Fotos: Eduardo Figueiredo e Bruna Fioretti

Como a paixão de dois barbudos pela bola inspirou o Ginga F.C. e mudou uma comunidade ribeirinha na Amazônia

Flavia Martin
Sobrebarba
Published in
5 min readJul 10, 2017

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De uns anos pra cá, em viagens de férias pelo Brasil, seja no Nordeste ou no Norte do país, chamava a atenção do publicitário Felipe Oliveira um traço em comum por onde passasse: a cidade, a comunidade, o bairro, o que fosse, poderia ser super isolado, não ter eletricidade, igreja nem pracinha… Mas um campinho de futebol e uma bola rolando eram duas certezas.

Felipe Rigolizzo e Felipe Oliveira, sócios do Ginga F.C.

"Sempre gostei muito de esporte, em especial o futebol. A gente ouve muito falar dos clubes, dos times… Mas é só ir em qualquer comunidade ou praia que tem gente jogando altinha… Na Bahia, no vilarejo dos pescadores, eles jogam bola no fim de tarde… Fiquei pensando muito nesse futebol que acontece diariamente em todos os cantos do país. Tinha uma vontade de montar um projeto pra mostrar tudo isso", lembra Felipe, que, junto com o xará Felipe Rigolizzo, fundou há 3 anos o Ginga F.C., projeto que começou de forma despretensiosa com o objetivo de destacar esse lado do futebol, registrando e documentando a onipresença da bola.

Assim, a dupla passou 47 dias viajando por 32 cidades e comunidades do Pará, o que inspirou uma coleção de camisetas chamada Futebol no Tapajós. A vivência anterior de Felipe com empreendedorismo social fez com que ele quisesse devolver para essas comunidades uma espécie de legado por meio do esporte.

"A ideia era enxergar o esporte não só como a prática em si, mas também para uma transformação social que conseguisse mudar a qualidade de vida das pessoas."

Suruacá, que fica à beira do rio Tapajós

Ficou decidido, então, que o dinheiro que começaram a arrecadar com a venda das camisetas seria reinvestido para uma benfeitoria local ligada ao futebol. No processo de identificar a comunidade a ser beneficiada, chegaram a Suruacá, localidade ribeirinha à beira do rio Tapajós, a 4 horas de barco de Santarém, no Pará, e onde moram cerca de 500 pessoas — apaixonadas por futebol, diga-se.

Um dos times de Suruacá é o Santos, igual ao clube paulista

"Eles viajam de barco 5, 6 horas só pra jogar bola em outra cidade. As mulheres também são apaixonadas pelo esporte, tem senhoras de 50 ou 60 anos jogando…", lembra Felipe, que lista os dois times locais: Norte Brasil E.C. e o Santos Esporte Clube, este último igual ao clube paulista.

O próximo passo seria decidir, junto com a comunidade, qual projeto poderia ser tocado por lá. A reforma do campinho da escola João Franco Sarmento, onde todo mundo joga bola, levou a melhor e, até o começo deste ano, eles achavam que os dois começariam em junho as obras com a galera de lá.

No entanto, o projeto caiu no boca a boca, e os amigos, amigos de amigos e conhecidos demonstraram interesse em participar da experiência da reforma— um mutirão coletivo de 32 voluntários de todas as partes do Brasil acabou se formando e partindo pra Suruacá. "A gente meio que conhecia todo mundo, mas a maioria não se conhecia entre si, o que acabou criando uma energia muito legal", lembra Felipe, que durante os dias 14 e 18 de junho coordenou o projeto com a turma in loco.

O mutirão que se juntou para reformar o campinho em Suruacá

Os visitantes foram hospedados na casa das famílias locais, que também participaram do projeto. "Foi um mutirão mesmo. Quatro dias de trabalho: enquanto uma galera martelava grade, outra vinha pintando… Depois programamos várias atividades, como apresentação de carimbó, jantar coletivo… Foi muito além das minhas expectativas, fomos recebidos com muita hospitalidade."

A obra funcionou no esquema de mutirão

No final, o campinho foi inteiramente cercado por grades, que também foram pintadas, ganhou demarcação com a areia branca que já tinha na praia, além de traves e rede. Esta, aliás, foi feita a partir de garrafas PET recicladas: os caras bolaram uma máquina que transforma as garrafas em uma espécie de barbante, que, com o trabalho de tecelagem local, virou a rede do gol.

Garrafas PET viraram a rede do gol

Além da reforma, eles financiaram a compra de equipamentos, como 100 bolas, apitos, roupas de árbitro, chuteiras, cartão vermelho, amarelo… Outros tantos materiais esportivos também vieram de doação.

Distribuição de material esportivo

Na comemoração da reabertura do campinho, rolaram várias partidas: futebol feminino, infantil, depois com os times locais (Norte Brasil X Santos. E tudo com o hino nacional, placa de boas-vindas, bandeira brasileira em campo…

Inauguração do campinho reformado

De volta a São Paulo, onde mora, Felipe planeja uma exposição com as fotos do projeto, além de um documentário para a internet.

"A ideia é replicar em outros lugares do Brasil o mesmo processo autossustentável, usando o futebol do dia a dia para gerar transformações e melhorar a qualidade de vida."

E a nova Mixtape Sobrebarba é do Felipe, que, além de músicas que o inspiram no dia a dia, incluiu um carimbó, o "Carimbó do Macaco".

"Esse tipo de música é um fenômeno no Pará, e pouca gente que foi no mutirão conhecia, então fizemos aulas de carimbó nos dias que passamos lá. Deu pra ver o quanto é forte."

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