A HISTÓRIA DA FEITICEIRA ESCARLATE E DO VISÃO!

Claudio Basilio
sobrequadrinhos
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20 min readMar 16, 2021

Era uma vez… uma menina vestida com roupas vermelhas que fazia umas mandingas esquisitas. E um boneco feito de materiais sintéticos e eletrônicos que queria ser gente. Eles se conheceram, se apaixonaram, se casaram, tiveram filhos e viveram mil e uma aventuras juntos e separados. E se tornaram heróis cruciais em uma das mitologias mais amadas do Século XXI. Não é necessário um raciocínio muito elaborado para perceber que estamos falando da Feiticeira Escarlate e do Visão, que serão o tema deste pequenino artigo!

Porém, precisamos deixar claro: o nosso objetivo aqui é resgatar a história da Feiticeira Escarlate e do Visão nos quadrinhos, e não necessariamente elencar os easter eggs que surgiram na série televisiva WandaVision, protagonizada pelos dois personagens e disponível no serviço de streaming Disney+. Entretanto, nada impede que vocês nos acompanhem nesta longa jornada, que começa nos anos sessenta e termina nos dia de hoje. Nos acompanhem, por favor!

Uma mocinha delicada

Concebida pelos geniais Stan Lee e Jack Kirby, ao lado do seu irascível e ligeiro irmão gêmeo Mercúrio a simpática Feiticeira Escarlate deu o ar da sua graça pela primeira vez em 1964 no gibi X-Men #4. Nascidos na Trânsia (país fictício do Universo Marvel localizado na Europa Central) e criados em meio a uma comunidade cigana, Pietro e Wanda Maximoff (os verdadeiros nomes dos irmãos, né?) foram resgatados por Magneto de um linchamento motivado pela sua condição de mutantes e, agradecidos, juraram fidelidade ao Mestre do Magnetismo, passando a integrar a Irmandade de Mutantes, uma espécie de contraparte maligna dos X-Men.

Cena de X-Men #4, com a primeira aparição da Feiticeira Escarlate. Arte de Jack Kirby.

Lee e Kirby eram geniais, mas tinham um ponto fraco como criadores: ambos não eram muito bons na caracterização de personagens femininas e, apesar de apresentar habilidades sobre-humanas um tanto quanto estranhas (ela era capaz de alterar probabilidades, gerando eventos aleatórios e quase sempre danosos aos seus adversários) em suas primeiras aparições a Feiticeira Escarlate era retratada apenas como uma mocinha delicada em meio aos “trogloditas” da Irmandade de Mutantes. Porém, Lee e Kirby tiveram uma ótima sacada em relação a personagem: tanto ela quanto o irmão tinham uma lealdade relutante em relação a Magneto e, depois de um tempo eles ficaram cansados das ações terroristas da Irmandade de Mutantes e abandonaram a equipe. Esse era apenas o começo do grande destino que eles teriam dentro da mitologia da Marvel Comics.

Vejam como são as coisas: com editor-chefe e principal escritor da Casa das Ideias nos anos sessenta Stan Lee fazia uma força danada para interligar todas as revistas das Marvel, criando um universo fictício coeso e supostamente acessível para todos os leitores. Mas… ele sempre se atrapalhava com The Avengers, a revista que trazia as aventuras dos Vingadores. Ora, tal gibi era protagonizado por heróis que estrelavam aventuras em outras revistas, e isso dava um nó na cabeça de Lee, que precisava manter a coerência das histórias dos Maiores Heróis da Terra com as que eram publicadas nos gibis do Thor, Homem de Ferro e Gigante. Cansado de tanta confusão Lee “radicalizou” e em 1965 na revista The Avengers #16 ele mudou a formação dos Vingadores, mantendo o bom e velho Capitão América e substituindo os demais membros fundadores da equipe por três vilões reformados: o Gavião Arqueiro (que estreou nas aventuras do Homem de Ferro) e os gêmeos Mercúrio e Feiticeira Escarlate.

Cena de The Avengers #17, onde a Feiticeira Escarlate entra em ação ao lado dos seus colegas vingadores. Arte de Don Heck.

Conhecida como “Quadrilha do Capitão” (Cap’s Kooky Quartet), esta formação dos Vingadores tinha um forte investimento por parte de Lee e do desenhista Don Heck na iteração entre os personagens, porém mesmo com esta premissa a Feiticeira Escarlate não fugia do papel de “mocinha delicada”, convivendo com os galanteios pouco sutis do Gavião Arqueiro ou então com a personalidade superprotetora do seu irmão. E, de aventura em aventura a Feiticeira Escarlate participou dos Vingadores, até abandonar a equipe em The Avengers #53, lançada em meados de 1968. Porém… alguns meses depois um novo e intrigante herói entraria nas hostes dos Maiores Heróis da Terra.

Um super-herói androide

Em 1966 Roy Thomas assumiu os roteiros dos Vingadores a partir da trigésima quinta edição de The Avengers e ao lado dos desenhistas Don Heck e John Buscema produziu aventuras interessantes para os Maiores Heróis da Terra. E aí… em meados de 1968 Stan Lee meio que fez uma “exigência” para Thomas: o editor-chefe da Marvel queria que o roteirista dos Vingadores criasse um super-herói androide para a equipe!

Nunca ficou claro porque Lee queria um androide nos Vingadores e com “jeitinho” Thomas tentou “desconversar” o seu chefe, por uma razão simples: apesar de no transcorrer da sua longa carreira o escritor ter se envolvido direta ou indiretamente na criação de dezenas de heróis sempre que possível ele evitava fazê-lo, porque sabia que nunca reteria para si os direitos autorais dos personagens criados para a Marvel ou DC. Mas… ordens são ordens, né? E aí Thomas aplicou na Marvel um recurso criativo comum na DC Comics nos anos cinquenta e sessenta: ele pegou um antigo super-herói da Era de Ouro dos quadrinhos americanos e o recriou!

Criado por Joe Simon e Jack Kirby em 1940, o Visão da Era de Ouro era um policial alienígena oriundo de outra dimensão capaz de realizar teletransportes e gerar ilusões que decidiu combater o crime na Terra. Assim como a maioria dos heróis surgidos naquele período suas aventuras foram suspensas após o fim da Segunda Guerra Mundial, mas Thomas se lembrava dele e … e se lembrava também outro personagem da Era de Ouro que serviu de improvável inspiração para o novo Visão.

Visão da Era de Ouro e Spy Smasher, os personagens que inspiraram Roy Thomas na criação do seu super-herói androide.

Primeiro super-herói publicado pela Fawcett Comics e concebido por Bill Parker e C. C. Beck (que também criaram o Shazam) em 1940, o Spy Smasher era um combatente do crime especializado na luta contra espiões do Eixo que fez um baita sucesso na sua época, chegando inclusive a ganhar um seriado cinematográfico em 1942. Aqui no Brasil suas aventuras foram publicadas pela Ebal e RGE e ele ganhou nomes nacionais tão dispares quanto “Terror dos Espiões”, “Contra-Espião”, “Derruba-Espião” e até mesmo um estranhíssimo “Hércules”, mas… uma perguntinha fica no ar: como dois personagens tão diferentes como o Visão da Era de Ouro e o Spy Smasher inspiraram a criação de um androide na Marvel?

Não é difícil perceber a semelhança entre os uniformes dos dois heróis acima citados, e de forma hábil Thomas fez uma “fusão” entre eles, mantendo em seu androide as características visuais básicas do Visão da Era de Ouro e “roubando” do Spy Smasher o losango que adornava o seu peito. Porém, Thomas entendia que já haviam muitos personagens de pele ou roupa verde no Universo Marvel (vocês se lembram do Hulk?) e para distinguir o novo herói dos demais habitantes da Casa das Ideias ele tascou tintas vermelhas no seu rosto. Em relação as suas habilidades sobre-humanas Thomas definiu que o corpo do personagem seria alimentado a partir de uma joia sintética em sua fronte, que absorveria energia solar ambiental e que além de superforça permitiria que ele emitisse raios térmicos de alta intensidade tanto pelos olhos quanto pela própria joia. E para completar o pacote de superpoderes o Visão seria capaz de alterar densidade atômica do próprio corpo, tornando-se “leve” a ponto de atravessar paredes, objetos e pessoas ou e então extremamente “pesado”, aumentando exponencialmente a sua força física e invulnerabilidade neste processo.

Capa de The Avengers #57, que trouxe a estreia do Visão. Arte de John Buscema.

E assim o simpático sintozoide conhecido como Visão nasceu e… ops, o que diabos é um “sintozoide” ? Vamos explicar…

O novo Visão estreou em 1968 em The Avengers #57 e era uma forma de vida artificial criada pelo robô Ultron, um dos principais inimigos dos Vingadores. Enviado contra os Maiores Heróis da Terra, o Visão se rebelou contra o seu criador e após a derrota do vilão em The Avengers #58 — que trazia a hoje clássica história “Até um androide pode chorar” (“Even an androide can cry”) — maiores detalhes sobre a origem do personagem foram revelados: criado a partir de componentes eletrônicos e sintéticos que imitavam de forma perfeita órgãos humanos (vindo daí a expressão “sintozoide”), a personalidade do Visão foi criada por Ultron a partir de padrões mentais extraídos de Magnum, um falecido adversário redimido do Vingadores que surgiu em The Avengers #9. E aí, sem mestre e sem rumo na vida o Visão foi por fim admitido como integrante dos Vingadores.

Cena de The Avengers #58, onde o Visão chora ao ser admitido nos Vingadores. Arte de John Buscema.

Primeiro herói criado especificamente para os Vingadores, o Visão permitiu a Roy Thomas lidar com os elementos que de fato definem um herói, já que a personalidade “robótica” e que se esforçava para emular a psiquê humana o tornavam perfeito para isso. Mas para levar seu intento adiante Thomas precisava acrescentar novos ingredientes a sua receita. Tipo… um pouco de romance…

A mutante e o sintozoide

A Feiticeira Escarlate e Mercúrio retornaram aos Vingadores em The Avengers #75 e lentamente Roy Thomas foi estreitando os laços entre a mutante e o sintozoide, até que em The Avengers #91 (que faz parte do hoje lendário arco de histórias conhecido hoje como “A Guerra Kree-Skrull”) ficou claro para todo mundo que ambos haviam se apaixonado. Nem todos gostaram dessa possibilidade de romance — especialmente Mercúrio, que não queria ver a sua irmã namorando um “robô” –, e através deste caso de amor Thomas questionou de forma metafórica os preconceitos latentes nas sociedades modernas sobre os relacionamentos entre pessoas de diferentes origens e etnias.

Cena de The Avengers #91, onde ficou claro que havia um “clima” entre o Visão e a Feiticeira Escarlate. Arte de Sal Buscema.

No final de 1972 o escritor Steve Englehart assumiu os roteiros dos Vingadores e continuou a desenvolver o relacionamento de Wanda e Visão, mas Thomas ainda tinha algumas coisinhas a falar sobre a heroína mutante, e em 1974 no gibi Giant-Size Avengers #1 ele revelou que a Feiticeira Escarlate e Mercúrio eram filhos do super-velocista Ciclone e de Miss América, dois antigos heróis da Era de Ouro que tiveram os gêmeos durante uma viagem ao Monte Wundagore, localizado na Trânsia. Miss América faleceu durante o parto e, transtornado com o passamento da sua esposa Ciclone abandonou a Trânsia, fazendo com que os recém-nascidos parassem nas mãos ao Alto Evolucionário, um geneticista especializado na superevolução de animais e que morava nas redondezas. Como o Alto Evolucionário não levava jeito com crianças ele as entregou para o casal Maximoff, que fazia parte de um acampamento cigano próximo ao Monte Wundagore, onde elas cresceram até serem encontrados por Magneto. Porém… essa não seria a última vez em que a Era de Ouro da Marvel teria alguma repercussão na vida da Feiticeira Escarlate e do Visão.

Ciclone e Miss América, os supostos pais da Feiticeira Escarlate e Mercúrio. Arte de Rich Buckler.

Em meados de 1974 Steve Englehart iniciou “Madona Celestial”, um longo e complexo arco de histórias que envolvia a eterna rivalidade entre as raças alienígenas Kree e Skrull, o cruel viajante do tempo Kang e principalmente o advento de uma mulher que supostamente seria o ser humano perfeito. No transcorrer desta trama Wanda conheceu Agatha Harkness, uma antiga feiticeira que surgiu nas aventuras do Quarteto Fantástico (onde atuava como babá de Franklin Richards, o filho do Senhor Fantástico com a Garota Invisível) e que vislumbrou na vingadora um insuspeito potencial para as artes místicas. Como resultado deste encontro Agatha se tornou a instrutora de Wanda nos meandros do misticismo, só que… as maiores surpresas de “Madona Celestial” estavam reservadas para o Visão.

Cena de The Avengers #133, onde Agatha Harkness ensina magia para a Feiticeira Escarlate. Arte de Sal Buscema.

O mais novo casal da praça

Graças a Immortus (uma versão envelhecida e aparentemente benigna de Kang) o Visão descobriu que foi “montado” a partir dos restos mortais do Tocha Humana Original e… está bem, está bem! Vamos contar resumidamente a história do Tocha Humana Original!

Fruto da mente criativa do escritor e desenhista Carl Burgos, o Tocha Humana Original surgiu em 1939 e era um androide dotado de poderes flamejantes que teve suas aventuras publicadas pela Marvel nos anos quarenta e cinquenta. O personagem foi uma influência óbvia na criação do Tocha Humana Johnny Storm, e justamente em uma história do Quarteto Fantástico publicada em meados dos anos sessenta ele foi ressuscitado pelo mestre da robótica conhecido como Pensador Louco depois de um longo período dado como morto. Posteriormente o androide flamejante foi induzido a atacar o Quarteto, e após suplantar o domínio do Pensador Louco ele foi supostamente assassinado por Quasímodo, uma das criações do vilão. Sem muito o que fazer o Quarteto abandonou o corpo do Tocha Humana Original no laboratório do Pensador Louco e aí de fato se iniciou a “verdadeira” origem do Visão.

Capa de The Avengers #134, onde foi revelado que a origem do Visão estava intimamente ligada ao Tocha Humana Original. Arte de Gil Kane.

Através de visões induzidas por Immortus o Visão soube que Ultron descobriu a localização do laboratório do Pensador Louco, sequestrou os despojos do herói flamejante e com o auxílio forçado de Phineas Horton (o cientista que criou o Tocha Humana Original) recriou o androide, apagando da sua memória eletrônica todas as lembranças da sua vida passada (através do uso dos padrões mentais do Magnum) e concedendo-lhe novas habilidades. E aí o restante da história transcorreu conforme os fatos narrados em The Avengers #57

Capa de Giant-Size Avengers #4, onde o Visão e a Feiticeira Escarlate oficialmente juntaram os trapinhos. Arte de Gil Kane.

Ciente de todos os detalhes da sua gênese o Visão se tornou mais confiante e decidiu pedir a mão da Feiticeira Escarlate em casamento, que prontamente aceitou. A cerimônia se realizou na revista Giant-Size Avengers #4 e pelo visto as origens do mais novo casal da praça estavam definitivamente estabelecidas mas, acreditem: os anos seguintes reservariam muitas surpresas para o Visão e a Feiticeira Escarlate!

Antigos mistérios

No Mundo Encantado dos Quadrinhos nada é mais “transitório” do que a Morte, e em 1976 o homem que teve seus padrões mentais usados na criação do Visão ressuscitou. Sim, Magnum voltou do Mundo dos Mortos em The Avengers #151, e apesar a estranheza inicial que rolou no final ambos desenvolveram uma relação quase fraternal, que de tempos em tempos era perturbada pelo Ceifador, o insano irmão do Magnum que sempre odiou o Visão por ter “roubado” a identidade do seu parente. Mas… antigos mistérios bateriam na porta da Feiticeira Escarlate.

Cena de The Avengers #151, onde um ressuscitado e desnorteado Magnum “exige” do Visão o seu “cérebro” de volta. Arte de George Pérez.

Em The Avengers #181 um velho místico cigano chamado Django Maximoff entrou em cena, alegando ser o pai biológico da Feiticeira Escarlate e Mercúrio. Muitos dos fatos levantados por Django eram contraditórios em relação com aqueles afirmados pelo Ciclone, e para confirmar a sua verdadeira origem os gêmeos se dirigiram ao Monte Wundagore junto com o velho cigano.

E então nas edições #185, #186 e #187 de The Avengers os escritores Mark Gruenwald, Steven Grant e David Michelinie ao lado do desenhista John Byrne revelaram que na verdade os gêmeos eram filhos de uma misteriosa mulher grávida chamada Magda, que chegou no Monte Wundagore fugida de um marido que repentinamente havia desenvolvido terríveis poderes. Assistida por Bova (uma vaca super-evoluida que trabalhava para o Alto Evolucionário), esta mulher deu luz as duas crianças, que inicialmente foram “empurradas” para o Ciclone, e posteriormente para o casal Maximoff, que por fim as criou.

Cena de The Avengers #186, onde Bova relembra o nascimento da Feiticeira Escarlate e Mercúrio. Arte de John Byrne.

Porém — ah, porém! — um outro segredinho foi revelado nessas três histórias: o Monte Wundagore era o local onde estava escondido o Darkhold (também conhecido como Tomo Negro), um livro escrito em tempos imemoriais por Chthon, um demônio lovecraftiano vinculado as forças do Caos que pretendia usar este alfarrábio para fugir de sua prisão abissal. Durante o parto dos gêmeos Wanda foi banhada pelas energias arcanas que circundavam a montanha por causa da presença do livro, o que a tornou a heroína apta a manipular forças místicas… e suscetível a uma eventual possessão por Chthon, também! E foi justamente isso que aconteceu, porém os seus colegas vingadores conseguiram libertá-la do jugo do demônio.

Capa de The Avengers #187, onde uma Feiticeira Escarlate possuída pelo demônio Chthon aprisiona os Vingadores. Arte de John Byrne.

Mas… depois de tanta confusão envolvendo livros místicos, antigos demônios e origens equivocadas nos perguntamos: quem era de fato Magda? No gibi The Uncanny X-Men #125 (lançado originalmente em 1979) os leitores se depararam com um cansado Magneto revirando seus arquivos pessoais até encontrar uma antiga foto da sua esposa, que por “coincidência” era idêntica a mãe biológica de Mercúrio e Feiticeira Escarlate apresentada em The Avengers. Um certo segredo já não estava mais oculto para os fãs…

O pai de Wanda e Pietro

Em 1982 a Marvel botou na praça a minissérie em quatro partes Vision and the Scarlet Witch — escrita por Bill Mantlo e desenhada por Rick Leonardi , e nela finalmente foi revelado oficialmente que Magneto era o pai de Wanda e Pietro. Os gêmeos não “digeriram” bem o fato do pai ser um dos mais perigosos terroristas mutantes do mundo e evitaram estreitar as relações com o Mestre do Magnetismo.

Capa de Vision and the Scarlet Witch #4, onde foi oficialmente revelado que Magneto é o pai da Feiticeira Escarlate e de Mercúrio. Arte de Rick Leonardi.

A minissérie do casal de vingadores deve ter caído no gosto do público, tanto que em 1985 a Casa das Ideias lançou uma continuação de doze partes roteirizada por Steve Englehart e desenhada por Richard Howell. O objetivo geral desta série era mostrar um ano da vida do casal, e nela um importante e improvável fato aconteceu: fazendo uso dos seus poderes de alteração de probabilidades a Feiticeira Escarlate ficou grávida do Visão, e teve dois filhos, batizados com os nomes de Willian e Thomas. Ou Billy e Tommy se vocês preferirem! Tudo muito lindo e meigo, porém o nascimento destas crianças teria consequências funestas mais para frente…

Capa de The Avengers #254, onde um Visão enlouquecido assume o controle de todos os sistemas computadorizados da Terra. Arte de Bob Hall.

Nos anos oitenta o Visão e a Feiticeira Escarlate entravam e saiam dos Vingadores ao bel prazer dos escritores de plantão, e em 1985 os quadrinistas Roger Stern, Al Milgrom e Bob Hall elaboraram a saga “Absolute Vision”, onde um Visão pirado na batatinha assumiu o controle de todos os sistemas computadorizados do mundo. No final das contas o sintozoide voltou ao normal, só que…

A Busca pelo Visão

Em 1989 John Byrne assumiu o roteiro e a arte da revista The West Coast Avengers e iniciou “A Busca pelo Visão” (VisionQuest), um arco de histórias onde os Vingadores saem em busca de um desaparecido Visão. Rapidamente os Maiores Heróis da Terra descobriram que o sintozoide havia sido sequestrado por uma operação conjunta dos principais serviços de inteligência do mundo, que não queriam a repetição do incidente ocorrido em “Absolute Vision”. E eles também descobriram que o Visão havia sido completamente desmantelado pelos seus sequestradores.

Capa de The West Coast Avengers #45, onde um repaginado Visão foi apresentado aos fãs. Arte de John Byrne.

Os Vingadores até conseguiram remontar o seu colega, mas como efeito colateral deste processo o Visão ganhou uma vistosa pele sintética branca e perdeu todos os vínculos emocionais que tinha com as suas memórias, se tornando muito mais “robótico” que o usual. Ah, e antes que nos esqueçamos: foi revelado que o Visão não foi construído a partir dos despojos do Tocha Humana Original, e sim a partir de peças sobressalentes do androide flamejante, que por sinal estava vivinho da silva!

Mas… o que justificou esta mudança tão radical na origem do marido de Wanda? Ora, John Byrne era fascinado pelo Tocha Humana Original e detestava os fatos sobre o sintozoide que Steve Englehart estabeleceu nos anos setenta. Dito isso, Byrne revirou de ponta-cabeça a criação do Visão partindo de um pressuposto “esperto”: se o herói sintético descobriu a sua origem graças a Immortus (um sujeito ambíguo e de passado vilanesco) era enorme a chance de tudo ser uma grande mentira, já que vilões sempre mentem! E assim Byrne “causou” junto aos fãs dos Vingadores e de lambuja resgatou um dos mais importantes heróis da Era de Ouro do Quadrinho Americano.

Cena de The West Coast Avengers #50, onde o Visão e o Tocha Humana Original finalmente se encontram. Arte de John Byrne.

A esposa do Visão não gostou nem um pouco da nova e fria versão do seu marido, e para piorar as coisas os seus filhos Tommy e Billy desapareciam constantemente. Logo ela descobriu que seus bebês na verdade eram construtos místicos criados por ela ao inconscientemente resgatar fragmentos do poder de Mefisto, o diabão mor da Marvel. Na práticas as crianças “existiam” apenas quando Wanda se concentrava nelas e o resultado final foi óbvio: Tommy e Billy desapareceram definitivamente, Agatha Harkness apagou da memória da Feiticeira Escarlate todas as lembranças que ela tinha dos seus filhos e, traumatizada, ela se tornou suscetível ao domínio de Immortus, que engendrou todos estes incidentes com o objetivo de ter para si os poderes da da heroína.

Immortus foi derrotado, porém depois de todas as peripécias roteirizadas por John Byrne o relacionamento de Wanda e Visão estava definitivamente estremecido, já que na prática o sintozoide não se lembrava do seu amor pela mutante.

E assim… A Feiticeira Escarlate e o Visão se separaram.

A Queda

No transcorrer dos anos noventa e na primeira década do século XXI a Feiticeira Escarlate e o Visão transitaram entre as mais diferentes formações dos Vingadores, Wanda se engraçou por um tempo com Magnum, o sintozoide recuperou seu uniforme original e suas memórias e muitas vezes os leitores ficaram com a sensação e o casal iria reatar, porém entrou em cena o escritor Brian Michael Bendis.

No ano de 2004 Bendis assumiu os roteiros dos Vingadores e junto com os desenhistas David Finch e Olivier Coipel nas edições #500, #501, #502 e #503 de The Avengers jogou na cara dos fãs “Vingadores: A Queda” (Avengers Dissassembled), saga onde a Feiticeira Escarlate enlouqueceu ao recuperar a memória dos seus filhos “imaginários”. O resultado dessas lembranças foi o pior possível: Agatha Harkness, o Homem-Formiga e Gavião Arqueiro foram supostamente assassinados e o Visão foi destroçado e morto por uma Mulher-Hulk dominada por Wanda. Apenas graças a providencial intervenção o Doutor Estranho a Feiticeira Escarlate foi detida e, por fim, levada por Magneto para tratamento psiquiátrico em Genosha, um país comandado por Magneto que servia como refúgio para mutantes.

Cena de The Avengers #503, onde a Feiticeira Escarlate exige de Agatha Harkness explicações sobre seus filhos. Arte de Olivier Coipel.

Vingadores: A Queda” serviu de ponto de partida para o lançamentos de duas novas revistas da Marvel em 2005: New Avengers (que trazia uma formação dos Vingadores que contava entre seus membros com Luke Cage, Wolverine e Homem-Aranha) e Young Avengers, que apresentava os Jovens Vingadores, uma equipe formada por super-heróis adolescentes inspirados nos Maiores Heróis da Terra. Justamente neste último gibi o legado da Feiticeira Escarlate e Visão foi mais sentido.

Criados por Allan Heinberg e Jimmy Cheung, os Jovens Vingadores contavam em suas fileiras com Wiccano e Célere, dois rapazes que apresentavam poderes similares aos da Feiticeira Escarlate e Mercúrio. Batizados respectivamente com os nomes civis de Willian “Billy” Kaplan e Thomas “Tommy” Sheperd, nunca ficou claro se Wiccano e Célere eram os “espíritos” do filho de Wanda que de alguma forma se ligaram aos dois jovens em questão durante a adolescência ou nascimento e até mesmo o fato desses “espíritos” serem fragmentos do poder de Mefisto passou a ser questionado. Só que, além dos “filhos” aparentemente ressuscitados… uma novo Visão também surgiu no meio dos Jovens Vingadores.

Wiccano, Célere e o novo Visão. Arte de Jimmy Cheung

Criado a partir da combinação dos padrões mentais do supostamente falecido sintozoide e de uma versão juvenil de Kang, o novo Visão era um androide “adolescente” (existe androide adolescente?) que conseguia reproduzir com perfeição as habilidades do seu antecessor. Assumindo o nome civil de Jonas, o novo Visão iniciou um romance com Estatura (filha do Homem-Formiga), porém ele foi morto por Kang durante a série fechada em nove partes chamada “A Cruzada das Crianças” e… daqui a pouquinho falaremos dela!

Reestruturar toda a realidade

Após os eventos de “Vingadores: A Queda” em 2006 os Vingadores e X-Men se perguntaram o que deveria ser feito com Wanda. Eles não tiveram tempo para tomar uma decisão, porque graças a influência de Mercúrio a Feiticeira Escarlate fez uso dos seus vastos poderes para reestruturar toda a realidade, transformando a Terra em um mundo onde os mutantes eram a força dominante. Esse foi o mote da minissérie em oito partes “Dinastia M” (House of M), concebida por Brian Michael Bendis e Olivier Coipel e onde após vários percalços todos os super-heróis da Marvel conseguiram desfazer os malfeitos da enlouquecida heroína, porém com um alto custo: no último instante Wanda fez com que grande parte dos mutantes do planeta perdessem definitivamente os seus superpoderes. Obviamente a partir deste momento a comunidade mutante passou a nutrir um ódio mortal pela Feiticeira Escarlate.

Capa de House of M #1, onde a Feiticeira Escarlate reestrutura toda a realidade. Arte de Joe Quesada.

Depois do término de “Dinastia M” Wanda desapareceu do radar dos Vingadores por muito tempo, até que em 2010 Allan Heinberg e Jimmy Cheung se juntaram para lançar a já citada série fechada “A Cruzada das Crianças”, onde os Jovens Vingadores descobriram que a heroína estava sob o jugo do do Doutor Destino e, aliados aos Vingadores e X-Men conseguiram libertá-la do domínio do vilão.

Capa de Avengers: The Children’s Crusade #1, onde os Jovens Vingadores iniciam a busca pela Feiticeira Escarlate. Arte de Jimmy Cheung.

A Feiticeira Escarlate foi readmitida — com muitas ressalvas — nos Vingadores e para completar o quadro geral em 2012 Tony Stark (ou Brian Michael Bendis, melhor falando) tomou vergonha na cara e reconstruiu o Visão em The Avengers #19. Entretanto… uma sombra vinda do Cinema pairava sobre esses heróis…

Não eram mutantes

Com o lançamento em 2008 do filme “Homem de Ferro” a Marvel (inicialmente ao lado da Paramount Pictures e depois com o Walt Disney Studios) iniciou um ambicioso projeto que redundou em uma longa série de obras como “Capitão América: O Primeiro Vingador”, “Thor”, “Vingadores” e muitos outros, só que havia um “estorvo” no meio do caminho: devido a uma série de problemas financeiros que acometeram a Marvel nos anos noventa os direitos cinematográficos dos X-Men e de todos os mutantes da Casa das Ideias estavam na mão da 20th Century Fox, um estúdio concorrente da Disney. Isso colocava Mercúrio e a Feiticeira Escarlate em uma espécie de limbo jurídico, já que além de serem membros históricos dos Vingadores eles também eram mutantes.

Dizem as más línguas que em meados da última década por ordem direta de Ike Perlmutter (então o grande mandachuva da Marvel) os X-Men foram “rebaixados” na prioridade de publicação de revistas da Casa das Ideias, já que na opinião do chefão não fazia sentido a editora “promover” produtos “pertencentes” (ainda que apenas do ponto de vista cinematográfico) aos concorrentes. Como resultado direto dessas determinações em 2014 no meio da saga “Vingadores & X-Men: Eixo” (Avengers & X-Men: Axis) uma “bomba” explodiu entre os fãs: na verdade a Feiticeira Escarlate e Mercúrio não eram mutantes e nunca foram filhos de Magneto! Ah, por “coincidência” os irmãos gêmeos estrearam nos cinemas justamente em 2014, nas cenas pós-créditos do filme “Capitão América 2: O Soldado Invernal”.

Cena de Avengers & X-Men: Axis #7, onde a Feiticeira Escarlte descobre que Magneto nunca foi seu pai. Arte de Adam Kubert.

Com o tempo os escritores da Marvel — em especial James Robinson — explicaram que Wanda e Pietro eram descendentes de uma longa linhagem de bruxos ciganos autodenominados feiticeiros escarlates. Um belo dia Natalya Maximoff (a penúltima feiticeira escarlate) teve gêmeos de um pai desconhecido, e as crianças foram entregues ao seu irmão, o curandeiro Django Maximoff. Após uma série de ataques feitos por grupos armados do Alto Evolucionário as crianças foram entregues ao geneticista, que realizou nelas uma série de experimentos científicos que mais tarde redundaram nos seus superpoderes. Ao saber que seus filhos estavam nas mãos de um cientista louco Natalya o atacou, e foi morta. No fina das contas o Alto Evolucionário devolveu os bebês para Django, que os criou como se fossem seus filhos biológicos e ocultou deles sua verdadeira origem.

Capas de Scarlet Witch #1 e Vision #1, que trouxeram aventuras-solo da Feiticeira Escarlate e Visão. Artes de David Aja e Michael Del Mundo.

Em 2016 a Feiticeira Escarlate ganhou uma série mensal (que durou apenas quinze edições) escrita por James Robinson onde além de atuar como detetive sobrenatural a personagem se empenhou em descobrir maiores detalhes sobre a sua verdadeira origem. No mesmo ano ao lado dos artistas Gabriel Hernandez Walta e Michael Walsh o roteirista Tom King elaborou uma multipremiada minissérie dividida em doze capítulos estrelada pelo Visão, onde em uma tentativa de se tornar mais “humano” o sintozoide literalmente construiu para si uma esposa e dois filhos e se mudou de mala e cuia para um subúrbio nos arredores de Washington… onde coisas terríveis aconteceram, é claro!

E assim… chegamos ao final de mais um textão. Graças aos filmes cinematográficos da Marvel e a minissérie televisiva WandaVision a Feiticeira Escarlate e o Visão se tornaram populares juntos ao grande público, e certamente a Marvel tem grandes planos para os dois personagens em um futuro não muito distante. E caberá a nós ansiosamente aguardarmos por eles.

E TENHO DITO!

Para saber mais:

Wikipedia: Feiticeira Escarlate

Wikipedia: Visão

UncannyXmen.net: Feiticeira Escarlate

Vox.com: Feiticeira Escarlate

Vulture.com: Feiticeira Escarlate e Visão

Screenrant.com: Visão

Guia dos Quadrinhos: Feiticeira Escarlate

Guia dos Quadrinhos: Visão

P.S.: neste humilde blog foi publicado um artigo sobre os Invasores, superequipe da Marvel que contou com Ciclone, Miss América e o Visão da Era de Ouro, heróis que citamos no texto acima. Cliquem aqui para mais sobre eles, minha gente!

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Claudio Basilio
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Apenas um rapaz latino-americano que gosta de falar de Quadrinhos e Cultura Pop. E de outros assuntos também!