Sobre vagas para estacionar

Juliano Souza Ribeiro
Sobre
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4 min readSep 1, 2016

Sempre achei que ter um carro é um erro. A primeira vez que vi que não estava sozinho com essa sensação foi quando li “O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder. Em determinada parte, não me lembro qual exatamente, o mentor da Sofia diz algo assim a ela, “eu não posso dizer agora que o carro é um erro, porque eu estou inserido nesse mundo e contexto, mas daqui a quinhentos anos, será que não vão estudar o nosso período e como utilizamos os carros de passeio um erro? ”.

Acho que não importa o espectro ideológico, há concordância que os recursos naturais são finitos, petróleo, ferro, água potável, etc. E quanto material é utilizado para fazer um carro de passeio? E um SUV? O peso médio de um carro hoje no Brasil está em acima de uma tonelada. Um Fiat UNO pesa em torno de 850kg enquanto que uma SUV pode chegar a 1400kg. Utilizam-se principalmente cinco tipos de materiais para construir um carro; aço, plástico, alumínio, borracha e vidro. Esses cinco materiais necessitam de matérias-primas que são retirados da natureza de forma predatória. A produção de alumínio necessita de uma quantidade enorme de energia elétrica, e a retirada de areia de rios para produção de vidros está açodando e matando rios. Voltando ao início, não importa o espectro ideológico, os recursos naturais são finitos.

O fascínio que os carros causam nas pessoas, na maioria, sempre me impressionou. Conheço pessoas cujo o carro na garagem vale mais do que a casa que possuem. Gastam quase metade do salário para manter seus carros, pagam o parcelamento, IPVA, gasolina, multas? E claro, o estacionamento.

Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro encontrar uma vaga para estacionar é como encontrar o Pikachu no Pokémon Go. A pessoa tira foto e posta no Facebook para todo mundo ver. Eu adoro São Paulo, sinto muita falta da cidade, agora, não sinto saudades de ficar quarenta minutos em um carro, sendo que dez foram para chegar ao local e meia hora procurando vaga para estacionar.

Olhar um estacionamento pago causava-me dois tipos de revolta: o preço e o terreno utilizado para estacionar os carros. Muitos desses estacionamentos encontrados na cidade de São Paulo foram criados após a demolição de um prédio antigo, as vezes históricos como os casarões na avenida Paulista! E temos então a destruição, isso destruição, de prédios neoclássicos e casas modernistas para cobrar estacionamento de carros que em geral são utilizados por uma pessoa.

Na avenida Paulista está sendo construído mais um shopping center, e na propaganda inicial do empreendimento destacava-se que o estacionamento teria mais de duas mil vagas. Houve muita discussão sobre como ficaria o trânsito na avenida, no entanto, o que não se discutiu, foi sobre o que se faria com a terra que seria removida para construir esse estacionamento e para onde ela seria enviada.

Vamos pensar o seguinte, a construção de uma piscina de quatro metros de largura, seis metros de comprimento e dois metros de profundidade implica na remoção de quarenta e oito metros cúbicos de terra. Onde essa terra será colocada depois?

É comum encontrarmos estacionamentos criados sobre áreas planas, tanto em regiões centrais como mais distantes. Nas áreas marginais às cidades, shoppings centers, hipermercados, casas de show, aeroportos, entre outros, constroem-se estacionamentos planos enormes, e que mesmo assim nem sempre são capazes de satisfazer a demanda. Esses estacionamentos foram construídos sobre áreas verdes. Assim temos danos ao meio ambiente provocado pela extração de matérias primas para a construção de carros, e, a transformação de áreas verdes para que esse carro possa ficar parado. O custo ambiental da construção de estacionamentos não é algo muito lembrado pelos defensores de meio ambiente.

A Disney World é composta por vários parques que recebem milhares de pessoas por dia. A maioria dos usuários do parque chegam ao local por automóveis. Os estacionamentos são tão grandes que existe um “trenzinho” para levar as pessoas dos estacionamentos para os parques. Não seria mais simples criar um trem direto para lá? Um trem que saísse de Orlando em mais de um ponto?

Nas Olimpíadas do Rio de Janeiro não havia local para estacionamento. Houve campanha para que as pessoas utilizassem o transporte público, que funcionou sem grandes problemas. Quem quisesse ir de carro teria que estacionar longe dos terminais que davam acesso aos locais dos jogos, e, andar em seguida porque nem táxi chegava ao local.

O carro, e consequentemente os estacionamentos, são um mal para a nossa sociedade quando se tornam o principal meio de locomoção das pessoas. Há políticos que justificam o pouco investimento em transporte público argumentando que as pessoas preferem andar de carros. Já houve quem disse que metrô era coisa de rico, pobre anda de ônibus.

Qual a solução? Eu não sei, o que eu acredito é que não há planejamento para a conservação do meio ambiente e despoluição do ar e águas sem que se planeje como será a locomoção das pessoas no futuro. Toda essa matéria prima utilizada para produzir carros poderia ser investida em linhas férreas, VLT e metrôs.

Carro pessoal é o maior erro da humanidade.

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