A LEGIÃO DOS SUPER-HERÓIS DE PAUL LEVITZ E KEITH GIFFEN!

Claudio Basilio
sobrequadrinhos
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10 min readDec 13, 2020

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Sempre houve na produção de quadrinhos uma forte mística em torno das duplas criativas. Simon e Kirby. Lee e Kirby. Thomas e Buscema. O’Neil e Adams. Claremont e Byrne. Kazuo Koike e Goseki Kojima. Ora, para vários apaixonados por gibis a citação conjunta de alguns nomes tem um caráter quase “religioso”, como se estivéssemos falando de Jagger e Richards ou de Lennon e McCartney! Ou então de Pelé e Coutinho, para fazermos uma analogia com o futebol!

E… neste texto iremos falar de um certo trabalho de uma dessas duplas. De um conjunto de histórias que fez um enorme sucesso nos anos oitenta e que sempre deve ser reverenciado e lembrado. Iremos aqui e agora falar sobre a Legião dos Super-Heróis… e do período em que as aventuras desta equipe foram produzidas por Paul Levitz e Keith Giffen!

A volta daquele que nunca foi

A Legião dos Super-Heróis sempre foi um conceito interessante. Criada em 1958 por Otto Binder e Al Plastino, a Legião surgiu como coadjuvante nas aventuras do Superboy, o que faz todo sentido: inspirados no mito do Homem de Aço adolescentes do século XXX oriundos dos mais diversos cantos do universo decidiram criar um time para defender a paz e a justiça em todo o Cosmo. E como bons moleques que eram eles viajaram até o Século XX e convidaram o seu “muso inspirador” para ser parte da equipe, que com muito gosto aceitou o convite. Todavia, sempre é bom contar com um kryptoniano a mais nas suas fileiras, e só por causa disso os legionários também chamaram a prima do Superboy — a sempre catita Supergirl — para a equipe futurista!

Paul Levitz e Keith Giffen, a “dupla dinâmica” que revolucionou a Legião dos Super-Heróis.

No transcorrer dos anos sessenta e setenta quadrinistas como Jerry Siegel (sim, o criador do Superman!), Ed Hamilton, Jim Shooter, Cary Bates, Curt Swan, Dave Cockrum, Mike Grell, Jim Sherman e muitos outros desenvolveram nas revistas Superboy, Adventure Comics e Superboy and the Legion of Super Heroes (que posteriormente seria renomeada para apenas The Legion of Super-Heroes) uma intricada mitologia para os jovens aventureiros do futuro, que conquistaram uma base sólida de fãs. Mas, sejamos sinceros: a Legião nunca foi exatamente um best-seller nas bancas de jornais. E não eram poucos os que consideravam as histórias e o próprio conceito da Legião coisa de criança! Provavelmente as pessoas que pensavam assim tinham um pouco de razão, já que a maioria dos membros da equipe tinham nomes originais que vinham acompanhados das palavras “kid”, “boy”, “lad”, “lass” ou “girl”!

Mas as coisas iriam mudar com o retorno de Paul Levitz…

Nova-iorquino da gema e nerd convicto, Levitz iniciou sua carreira nos quadrinhos em meados dos anos setenta como assistente do lendário editor e desenhista Joe Orlando, até finalmente realizar um sonho de infância ao editar e escrever a Legião dos Super-Heróis. Porém, as suas obrigações editoriais (ele se tornou o braço direito de Jenette Khan, então presidente da DC Comics) o fizeram abandonar os roteiros da Legião. Mas em 1982 ele foi convidado a voltar as aventuras dos legionários e prontamente aceitou a proposta, com um uma ideia fixa em mente: tornar o titulo mais amigável e acessível para novos leitores.

Capa de The Legion of Super-Heroes #287, que marca o início da parceria de Levitz e Giffen.

Levitz retornou a Legião em The Legion of Super-Heroes #284 e inicialmente contou com a arte de Pat Broderick, até que na ducentésima octogésima sétima edição da revista um certo desenhista cujo estilo artístico evocava influências de Jim Starlin e George Pérez e que era chamado de Keith Giffen assumiu o lápis da revista.

Giffen entrou na indústria de quadrinhos em 1976 fazendo vários trabalhos para a Marvel e DC, inclusive ajudando a criar o hoje famosíssimo guaxinim Rocket Raccoon, mas por razões desconhecidas ele abandonou a sua incipiente carreira e se tornou… vendedor de aspiradores de pó! Em 1980 Giffen ganhou uma nova chance graças a Joe Orlando, e após um tempo fazendo fill-ins e histórias de fundo pintou para ele a chance de assumir a arte do gibi da Legião. E ele agarrou essa chance com unhas, dentes e muita, muita imaginação e criatividade!

As Trevas Eternas

Como escritor Levitz sempre se considerou um sujeito “linear e literal”. Por outro lado Giffen era um “doido de pedra” que despejava simultaneamente dezenas de propostas aleatórias de histórias no colo de Levitz. As diferenças de estilo que poderiam gerar atritos reforçaram a parceria artística dos dois, tanto que em pouco tempo Giffen assumiu o posto de corroteirista do gibi da Legião. E quando Giffen escutou da boca de Levitz a ideia sobre uma épica história em cinco partes que envolveria todos os legionários e seus aliados, bem… ele mal pode conter a sua empolgação! E assim surgiu “A Saga das Trevas Eternas”!

Capa de The Legion of Super-Heroes #290, que marca o início de “A Saga das Trevas Eternas”.

Tudo começou em The Legion of Super-Heroes #287, quando os legionários Mon-El (nascido em Daxam, um planeta onde todos os nativos retém o potencial de apresentar habilidades similares as do Superman) e Penumbra encontraram um planeta desconhecido e inadvertidamente despertaram de um sono milenar um misterioso indivíduo chamado apenas de Mestre. A partir de The Legion of Super-Heroes #290 fazendo uso de um grupo de criaturas absurdamente poderosas chamado Servos das Trevas o Mestre passou a coletar artefatos místicos de grande poder espalhados pela galáxia. Ficava claro que uma grande ameaça pairava sobre o universo e sobre a Legião.

Capa de The Legion of Super-Heores #294, que trouxe a conclusão de “A Saga das Trevas Eternas”.

Após reunir todos os objetos desejados o Mestre deu a sua grande cartada: ele se dirigiu a Daxam, escravizou mentalmente toda a população local, a expôs a radiação de um sol amarelo e ganhou um exército de três bilhões de seres com poderes idênticos aos do Homem de Aço. E com tanto poder a sua disposição o Mestre finalmente relevou a sua verdadeira identidade: na verdade ele era Darkseid, o Senhor de Apokolips, um dos mais perigosos tiranos estelares do Século XX, inimigo jurado dos Novos Deuses de Nova Gênese e uma das maiores criações de Jack Kirby!

Cena interna de The Legion of Super-Heroes #294, onde Superboy e Supergirl enfrentam Darkseid no clímax da “Saga das Trevas Eternas”.

A Saga das Trevas Eternas” foi concluída em The Legion of Super-Heroes #294, com os legionários debelando os planos do Senhor de Apokolips e até hoje este arco de histórias é comentado entre os fãs. Muitos elogiam o tom épico que Levitz e Giffen imprimiram na aventura e outros acreditam que “A Saga…” definiu de forma inquestionável Darkseid como o maior vilão do Universo DC. E praticamente todo mundo credita a “A Saga…” como a melhor aventura da Legião dos Super-Heróis de todos os tempos! Porém, Giffen e Levitz não deitaram sobre os louros da glória…

Uma Legião de Vilões

A nossa “dupla dinâmica” continuou a produzir aventuras consistentes e de alta qualidade para a Legião, investindo fortemente nos aspectos mais humanos dos jovens heróis, o que não é nada fácil, se levarmos em consideração que a equipe futurista tinha mais de vinte e cinco membros! E aí o “óbvio ululante” aconteceu: The Legion of the Super-Heroes se tornou um dos títulos de maior vendagem da DC Comics daquele período, perdendo apenas para The New Teen Titans (Os Novos Titãs). E este sucesso teve consequências importantes.

Capa de Legion of Super-Heroes #1, revista lançada espcialmente para o Mercado Direto e que marca o inicio da Saga “An Eye for An Eye”. Uma curiosidade: no Brasil esta imagem foi utilizada como capa de Super Powers #1 (da Editora Abril), que apresentou para o nosso público o final de “A Saga das Trevas Eternas”.

Na primeira metade dos anos oitenta o chamado Mercado Direto se consolidava e a venda de revistas em quadrinhos migrava das bancas de jornal para as comic shops. Com o propósito de aproveitar o momento a DC Comics decidiu lançar um novo titulo da Legião com papel e impressão especial e que seria destinado especificamente para as lojas de quadrinhos. E assim no segundo semestre de 1984 chegou nas mãos dos fãs Legion of Super-Heroes #1 e… Levitz e Giffen deram início a uma nova e instigante saga, metendo o pé na porta!

Hoje conhecida como “An Eye for an Eye” (Olho por Olho), ela começou com o ex-legionário Nemesis Kid e Lorde Relâmpago (irmão de Relâmpago, membro fundador da Legião) recrutando novos e antigos inimigos da jovem equipe do Século XXX com um propósito funesto: recriar a Legião dos Supervilões, uma “contraparte maligna” da Legião dos Super-Heróis.

Capa de Legion of Super-Heroes #2, que marcou o inicio de uma nova formação da Legião dos Supervilões.

Ocorreram inúmeras batalhas entre os heróis e vilões e o confronto final entre as duas equipes ocorreu em Orando, um planeta que a Princesa Projecta (uma legionária dotada de poderes místico-psiônicos) comandava ao lado do seu consorte, o também legionário Karate Kid. No transcorrer do conflito Nemesis Kid matou Karate Karate Kid, e posteriormente valendo-se das suas prerrogativas de governante a Princesa Projecta vingou a morte do seu amado, executando Nemesis Kid. Ah, é claro: no final de tudo os vilões foram derrotados, obviamente.

Capa de Legion of Super-Heroes #5, onde a Princesa Projecta lidera os legionários na batalha final contra a Legião dos Supervilões.

Dividida em seis edições, “An Eye for An Eye” contou também com arte de Steve Lightle e Joe Orlando e gerou um certo “ruído” entre os fãs, já que Karate Kid era um personagem querido e até aquele momento excetuando Superboy e Supergirl era o único legionário que teve o o privilégio de protagonizar um título próprio, que foi publicado nos anos setenta. Quando perguntado sobre este assunto Giffen usualmente “brinca” e fala que a morte de Karate Kid foi uma sugestão sua, porque ele sempre odiou o jovem artista marcial da Legião! Ah, antes que os desavisados perguntem: sim, Karate Kid foi uma das “inspirações” para aquele filme oitentista estrelado por Ralph Macchio! Mas que realmente importa é que “An Eye for An Eye” marcou o fim da parceria entre Levitz e Giffen… pelo menos por ora.

Magia contra Ciência

Em 1985 a maxissérie Crise nas Infinitas Terras redefiniu toda a continuidade da DC Comics e Legião dos Super-Heróis foi uma das equipes mais afetadas, já que a sua origem estava intimamente vinculada ao Superboy, que foi sumariamente descartado no reboot do Superman empreendido por John Byrne. Ao lado dos desenhistas Steve Lightle e Greg LaRocque o sempre esperto Levitz deu um “jeitinho” na cronologia Pós-Crise da Legião ao definir que o Superboy que inspirou os jovens heróis do Século XXX era originário de um “universo compacto” criado pelo Senhor do Tempo, o maior e mais perigoso inimigo da equipe. Tudo muito fino, elegante e sincero, mas a grande verdade era a seguinte: os leitores morriam de saudade de Keith Giffen! E em 1988 ele voltou, né?

Capa de Legion of Super-Heroes #50, onde a Legião parte para o confronto final contra o Senhor do Tempo e que também marca a volta de Giffen ao título.

Com Giffen de volta ao barco em Legion of Super-Heroes #50 os legionários partiram para o confronto definitivo contra o Senhor do Tempo, derrotando-o de forma inapelável. E a partir de Legion of Super-Heroes #60 Levitz e Giffen iniciaram uma nova saga dividida em quatro partes e batizada com o proverbial nome de “As Guerras Místicas” (The Magic Wars).

Capa de Legion of Super-Heroes #63, que trouxe o final de “As Guerras Místicas”. Após esta edição a revista foi cancelada e a parceira de Levitz e Giffen foi encerrada.

Tudo começou quando uma criatura ancestral e toda poderosa chamada Arquimago se libertou da sua prisão nas profundezas de Zerox, um planeta totalmente dedicado a Magia. Repentinamente todas as leis científicas que sempre regeram o universo entraram em desordem e a misticismo se tornou a força dominante em todo o cosmo conhecido. De forma desesperada a Legião partiu para embate contra o Arquimago e o derrotou, mas nem mesmo esta vitória pode restaurar imediatamente o universo ao seu estado anterior.

Última cena de Legion of Super-Heroes #63. A revista da Legião seria cancelada, mas ela sempre estaria por aí. E de fato as coisas nunca terminam.

Mas o que importa é a Legião dos Super-Heróis estaria lá para defender a paz e a justiça em todo o Cosmo.

E o que também importa é que após o término de “As Guerras Místicas” a revista Legion of Super-Heroes foi cancelada.

E assim findou-se a clássica parceria de Paul Levitz e Keith Giffen.

E no fim de tudo

Naturalmente com o passar dos anos a Legião dos Super-Heróis ganhou novos títulos mensais e foi reformulada, “rebootada” e relançada tantas e tantas vezes que seriam necessários vários livros para esmiuçarmos cada uma das suas versões. Ainda que separados Levitz e Giffen voltaram a trabalhar com a jovem equipe do Século XXX e criaram aventuras no mínimo interessantes para ela, mas sejamos francos: o trabalho conjunto deles elevou molecada futurista para um “outo patamá” (como diria um certo jogador do Flamengo!) e conquistou toda uma geração de leitores mundo afora. Inclusive este humilde escriba que vos fala!

Ah, e para o interessados de plantão: boa parte das histórias produzidas por Levitz e Giffen foi publicada em nossa amada terrinha pela Editora Abril entre 1986 e 1992 nas revistas Super-Homem, Super Powers e DC 2000. Em 2019 a Eaglemoss republicou “A Saga das Trevas Eternas” na edição #86 da sua série de encadernados “DC Comics — Coleção de Graphic Novels” e infelizmente “An Eye for An Eye” permanece inédita por nossas bandas. E, para finalizarmos tudo de vez falamos aqui:

E TENHO DITO!

Para saber mais:

13Th Dimension — Legion By Levitz and Giffen

Comic Book Resources — A Saga das Trevas Eternas

DC Fandom — An Eye for An Eye

DC Fandom — As Guerras Místicas

Guia dos Quadrinhos — Lista de Aparições da Legião dos Super-Heróis no Brasil

Grand Comic Database — The Legion of Super-Heroes

Grand Comic Database — Legion of Super-Heroes

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Claudio Basilio
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Apenas um rapaz latino-americano que gosta de falar de Quadrinhos e Cultura Pop. E de outros assuntos também!