram durante as décadas, isso décadas, e muitas vezes sinto necessidade de ler histórias daquele herói que eu conhecia. As HQs hoje possuem narrativas mais elaboradas, técnicas de diagramação modernas que dinamizam a progressão da história, ao invés de uma página dividida em seis quadrinhos, o que as tornaram mais interessantes para outros leitores que vieram de outras mídias, como cinema e TV. No meu tempo a maioria dos leitores de quadrinhos tinham como porta de entrada os próprios quadrinhos, e os roteiristas e desenhistas não precisam mudar seus estilos para agradar novos leitores.

Novos leitores eram algo que nós, leitores contumazes, queríamos para podermos conversar sobre o assunto, porque no meu tempo era difícil encontrar gente que lia quadrinhos de heróis. Como vamos hoje reclamar que há mais gente lendo? “Ah, mas estão mudando tudo e adaptando para esse público novo e ganhar mais dinheiro!”, meu amigo, o mundo muda, o Batman que eu comecei a ler e que para mim é o definitivo é muito diferente do Batman que existia vinte anos antes, e ainda bem que mudou!

E o cinema? No meu tempo a gente achava melhor os nossos filmes do que os filmes que nossos pais assistiam por razões como; os efeitos especiais eram melhores, o ritmo era mais acelerado, tinham mais diversidade de histórias e não eram somente sobre Faroeste ou Segunda Guerra, e, como éramos moleques, tinham mais mulheres nuas. E hoje? No meu tempo não era melhor e vou citar somente um exemplo, e, não vou explicar, vocês que estão lendo são inteligentes e vão entender que hoje filmes baseados em quadrinhos são muitos melhores.

O que eu sinto é que no meu tempo, a cena musical era melhor, mais pela quantidade de coisa boa que surgia ao mesmo tempo, se compararmos com o cenário hoje. Eu gosto de Rock e cresci com Queen, Madonna (quando homem podia ouvir sem ser importunado por idiotas), The Smiths, The Cure, Duran Duran, New Order, Ramones, Pretenders, The Police para exemplificar, mais tarde começou o Grunge que me fisgou de vez e gosto até hoje e acabou me apresentando o Indie Rock que é a minha fonte atual de músicas novas.

Para quem cresceu ouvindo LPs dessas bandas e ainda tinha muitas bandas de qualidade tocando nas rádios, sem contar o nascente Rock Brasileiro, o que temos hoje é um cenário sem Rock ocupando os dials, e eu diria que sem Pop também. Não sei se o Rock morreu, mas no meu tempo era melhor.

Resumindo, no meu tempo era diferente, muita coisa mudou, o que era melhor, além do Rock, era que eu tinha mais tempo, o que era pior, eu não tinha meios e acesso. O mundo, para mim, está melhor e ficar atendo-se ao passado idealizado por um futuro desconhecido lembrou-me um editorial, acho que do Guardian, que concluía sobre o resultado do Brexit, “o saudosismo de pessoas que viveram em uma Grã-Bretanha que não existe mais, que querem de volta as glórias de um império desaparecido, impediram que seus filhos e netos vivam outra realidade, e possam morar e trabalhar em outros vinte e sete países como cidadãos em igualdade de direitos e oportunidades”. Além do que, se eu já acho o CD muito melhor do que o LP, como vou poder achar a fita K7 melhor do que um iPod? E estão querendo ressuscitar o K7…

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