Eu sou a mosca da receita da sua sopa

Flavia Martin
Sobrebarba
Published in
5 min readNov 9, 2016

Não é por desafio, nem promessa, aposta, muito menos um reality show no meio da selva. O americano David George Gordon, esse bigodudo aí da foto, faz as pessoas comerem um prato feito com insetos pelo puro prazer da gastronomia.

Chugrad McAndrews/ “The Eat-a-Bug Cookbook”

“Estima-se que 1,9 bilhão de pessoas ao redor do mundo se alimentem de insetos. No entanto, acho que a maior parte do mundo ocidental tem repulsa por eles… As pessoas acham que os insetos são nojentos e cheios de germes, o que não é verdade. Por causa disso, as pessoas são reticentes a se alimentar de insetos comestíveis. Mas acho que um dia essa ideia vai pegar, apesar de achar que ainda vai demorar”, explica David, autor de livros de ciências que há alguns anos ganhou o apelido de Bug Chef (chef de insetos).

“Amo cozinhar e, quando descobri que poderia unir em um único livro os meus dois interesses [gastronomia e ciências], decidi escrever o ‘The Eat-a-Bug Cookbook: 40 Ways to Cook Crickets, Grasshoppers, Ants, Water Bugs, Spiders, Centipedes, and Their Kin’ [traduzindo… ‘Livro de Receitas para Comer Insetos: 40 Maneiras de Cozinhar Grilos, Gafanhotos, Formigas, Insetos d’Água, Aranhas, Centopeias e Seus Parentes’]", lembra ele, que lançou a primeira edição do livro em 1998 e, desde então, ganha a vida fazendo demonstrações culinárias em museus, centros científicos, festivais, escolas e onde mais pintar.

Chugrad McAndrews/ “The Eat-a-Bug Cookbook”

O livro é uma boa introdução à entomofagia, que é a palavra chique para descrever o costume de comer insetos. “Algumas receitas ali são fáceis de serem feitas, mas outras exigem um pouco mais de planejamento e experiência na cozinha. Fico muito feliz que muita gente tenha achado o livro útil em suas tentativas de comer insetos. De alguma forma, o livro fez com que eu fosse considerado o ‘Papa’ da gastronomia de insetos”, conta David, que não tem planos de escrever uma sequência do livro, mas está criando uma série de menus para jantares fechados. “De certa forma, queria me tornar o ‘Chef de Insetos das Estrelas’.”

Chugrad McAndrews/ “The Eat-a-Bug Cookbook”

Segundo ele, quem quiser se aventurar com os bichinhos à mesa pode começar pelos gafanhotos: “Eles são fáceis de serem encontrados e podem ser comprados em tamanhos diferentes. Pessoalmente, eu prefiro os que ainda são ninfas de 5 semanas, porque, como ainda não têm asas, não ficam crocantes feito os adultos. Você pode comê-los fritos ou simplesmente congelá-los, depois colocá-los em um tabuleiro e assá-los. Depois tempere-os levemente para que eles virem uma ótima opção de lanche”.

David explica que há muitos fornecedores online vendendo desde grilos já cozidos até gorgulhos e escorpiões. Mas se você for se aventurar pelo quintal, ele alerta: cuidado com os pesticidas. “As químicas que espalhamos pelo nosso quintal para evitar que esses insetos comam nossas plantas… Se você for comer esses insetos é como se você próprio ingerisse os pesticidas.”

Chugrad McAndrews/ “The Eat-a-Bug Cookbook”

De volta às receitas… O carro-chefe do menu de David, como disse certa vez a revista americana “Time”, é o Orthopteran Orzo (risoni com grilos salteados). Trata-se de uma mistura harmoniosa da massa (orzo), legumes e a proteína (no caso, os grilos). “Pessoas já voltaram para comer uma segunda, terceira e até quinta vez do prato.”

Chugrad McAndrews/ “The Eat-a-Bug Cookbook”

O inseto preferido de David? “Os vermes de cera, que são, na verdade, a lagarta de uma pequena traça. Faço um cookie de vermes de cera com chocolate branco que fica uma delícia. Quando eles vão ao forno, têm gosto de pistache!”

Além de chef, David é um foodie, um apaixonado por comidas em geral. Mas precisa manter o bigodão e a barba limpos.

Chugrad McAndrews/ “The Eat-a-Bug Cookbook”

“Sei que pareço excêntrico, mas tenho que estar arrumado. Seria péssimo se meus clientes ficassem com medo de encontrar um pêlo (ou dois) na comida deles. Preciso estar com a barba arrumada, então levo a minha aparência muito a sério”, ele conta.

“Tenho um ritual íntimo com a minha mulher, Karen, quando ela vai aparar minha barba e meu bigode. Colocamos uma música, às vezes tomamos um drinque, e ficamos relaxando. Ninguém nunca conseguiu cortar meu cabelo e aparar minha barba tão bem quanto ela. E é o momento que temos para nos conectarmos. Em outras palavras, o mundo para quando ela está cuidando de mim.”

Sobre essas e outras músicas que inspiram o chef? “Em primeiro lugar, queria dizer que amo a Moon Dial, uma banda de Seattle que está começando a fazer sucesso. Eles ainda não estão no Spotify, mas têm um link para o primeiro álbum, lançado em setembro.

Na Mixtape que ele fez para o Sobrebarba estão músicas que escuta o tempo todo, como do movimento Chicago Blues (“até meus 30 anos, morei naquela cidade, escutando os grandes, como Muddy e Junior”), e artistas mais novos também, a exemplo de Marian Call e Andrew Bird. “Stan Getz também toca músicas incríveis de artistas brasileiros, e, pra mim, Charles Bradley é o herdeiro musical de James Brown”, lista ele! Agora é apertar o play!

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