Sobre raciocínio lógico e ironia

Ana Paula Paiva
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3 min readMar 8, 2021

8 de março de 2021

Quando fiquei solteira no Rio de Janeiro e, inundada de liberdade, adveio a responsabilidade de apresentar um pouco da vida boêmia às exigentes visitas. E uma coisa me impressionou muito: a quantidade de estabelecimentos que vendem chopp sem álcool.

Em alguns anos de estrada em bares cariocas, especialmente da Zona Sul, sei dizer em quais é impossível encher a cara com uma das bebidas preferidas dos maiores de idade, especialmente no Verão. Há de se acrescentar que o gosto é frustrantemente idêntico. Ora, interessar-se pelo sabor do chopp depende das papilas gustativas de cada um. Mas é o seguinte: o objetivo do consumo do chopp, bem como de outras bebidas alcoólicas, é o pileque. Sejamos francos.

Ainda no início da pesquisa etílica qualitativa, nos idos de 2015 – em saudoso momento da história brasileira em que adiantavam-se os relógios em uma hora durante alguns meses, com o alegado objetivo de economizar energia nas regiões que mais recebem luminosidade solar na Primavera e no Verão —, levei um amigo e sua visita a um bar arrumado no Flamengo, ainda desconhecido no bairro em que eu residia à época. Era sexta-feira, pós-praia e estávamos muitos satisfeitos de termos conseguido aproveitar, até a última ponta, os derradeiros raios da estrela central do nosso sistema planetário naquele dia.

Na oportunidade de angariar opiniões e dicas dos rapazes ali presentes, compartilhei os últimos acontecimentos da minha turbulenta vida amorosa corrente. Após apuração detalhada do amigo e da escuta atenta de seu companheiro, respirei fundo para ouvir o veredicto do que iria me aconselhar:

– Aninha, eu sei porque você não dá certo com os caras…

– Ai me fala… Pode ser sincero!

– Mina que transa no primeiro encontro não serve nunca nesse Brasil pra namorar. É vagabunda.

Pausa dramática. Percebi naquela hora que o chopp era adulterado, havia muita areia nos pés e no biquíni, carne seca com mandioca frita frios, e as sinapses me indicaram apenas uma única resposta:

– Concordo totalmente.

A resposta tranquilizou a dupla que, se entreolhando otimistas com o futuro do feminismo, reagiu satisfeita. Se reposicionaram em suas cadeiras de madeira, tomaram um bom gole do líquido dourado gelado, naquela linguagem corporal dos que ganham a razão de bandeja. O amigo, único que de acordo com aquela etiqueta momentânea poderia interagir comigo em meio àquelas intimidades, continuou:

– Fico aliviado, Aninha… Ainda bem que já você sabe! As meninas têm que entender uma coisa o quanto antes: mulher assim é só pra usar mesmo!

– Também acho.

– Tem que se dar ao respeito.

– Pois é. Esses caras que comem a gente no primeiro encontro… Deus me defenda de relacionamento sério com eles! Moleques piranhos.

Silêncio na mesa, peitorais malhados abertos, colunas eretas. A surpresa subtraiu a esperança que se edificava naqueles olhares perpendiculares a mim.

– Peraí, Aninha…

– Fala sério. Eu chamo e já quer ir pra minha casa?! Fácil assim?! Usufruo, porque eu não sou besta, e mando passear em seguida.

– Calma lá…

E continuei com as frases feitas que tantas mulheres sexualmente ativas já ouviram ao longo da vida. Ombros encolhidos, eles assistiram desanimados à argumentação anterior, cafona até a tampa, cair em desgraça. Naturalmente, consegui despertar o interesse de dois homens adultos sobre os direitos e a liberdade dos corpos e mentes femininas.

Mudaram de opinião? Não sei informar. A transformação do olhar sobre as mulheres é constante, diária, dolorosa muitas vezes e, lamentavelmente, não é instantânea. No entanto, sigo muito grata por ter e feliz por conscientemente tentar espalhar a força feminina por onde passo.

No mais: os cães ladram, mas a caravana não para.

Brasileiras e mulheres desse mundo pela fé.

Lutemos.

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