O barbudo que manja tudo de arte contemporânea, botânica e Inhotim

Nascido e criado em Brumadinho, onde fica o museu, o guia de turismo Junio conta sua trajetória, que se mistura à do Instituto

Flavia Martin
Sobrebarba
5 min readAug 22, 2017

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Junio em frente à obra "Invenção da Cor Penetrável Magic Square", de Hélio Oiticica, cartão-postal de Inhotim

Se tem alguém em Inhotim que pode dizer “quando eu cheguei isso aqui era tudo mato”, esse alguém é o Junio, guia especializado no maior museu a céu aberto da América Latina (e um dos maiores do mundo), localizado em Brumadinho, a cerca de uma hora de Belo Horizonte.

Dos quase 25 anos de Junio César da Silva, 17 foram passados no bairro onde hoje fica o centro de arte e botânica e cujas terras foram sendo compradas desde a década de 80 pelo empresário Bernardo Paz para construir o Instituto Inhotim, aberto ao público em 2006.

Paz começou arrematando um sítio, em 1984, depois o bairro todo. Junio surgiu na história em 2002, quando tinha 10 anos, ajudando no trabalho da casa onde o empresário mineiro morou até 2006, quando o museu foi inaugurado. Mas antes de virar guia de Inhotim, onde trabalhou exclusivamente até 2012, Junio assumiu várias funções.

"Repare na terceira janela. Sou eu, de verde, sem barba e sem cabelos grandes, eternizado aos 13 anos de idade na obra dos americanos Jonh Hean e Rigoberto Torres que retrata o forró que acontecia todas as sextas-feiras na rodoviária de Brumadinho"

“Comecei como garçom na casa do Bernardo, que insistia para que eu aprendesse mais de cultura. Primeiro me interessei por botânica, então comecei trabalhando na catalogação das coleções das plantas que iam chegando ao parque. Aprendi o nome popular, a origem e o nome científico. Depois veio o interesse pelos objetos de arte contemporânea. Mas sempre tive uma formação autodidata”, conta o mineiro, que tem em casa uma pequena biblioteca construída com a ajuda e incentivo de muitos contatos que fez ao longo dos anos. Um deles é com Adriana Varejão, que foi casada com Bernardo Paz — aliás, na festa de casamento dos dois, em 2003, Junio estava lá em meio aos 300 convidados na fazenda — , hoje é uma das artistas contemporâneas mais caras no mundo e tem o hábito de mandar pra Junio alguns livros e catálogos.

Em frente à obra "True Rouge", de Tunga, morto em 2016 e um dos amigos de Junio

Outro nome que fazia parte do rol de contatos dele era Tunga, escultor pernambucano morto no ano passado.

“No começo, aquele primeiro passo de contato com o mundo da arte contemporânea era muito estranho, mas já são 14 anos vivendo nesse universo… Consigo ter uma leitura em relação a isso (arte contemporânea e botânica). Recebo desde um professor, até um curador, crítico de arte, galerista… Muita gente eu conheci na casa do Bernardo. Ele mesmo me dizia ‘sua faculdade foi aqui dentro, você não precisa disso (de um diploma formal). Só no Brasil mesmo que a gente precisa de um papel pra comprovar alguma coisa”, lembra ele, que, quando vai receber a galera mais importante ou tem um grande evento em vista, sempre dá um pulo na Barbearia do Leno, em Brumadinho, pra dar um trato na barba (“ela é bem orgânica, natural. Gosto bastante porque é uma herança do meu pai, que já faleceu, e nenhum dos meus irmãos tem.”)

Com Fernanda Lima, Rodrigo Hilbert e os filhos do casal; com a atriz Luana Piovani e, à direita, com Camila Pitanga

Sua rotina é puxada: de dia ele leva grupos de turistas para visitar o antigo bairro, contextualizando a história e a construção de Inhotim, já que há 5 anos trabalha por conta própria (e não mais dentro do instituto). Depois, de noite, ruma de Brumadinho pro curso técnico em guia de turismo no Senac de BH. E tem planos para, num futuro, emendar num curso de extensão na história da arte.

À esquerda, com um grupo na obra "Beehive Bunker", de Chris Burden ("são 332 sacos de cimento empilhados") e com um pequeno visitante na obra de Marilá Dardot em que somos convidados a plantar nos vasos em formato de letras

Agora, no segundo semestre, ele ampliou sua atuação como guia turístico e começou a trabalhar em toda Minas Gerais: incluiu no roteiro o barroco de Ouro Preto, Tiradentes e Mariana, o moderno da Pampulha e de BH, finalizando com o contemporâneo de Inhotim.

“A vida aqui é bem tranquila, mas tem correria também. Tenho pavor de cidade grande. Gosto ficar fumando meu cigarrinho de palha na natureza, na cachoeira. Se eu puder escolher ficar aqui é o melhor.”

Nesses momentos de relax, quando acorda, ou no trajeto Brumadinho-BH ele ouve Jaloo, Caetano (“amo todas”) e Lumen Craft, banda paulistana que fez show no festival MECAInhotim. Nesta edição do evento, em julho, Junio fez uma visita guiada diferente: apresentou mais de 50 espécies de plantas alucinógenas, tendo como base a obra “Panacea Phantastica”, conjunto de azulejos de Adriana Varejão onde estão retratadas as plantas de diversas partes do mundo, junto com uma reflexão sobre a relação entre os efeitos alucinógenos e as mudanças na percepção que podem ser provocadas pela arte.

Enquanto você programa sua viagem (qualquer que seja ela…) para Inhotim, fique com a Mixtape que o Junio fez especialmente pro Sobrebarba.

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