A SAGA DO CAPITÃO MARVEL!

Claudio Basilio
sobrequadrinhos
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29 min readOct 22, 2023

Existem histórias simples e histórias complexas. A que vamos contar aqui se enquadra na segunda categoria, já que ela envolve um suposto plágio, processos judiciais, inspirações “espertas” originárias de conceitos preexistentes, conflitos com escopo cósmico, o advento de um dos maiores vilões da Marvel e um quadrinista obcecado com temas psicológicos.

Sim, meus amigos e minhas amigas: aqui e agora falaremos bastante do Capitão Marvel — ou Mar-Vell, se vocês preferirem — um super-herói que hoje talvez não seja tão conhecido ou admirado pelo grande público, mas cuja breve existência nas páginas coloridas dos gibis gerou um legado que até hoje impacta de forma profunda a mitologia da Casa das Ideias. Vamos nessa, então!

Similaridades Visuais e Temáticas

O mundo em que vivemos mudou para sempre quando em 1938 as bancas de jornal estadunidenses receberam Action Comics #1, gibi da DC Comics que trouxe a estreia do Superman. A primeira aparição do Homem de Aço e o seu subsequente sucesso deram início a Era de Ouro do Quadrinho Americano e na prática lançou formalmente o gênero “super-herói”, dado que na sua esteira as páginas das revistas em quadrinhos foram fortemente populadas por aventureiros mascarados dotados de habilidades sobre-humanas.

Capa de Whiz Comics #22 (1941), que traz o Capitão Marvel ao lado de Billy Batson, o seu jovem alter ego. Arte de C. C. Beck.

A DC Comics sempre tinha um olho nos gráficos de vendas das suas revistas e outro nos lançamentos das editoras concorrentes, e entre o final de 1939 e o começo de 1940 a editora do Superman tomou um susto quando a Fawcett Publications botou na praça Whiz Comics #2, que trouxe a estreia de um certo super-herói criado por Bill Parker e C. C. Beck que foi batizado com o impactante nome de… Capitão Marvel!

O Capitão Marvel era Billy Batson, uma criança que ao proferir a palavra “Shazam” se transformava num adulto superpoderoso dotado de habilidades sobre-humanas herdadas de várias entidades mitológicas. Havia pequenas similaridades visuais e temáticas entre o Capitão Marvel e o Superman, e como o herói da Fawcett Publications estava seriamente ameaçando o “reinado” do Homem de Aço na preferência da garotada a DC Comics tomou a única atitude possível: abriu um processo judicial contra a editora concorrente alegando plágio, ora pois!

A Família Marvel (Capitão Marvel, Capitão Marvel Jr., Mary Marvel e o Tio Marvel) se reúnem diante do Mago Shazam na capa de Marvel Family #1 (1945). Arte de C. C. Beck.

A pendenga da DC Comics com a Fawcett Publications se arrastou pela década de quarenta, e em 1951 a editora do Capitão Marvel ganhou a causa. A DC Comics recorreu a instâncias judiciais superiores, mas um fato curioso ocorreu: no início dos anos cinquenta a Fawcett Publications estava completamente mal das pernas, e simplesmente… decidiu fechar as portas em 1953, e fez um acordo com a DC Comics para encerrar todas as brigas jurídicas.

Marvelman — a versão britânica do Capitão Marvel — espanca um criminoso na capa de Marvelman #28 (1954). Arte de Mick Anglo.

O principal personagem da Fawcett Publications marcou uma época e conquistou os corações de milhões de fãs mundo afora, além de dar origem a todo um universo de personagens que incluía Mary Marvel, Capitão Marvel Jr. e outros. Ah, ele também foi estrela de uma renomada série cinematográfica lançada em 1941 e protagonizada por Frank Coghlan Jr. (Billy Batson) e Tom Tyler (a versão adulta do herói), e nem mesmo o encerramento das atividades da Fawcett Publications impediu que “novas histórias” do Capitão Marvel surgissem: no Brasil artistas locais produziram aventuras piratas do herói (cliquem aqui para saberem sobre a mais “bizarra” dessas obras tupiniquins) e na Inglaterra a editora L. Miller and Son incumbiu o quadrinista Mick Anglo de criar uma versão britânica do alter ego de Billy Batson, proverbialmente batizada de Marvelman, e que posteriormente teve o nome modificado para Miracleman quando foi lançado nos EUA. Todavia, nos anos sessenta surgiriam novidades interessantes envolvendo vacância da alcunha “Capitão Marvel”.

Memória Afetiva

O editor, roteirista e pesquisador de quadrinhos Roy Thomas gosta de contar uma anedota sobre o início da sua carreira em meados dos anos sessenta: toda vez que ele falava para alguém de fora do mercado de quadrinhos que trabalhava na Marvel invariavelmente escutava a mesma resposta: “Sério? Poxa vida, eu adorava ler os gibis do Capitão Marvel quando era criança”!

Apesar do nome em comum a Marvel nunca publicou histórias do Capitão Marvel, mas a piada dita por Roy Thomas reforçava uma obviedade: a lembrança do herói da Fawcett Publications persistia entre o grande público. De forma “capciosa” alguém tentaria tirar proveito dessa memória afetiva.

Capa de Captain Marvel #2 (1966), onde o personagem da M. F. Enterprises demonstra seus poderes. Arte de Carl Burgos.

Em 1966 Myron Fass — proprietário da pequena editora M. F. Enterprises e “especialista” na pirataria de antigos personagens de quadrinhos dos anos quarenta — incumbiu o quadrinista Carl Burgos (famoso pela criação do Tocha Humana Original) de criar um Capitão Marvel novinho em folha e sem relação com sua versão original. O resultado foi um androide alienígena capaz de dividir seu corpo em diversas partes, e que tinha um simpático companheiro juvenil que por “coincidência’ se chamava Billy Baxton. A despeito do reconhecido talento de Burgos as aventuras do seu Capitão Marvel deixavam a desejar, e o gibi do esquisito herói da M. F. Enterprises teve apenas seis edições. Por outro lado… o dono de outra editora acompanhou a malsucedida iniciativa de Myron Fass e Carl Burgos, e descaradamente tirou proveito dela!

Martin Goodman atuava como empresário no mercado editorial de quadrinhos desde os anos trinta, e decidiu que caberia a sua editora o uso do nome “Capitão Marvel”, já que ela era conhecida por todos como… Marvel, né? Sem muitas frescuras em 1967 Goodman emitiu uma ordem para que o editor e roteirista Stan Lee criasse para a Casa das Ideias um herói inédito que fizesse uso da alcunha do antigo personagem da Fawcett Publications. Lee não ficou muito contente com o “pedido” do seu patrão, mas sem outra opção ele chamou o desenhista Gene Colan e ambos meteram a mão na massa, usando como ponto de partida uma história recém-criada pelo escritor.

Capa de Fantastic Four #65 (1967), onde o Quarteto Fantástico se encontram com os Kree, representados na figura de Ronan, o Acusador. Algum tempo depois Ronan se tornaria um dos principais adversários do Capitão Marvel. Arte de Jack Kirby e Joe Sinnott.

Em 1967 nas edições #64 e #65 de Fantastic Four (Quarteto Fantástico) Stan Lee e Jack Kirby apresentaram aos leitores os Kree, uma beligerante raça alienígena que comandava um vasto império intergaláctico e que tinha planos de colocar a Terra na lista das suas vindouras conquistas. A partir daí Lee imaginou o conceito de uma tropa kree que foi enviada para o nosso planetinha com o propósito de investigar secretamente as nossas defesas. No meio desse agrupamento alienígena estava o Capitão Mar-Vell, um destemido militar de cabelos brancos a quem caberia se infiltrar na população terrestre. Entretanto, a missão de Mar-Vell não seria executada de forma fácil: o Coronel Yon-Rogg — o seu superior hierárquico — conspiraria de forma constante contra a sua vida, já que ele cobiçava a oficial médica Una, o grande amor da vida do capitão kree. Ah, é claro: de tempos em tempos Mar-Vell — que era dotado de força sobre-humana e que voava e disparava raios de energia graças a apetrechos embutidos na sua roupa — foi obrigado a realizar atos heroicos, que levaram o povo da Terra a chamá-lo equivocadamente de “Capitão Marvel”.

Capa de Marvel Super-Heroes #12 (1967), que trouxe a estreia do Capitão Marvel da Casa das Ideias. Arte de Gene Colan e Frank Giacoia.

No fim de 1967 o Capitão Marvel de Stan Lee e Gene Colan estreou no gibi Marvel Super-Heroes #12, e o desenhista criou para o novo herói da Casa das Ideias um uniforme elegante, que mesclava elementos militares e super-heroicos e que contou com importantes sugestões de Roy Thomas: o então jovem escritor e editor definiu a cores verdes e brancas para o traje do guerreiro kree e sugeriu que o seu peito ostentasse um simbolo similar ao planeta Saturno. E já que falamos de Thomas… Lee não estava com muita paciência para desenvolver o novo personagem, e sem delongas repassou os roteiros do herói alienígena para o seu pupilo.

Acordo Extrajudicial

Roy Thomas assumiu os scripts do Capitão Marvel em Marvel Super-Heroes #13, e de cara lhe conferiu a identidade secreta de Walter Lawson, um cientista aeroespacial. Com esse disfarce Mar-Vell se infiltrou numa base da Força Aérea americana e conheceu Carol Danvers, a chefe de segurança do local que nos anos seguintes assumiria uma posição de relevo dentro da mitologia da Casa das Ideias. Não demorou muito para o guerreiro kree ganhar uma revista própria — chamada obviamente de Captain Marvel –, porém em meio a tudo isso um certo proprietário de uma pequena editora entrou em ação.

Cena de Marvel Super-Heroes #13 (1967), onde um disfarçado Capitão Marvel se encontra pela primeira vez com Carol Danvers, personagem que ganharia muito destaque na Mitologia da Marvel. Arte de Gene Colan e Paul Reinman.

Myron Fass não gostou nem um pouco de ver a Marvel utilizando o nome “Capitão Marvel”, e abriu um processo contra a editora de Martin Goodman pelo suposto uso indevido de uma marca registrada. Ao contrário da longa querela da DC Comics com a Fawcett Publications a “treta” entre Fass e Goodman foi resolvida rapidamente através de um acordo extrajudicial (que provavelmente envolveu uma compensação financeira para o dono da M. F. Enterprises), mas esse litígio chamou a atenção da grande imprensa — que naquela época não dava a mínima para histórias em quadrinhos –, tanto que o caso foi relatado em um artigo de destaque publicado no renomado jornal Wall Street Journal em 11 de novembro de 1967.

Trechos de um artigo publicado no Wall Street Journal sobre a disputa jurídica em torno do nome “Capitão Marvel”.

O Capitão Marvel da Marvel foi levando a vidinha na sua revista, que foi abandonada por Roy Thomas após a quarta edição. Bons quadrinistas como Arnold Drake (criador dos Guardiões da Galáxia e da Patrulha do Destino), Gary Friedrich, Archie Goodwin, Don Heck, Dick Ayers, Tom Sutton e outros fizeram o possível e o impossível para tornara as aventuras do guerreiro kree atrativas, explorando tanto o carinho do alienígena pelo povo da Terra quanto o “quase-triângulo-amoroso” que envolvia Mar-Vell, Carol Danvers e Una. A propósito: em Captain Marvel #11 a médica faleceu num confronto entre os Kree e os Aaakon, uma raça extraterrestre que sempre odiou o povo do Capitão Marvel.

Capa de Captain Marvel #1 (1968), revista dedicada exclusivamente ao herói kree. Arte de Gene Colan e Vince Colletta.

A despeito dos esforços de vários criadores as vendas de Captain Marvel eram péssimas, e repentinamente ideias para salvar a revista pulularam na cabeça de Roy Thomas. Ideias que envolviam a reciclagem de velhos conceitos que outrora foram aplicados no Capitão Marvel da Fawcett Publications!

Um Menino Que Se Transformava Num Adulto

Repentinamente Roy Thomas se lembrou da premissa que norteava o Capitão Marvel da Fawcett Publications, premissa essa onde um menino se transformava magicamente num adulto superpoderoso. Ora, não seria interessante aplicar essa ideia com um viés sci-fi a Mar-Vell, e de lambuja reformular completamente o herói kree? Com certeza seria, e Thomas seguiu em frente!

Capa de Atoman #1 (1946), personagem obscuro da editora Spark que serviu de inspiração para a reformulação visual do Capitão Marvel. Arte de Jerry Robinson, um dos principais desenhistas do Batman na década de quarenta.

Usando como inspiração o uniforme de Atoman — um esquecido super-herói dos anos quarenta — Roy Thomas rascunhou uma nova roupa de Mar-Vell. Graças a uma espetacular coincidência Gil Kane — um desenhista adorado pelos fãs e que cocriou o Lanterna Verde (Hal Jordan) e o Átomo (Ray Palmer) para a DC Comics — estava procurando trabalho na Marvel naquela época, e ao tomar conhecimento dos planos de Thomas ele aderiu de forma entusiasmada ao projeto, refinando o rascunho de uniforme feito pelo escritor.

Fechadas a reformulação e a nova aparência do Capitão Marvel, Roy Thomas entrou em contato com Archie Goodwin, que naquele período escrevia as aventuras do personagem. De forma delicada Thomas avisou Goodwin que reassumiria os roteiros de Captain Marvel, e pediu para o seu colega preparar o terreno para as mudanças que seriam aplicadas ao herói. E assim em Captain Marvel #16 o herói alienígena foi capturado pela Inteligência Suprema, um gigantesco computador orgânico que governava o Império Kree. Devido ao seu crescente amor pela população terrestre Mar-Vell foi taxado como traidor pelo mandatário kree e foi despido dos seus trajes militares. Em “troca” Mar-Vell ganhou uma nova roupa vermelha e azul e os Braceletes Negativos, artefatos milenares que permitiram que o corpo do herói processasse energia solar e sobrevivesse aos rigores do espaço sideral, além de lhe conferir poder de voo e a capacidade de emitir raios energéticos. Tudo isso seria muito bom, mas no final das contas a Inteligência Suprema condenou o Capitão Marvel ao exílio eterno na Zona Negativa, uma dimensão constituída de antimatéria. E aí entrou em cena… Rick Jones!

Capa de Captain Marvel #17 (1969), que trouxe a estreia da reformulação do Capitão Marvel empreendida por Roy Thomas e Gil Kane. Arte de Gil Kane e Dan Adkins.

O jovem Rick Jones deu o ar da sua graça pela primeira vez em The Incredible Hulk #1 (1962), onde ele foi indiretamente responsável pelo evento que transformou o cientista Bruce Banner no monstruoso Hulk. Tomado pelo remorso, Jones passou a acompanhar o Gigante Esmeralda e posteriormente foi uma peça-chave na fundação dos Vingadores. Algum tempo depois desses eventos Jones vestiu as roupas de Bucky e se tornou o parceiro do Capitão América, em aclamadas aventuras produzidas por Stan Lee e Jim Steranko entre 1968 e 1969 nos números #110 a #113 do gibi Captain America.

Cena de Captain Marvel #17 (1969), onde Rick Jones reúne os Braceletes Negativos e pela primeira vez troca de lugar com o Capitão Marvel. Arte de Gil Kane e Dan Adkins.

Roy Thomas e Gil Kane assumiram Captain Marvel a partir do número #17, e mostraram que após o fim da parceria com o Capitão América o adorável Rick Jones ficou ao léu, apesar de ter em vista uma carreira interessante como cantor de folk, um gênero musical que fazia sucesso nas década de sessenta e setenta. Todavia, da Zona Negativa o aprisionado Mar-Vell induziu Jones a se dirigir para uma base kree abandonada, e ao chegar lá o jovem encontrou réplicas dos Braceletes Negativos. Jones vestiu as peças, e ao encostar uma na outra um milagre aconteceu: Mar-Vell ressurgiu na Terra, e Jones o substituiu na Zona Negativa. O processo poderia ser desfeito a qualquer momento caso o herói kree reunisse suas cópias dos braceletes, mas nesse ínterim ele precisava lidar com alguns assuntos inacabados.

Cena de Captain Marvel #18 (1969), onde o herói kree resgata Carol Danvers das garras do Coronel Yon-Rogg. Arte de John Buscema e Dan Adkins.

Carol Danvers foi sequestrada pelo Coronel Yon-Rogg em Captain Marvel #18, e no confronto que se seguiu o grande nêmese de Mar-Vell encontrou o seu amargo fim. Danvers quase faleceu ao ser exposta as radiações emitidas pelo Psico-Magnitron — um maquinário kree que Yon-Rogg pretendia usar para conquistar nosso planeta — , e no fim uma situação ficou definida: Rick Jones e o Capitão Marvel estavam indiscutivelmente ligados graças aos Braceletes Negativos — tanto que eles inclusive compartilhavam um elo telepático transdimensional — e o jovem cantor convocaria da Zona Negativa o herói sempre que surgisse alguma situação de perigo.

Evitando Brigas Jurídicas

No período que vai da década de trinta a setenta as editoras de quadrinhos estadunidenses tinham enormes dificuldades em medir as vendas das suas revistas, o que muitas vezes dava um caráter quase “esotérico” para a decisão de cancelar ou não um título. A despeito da interessante reformulação empreendida por Roy Thomas e Gil Kane o gibi Captain Marvel foi vítima direta dessa característica do mercado americano de HQs, e teve sua publicação suspensa no final de 1969 após o lançamento da edição #19. Com uma boa dose de empenho pessoal Thomas trouxe Captain Marvel de volta na primeira metade de 1970, em duas edições onde Mar-Vell bateu de frente com o Hulk, mas não teve jeito: a revista foi novamente “para o vinagre”, o que não significou necessariamente um abandono completo do guerreiro kree.

Capa de Captain Marvel #21 (1970), onde o Capitão Marvel bate de frente com o Hulk. Arte de Gil Kane e Dan Adkins.

Entre 1971 e 1972 The Avengers (Vingadores) foi o palco da “Guerra Kree-Skrull”, uma longa saga que se estendeu dos números #89 a #97 da revista. Nela Roy Thomas (com o auxílio luxuoso dos desenhistas Neal Adams e dos irmãos John e Sal Buscema) decidiu expandir uma ideia que ele já havia testado em Captain Marvel, ou seja, a milenar rivalidade entre os Kree e os Skrulls (outra raça alienígena expansionista do Universo Marvel) atingiu um limite crítico, e a Terra, os Vingadores e o Capitão Marvel ficaram no meio desse conflito. Rick Jones teve um papel fundamental nessa saga, já que a Inteligência Suprema destravou — ainda que temporariamente — seu potencial psíquico latente para que ele enfrentasse um pelotão kree renegado, e quanto ao Capitão Marvel… bem, ele se afeiçoou a princesa skrull Anelle, fato que geraria repercussões muitos anos depois na mitologia da Marvel. Enquanto isso movimentações peculiares ocorriam na principal concorrente da Casa das Ideias.

Um aprisionado Capitão Marvel estrela a capa de Avengers #89 (1971), revista que trouxe o primeiro capitulo da saga “A Guerra Kree-Skrull”. Arte de Sal Buscema.

No início dos anos setenta Jack Kirby abandonou a Marvel e arrumou emprego na DC Comics, onde criou várias revistas em quadrinhos, entre elas New Gods (Novos Deuses), que mostrava a rivalidade entre duas facções de divindades emergentes que usavam a Terra como campo de batalha. E então como quem não quer nada Kirby deu uma sugestão para o corpo editorial da DC Comics.

Jack Kirby sempre teve um certo xodó pelo Capitão Marvel da Fawcett Publications, tanto que chegou a desenhar uma aventura do personagem no início da sua carreira. Numa reunião de trabalho com os editores da DC Comics o chamado Rei dos Quadrinhos falou que talvez fosse uma boa ideia a editora adquirir a licença do velho rival do Superman. Com a sugestão de Kirby em mãos os executivos da editora procuraram os mantenedores do espólio da Fawcett Publications para obter a autorização de publicação, e para surpresa de muita gente acabaram adquirindo por uma bagatela os direitos definitivos sob o super-herói dos anos quarenta. Entretanto, um probleminha surgiu…

Capa de Shazam! #1 (1972), que marcou a estreia do Capitão Marvel da Fawcett Publications na DC Comics. Nas edições seguintes o personagem era chamado de “Capitão Marvel” apenas nas páginas internas da série. Arte de C. C. Beck e Murphy Anderson.

Ora, desde 1968 a Marvel estava publicando com certa regularidade e com o devido registro nos departamentos de copyright o gibi Captain Marvel. Diante desse cenário a DC Comics em 1972 lançou a revista do seu recém-adquirido Capitão Marvel, mas para evitar brigas jurídicas com a Marvel a batizou de Shazam!, palavra plenamente identificada com o personagem, que apenas nas páginas internas ainda era designado como Capitão Marvel. Nesse meio-tempo uma pequena revolução artística estava prestes a começar na Casa das Ideias…

Um Conquistador Estelar

Em 1972 Roy Thomas substituiu Stan Lee como editor-chefe da Marvel, e trouxe de volta Captain Marvel, que foi inicialmente produzida por Gerry Conway, Marv Wolfman e Wayne Boring, quadrinista que desenhou incontáveis aventuras do Superman entre os anos quarenta e sessenta. As histórias de Conway, Wolfman e Boring eram divertidas, mas a revista do guerreiro kree estava novamente ameaçada de cancelamento, até o momento em que um iniciante agarrou uma oportunidade com unhas e dentes.

Capa de Captain Marvel #24 (1972), onde Mar-Vell enfrenta o androide Dr. Minde. O nome do vilão é uma sutil homenagem ao Mr. Mind (Senhor Cérebro), um dos principais vilões do Capitão Marvel da Fawcett Publications. Arte de Gil Kane e Frank Giacoia.

Jim Starlin nasceu em Detroit, onde foi criado com uma dieta rica de gibis feitos por Jack Kirby e Steve Ditko. Após servir na Marinha ele conseguiu emprego na Marvel, arte-finalizando uma HQ aqui e colorindo outra revista acolá, até o momento em que ele foi convidado a produzir temporariamente algumas edições de The Invincible Iron Man (Homem De Ferro).

Página de abertura de The Invincible Iron Man #55 (1972), que trouxe a primeira aparição de Drax, o Destruidor, personagem que anos mais tarde se tornaria um dos mais importantes membros dos Guardiões da Galáxia. Arte de Jim Starlin e Mike Esposito.

Desde os seus tempos na Marinha o intelectualizado Jim Starlin era fascinado por Eros e Tanatos, princípios elaborados por Sigmund Freud (o criador da Psicanálise) que versavam sobre os impulsos psicológicos que levam seres humanos a focar no equilíbrio e crescimento (Eros) ou então na busca pela autodestruição e morte (Tanatos). Starlin vislumbrou uma chance de fazer alguma coisa com esses conceitos ao assumir a produção temporária das aventuras do Homem de Ferro, e inspirado nos Novos Deuses de Jack Kirby — mais especificamente em Metron, um esguio personagem dotado de inteligência sobre-humana — ele delineou um conquistador estelar obcecado pela Morte. Roy Thomas analisou os rascunhos de Starlin, e após dar boas gargalhadas o editor-chefe da Marvel sugeriu ao quadrinista que se ele fosse plagiar os Novos Deuses era melhor usar como referência Darkseid, o corpulento e principal vilão da série de Kirby.

Cena de The Invincible Iron Man #55 (1972), que trouxe a primeirissíma aparição de Thanos. Arte de Jim Starlin e Mike Esposito.

The Invincible Iron Man #55 chegou nas bancas no final de 1972, e nela ao lado de Drax, O Destruidor (um guerreiro criado pela entidade cósmica Kronos) o Homem de Ferro enfrentou os Irmãos Sangue, uma dupla extraterrestre de assassinos. No final do conflito foi revelado que os matadores agiam sob o comando de Thanos, um poderoso e avantajado alienígena de pele roxa que tinha planos em relação a Terra. Planos esses que certamente não se encerrariam nas páginas de The Invincible Iron Man!

Tributo a Morte

Jim Starlin estava ansioso para trabalhar de forma regular uma revista em quadrinhos, e como Captain Marvel estava indo de mal a pior Roy Thomas a deu para o quadrinista novato, que com o auxílio inicial de Mike Friedrich na elaboração dos diálogos a assumiu a partir da edição #25. E assim uma das mais importantes sagas da história da Marvel teve início.

Os Vingadores estão prestes a serem derrotados por Thanos na capa de Captain Marvel #28 (1973). Arte de Jim Starlin e Pablo Marcos.

Lentamente Jim Starlin revelou nas páginas de Captain Marvel que Thanos estava operando secretamente na Terra com o objetivo de obter o Cubo Cósmico, um artefato que havia aparecido nas aventuras do Capitão América e que dava ao seu portador a capacidade de moldar a realidade ao seu bel prazer. A intenção final de Thanos era usar o Cubo Cósmico para se tornar uma divindade todo-poderosa e exterminar boa parte da vida senciente do cosmo em homenagem a Morte, a sua grande e doentia paixão. Os Vingadores e o Capitão Marvel se uniram para enfrentar Thanos, mas apenas a força bruta não seria o suficiente para enfrentar o vilão, e então surgiu uma antiquíssima entidade cósmica chamada Eon.

Cena de Captain Marvel #29 (1973), onde Eon concede a Mar-Vell a Consciência Cósmica. Arte de Jim Starlin e Al Milgrom.

Em Captain Marvel #29 Eon contatou Mar-Vell e lhe contou a origem de Thanos: o déspota nasceu em Titã, uma lua de Saturno que era governada por Mentor (o seu pai, que supostamente era descendente direto de divindades greco-romanas) e pelo seu irmão, o galante Eros (lembram-se dos conceitos freudianos de Eros e Tanatos?). Thanos cresceu apaixonado por filosofias niilistas e pela própria Morte — que aparecia para ele em visões — e ao se tornar adulto acumulou uma enorme quantidade de conhecimentos místicos e científicos e formou um exército, que sob o seu comando se apossou de Titã. O passo seguinte do vilão seria usar o Cubo Cósmico para extinguir bilhões de vidas em tributo a sua amada Morte, mas Mar-Vell só teria chance contra Thanos se deixasse de lado seus impulsos militares. E assim Eon concedeu ao herói kree a Consciência Cósmica, uma habilidade extrassensorial que aumentava a sua percepção sob todas as coisas que ocorriam no Cosmo, e lhe deu o titulo de Protetor do Universo. Curiosidade: ao ganhar a Consciência Cósmica o cabelo de Mar-Vell deixou de ser grisalho e passou a ser loiro.

Capa de Captain Marvel #33 (1974), com o confronto final do Capitão Marvel contra Thanos. Arte de Jim Starlin.

Imbuído com um novo poder e dotado agora de uma personalidade mais estratégica e menos belicosa o Capitão Marvel liderou os Vingadores contra Thanos, que foi derrotado pelos heróis em Captain Marvel #33 após o recém nomeado Protetor do Universo destruir o Cubo Cósmico. Passados cinquenta anos da sua publicação original o trabalho de Jim Starlin com o Capitão Marvel é considerado um dos pontos altos da Marvel na década de setenta, tanto pelos seus roteiros repletos de reflexões filosóficas sobre a guerra e a morte quanto pela sua arte, plena de diagramações ousadas e diferentes de tudo que era feito naquela época. Starlin encerrou seu período em Captain Marvel nas edição #34, onde Mar-Vell enfrentou Nitro — um agente da Legião Lunática, um grupo terrorista kree –, que havia roubado das Forças Armadas dos EUA um cilindro de Composto 13, uma potente arma química de destruição em massa. O herói conseguiu derrotar Nitro, mas no meio do conflito o cilindro vazou, e para evitar uma mortandade em escala planetária Mar-Vell arriscou a própria vida, selando-o com as sua mãos. Anos mais tarde a valentia do Protetor do Universo cobraria seu preço.

Capa de Captain Marvel #34 (1974), a última edição da revista do Capitão Marvel escrita e desenhada por Jim Starlin. Arte de Jim Starlin.

Jim Starlin seguiu com a sua carreira, e poucos anos após a sua passagem por Captain Marvel ele foi encarregado das aventuras de Adam Warlock, um melancólico herói cósmico. Nessas histórias ele trouxe Thanos de volta, desenvolveu o conceito das Joias do Infinito e elaborou uma intricada saga que foi finalizada em 1977 nos gibis The Avengers Annual #7 e Marvel Two-In-One Annual #2, com supostas mortes de Warlock e do vilão nascido em Titã. No Século XXI os conceitos criados por Starlin para o Capitão Marvel e Adam Warlock se tornaram pilares criativos na concepção dos filmes da Marvel Studios, como pode ser facilmente percebido em obras como “Vingadores: Guerra Infinita” e “Vingadores: Ultimato”, mas a carreira editorial do Protetor do Universo não foi nem um pouco fácil na década de setenta.

A Mais Nova Super-Heroína da Casa das Ideias

Após a saída de Jim Starlin de Captain Marvel quadrinistas como Steve Englehart, Scott Edelman, Doug Moench, Al Milgrom, Pat Broderick e outros criaram aventuras ora divertidas, ora medíocres para o Protetor do Universo, mas no final de 1976 a mitologia do Capitão Marvel ganhou um importante acréscimo.

A Marvel tinha a intenção de aumentar a diversidade na sua linha de títulos, e para atingir esse propósito o roteirista Gerry Conway pegou Carol Danvers (que durante anos foi uma personagem secundária das histórias do Capitão Marvel) e a transformou na mais nova super-heroína da Casa das Ideias: a maravilhosa Ms. Marvel!

Capa de Ms. Marvel #1 (1976), revista que trouxe a estreia de Carol Danvers como super-heroina. Arte de John Romita Sr.

A criação de Ms. Marvel devia muito a jornalista Gloria Steinem, uma das mais importantes ativistas políticas estadunidenses em prol do Feminismo de todos os tempos: assim como Steinem a ex-militar Carol Danvers agora era editora de uma revista feminina, que neste caso era de propriedade de J. J. Jameson, o irascível coadjuvante dos gibis do Homem-Aranha. Por acaso a revista editada por Steinem se chamava Ms. — então um neologismo da Língua Inglesa criado para designar mulheres na flor da idade que não poderiam ser classificadas como adolescentes e que não eram casadas –, e essa palavra foi utilizada na designação heroica da personagem.

Capa de Ms. Marvel #10 (1977), onde Carol Danvers enfrente o esquissítissimo vilão M.O.D.O.K., o seu principal adversário no início da sua carreira heróica. Arte de Sal Buscema e Tom Palmer.

A origem de Ms. Marvel remontava ao gibi Captain Marvel #19, quando Carol Danvers quase morreu ao ser exposta as radiações do Psico-Magnitron: na verdade o maquinário alienígena a transformou numa híbrida kree/humana dotada de superforça, poder de voo e habilidades precognitivas que a permitiam ter vislumbres do futuro. Curiosamente em suas primeiras aventuras Ms. Marvel sofria de Transtorno Dissociativo de Identidade, ou seja, Carol Danvers não retinha lembranças das suas atuações com super-heroína.

Ms. Marvel estreou na revista homônima no final de 1976 com o roteiro de Gerry Conway e arte de John Buscema, e o uniforme da personagem era um óbvio redesign do traje do Capitão Marvel. Conway concebeu a recriação de Carol Danvers como aventureira sobre-humana, porém ele não conseguia se conectar com a personagem, o que o levou a deixar a revista da Ms. Marvel sob os cuidados de Chris Claremont, um escritor que naquele época já tinha fama de ser um bom autor de personagens femininas.

Ms. Marvel troca de uniforme na capa de Ms. Marvel #20 (1978). Arte de Dave Cockrum e Bob Wiacek.

A revista da Ms. Marvel teve vinte três edições publicadas com periodicidade bimestral até 1979, e nesse tempo a personagem se tornou integrante dos Vingadores e ganhou um novo uniforme desenhado por Dave Cockrum. Enquanto isso novidades importantes ocorriam no gibi do Capitão Marvel.

Reencontrando o Amor

Durante um confronto com o Super-Adaptoide (um androide capaz de mimetizar as habilidades de qualquer superser) ocorrido Captain Marvel #50 finalmente o Capitão Marvel e Rick Jones foram libertados da Zona Negativa, e decidiram seguir caminhos separados. Mais tarde eles se aliaram novamente quando I.S.A.A.C. — o supercomputador senciente que geria Titã — se rebelou contra seus mestres, graças a dispositivos colocados na sua programação por Thanos e que seriam acionados no caso da sua morte. E aí ocorreu um fato no mínimo curioso…

Capa de Captain Marvel #62, última edição da série mensal de Mar-Vell e onde ele enfrentou Stellarax, um androide criado por I.S.A.A.C. Arte de Pat Broderick e Bruce Patterson.

Devido as baixas vendas Captain Marvel foi cancelada em 1979 após o lançamento da edição #62, com o conflito do Protetor do Universo contra I.S.A.A.C. inconcluso. A solução encontrada pela Casa das Ideias para não deixar os fãs na mão foi ressuscitar a finada revista Marvel Spotlight (dedicada originalmente ao lançamento de novos personagens ou de HQs experimentais), e por lá publicar as últimas histórias de Mar-Vell, onde ele finalmente reencontrou o amor ao se apaixonar por Elysius, uma habitante de Titã. Um detalhe interessante: as duas aventuras finais do Capitão Marvel foram desenhadas pelos lendários Steve Ditko (cocriador do Homem-Aranha e Doutor Estranho) e por Frank Miller, que nos anos oitenta atingiu fama mundial por obras como Ronin e Cavaleiro das Trevas, ambas publicadas pela DC Comics.

Capa de The Incredible Hulk #246 (1980), onde o Capitão Marvel se reencontrou com o Hulk. Arte de Rich Buckler e Jack Abel.

Após o término da sua revista própria e da sua passagem por Marvel Spotlight o Protetor do Universo teve uma participação especial nas edições #245 a #248 de The Incredible Hulk, e tudo indicava que o personagem se tornaria um coadjuvante de luxo nas revistas da Casa das Ideias. Entretanto, de forma gradual um plano fermentou na cachola do corpo editorial da Marvel e… por fim foi decidido que o Capitão Marvel morreria!

Triste, Intimista e Poética

Para entender a razão que levou a Marvel a tomar a decisão de matar o Capitão Marvel precisamos analisar um conjunto de fatores, que envolviam mudanças substanciais no mercado estadunidense de quadrinhos.

Na década de setenta quadrinistas e editores estadunidenses foram convidados a visitar convenções de quadrinhos na Europa, e ficaram encantados com as HQs europeias, que principalmente na França e Bélgica eram publicadas em requintadas edições que tinham papel e técnicas de impressão muito superiores as americanas. A “inveja” que os americanos tinham do quadrinho europeu aumentou quando em 1977 a editora HM Communications, Inc. lançou nos EUA a revista Heavy Metal, que trazia o melhor da produção do Velho Continente em formato muito similar ao original europeu.

Capa de Marvel Graphic Novel #1: The Death of Captain Marvel (1982), que trouxe a morte de Mar-Vell. Arte de Jim Starlin.

Os editores da Marvel e DC Comics sonhavam em produzir material com o padrão de qualidade europeu, e no início dos anos oitenta a consolidação do Mercado Direto — uma modalidade de distribuição de revistas em quadrinhos onde elas eram vendidas diretamente para comic shops, sem possibilidade de retorno em caso de encalhe — abriu uma janela de oportunidade para esse intento.

Em 1980 a Marvel lançou Epic Illustrated, uma revista muito similar a Heavy Metal que publicaria material mais adulto e sofisticado cujos copyrights pertenceriam aos seus autores. Na sequencia em 1982 a Casa das Ideias criou a Epic Comics, um selo editorial reservado para séries autorais. Jim Starlin ficou interessado em levar Dreadstar — saga de sua autoria protagonizada por Vanth Dreadstar, um guerreiro envolvido num conflito galáctico de grandes proporções — para a Epic Comics, e assim abriu negociações com a Marvel.

Cena de The Death of Captain Marvel (1982), onde o herói kree recebe o diagnóstico de câncer. Arte de Jim Starlin.

A Marvel tinha a intenção de criar uma linha de graphic novels no formato europeu estrelada pelos principais personagens da editora, e precisava de uma história impactante para inaugurá-la. Ora, os editores da Casa das Ideias sabiam que nada gera mais impacto junto aos fãs do que a morte de um personagem estabelecido (vide o que aconteceu com Gwen Stacy e a Fênix), e entendiam que o Capitão Marvel era um personagem descartável e “candidato” ao falecimento. Então, durante a negociação de Jim Starlin foi decidido que a Epic Comics publicaria a sua série autoral, mas em troca ele escreveria e desenharia a graphic novel que “mataria” Mar-Vell, já que ele era um dos quadrinistas mais identificados com o personagem.

O Capitão Marvel se recorda dos seus adversários, em cena extraída de The Death of Captain Marvel (1982). Arte de Jim Starlin.

Naquela época o pai de Jim Starlin padecia de câncer em estado terminal, e isso inspirou o artista a elaborar uma trama onde Mar-Vell não encontraria o seu fim numa batalha super-heroica, e sim enfrentando essa insidiosa doença. A maioria dos editores da Marvel detestou essa premissa, mas Jim Shooter — que comandava editorialmente a Casa das Ideias naquela período — ficou instigado com essa ideia, e deu carta branca para Starlin prosseguir com a produção da história.

Thanos vem escoltar o espírito de Mar-Vell para o Além-Túmulo, em cena de The Death of Captain Marvel (1982). Arte de Jim Starlin.

Marvel Graphic Novel: The Death of Captain Marvel (A Morte do Capitão Marvel) chegou nas comic shops no início de 1982, e nela os leitores souberam que Mar-Vell contraiu câncer durante o incidente mostrado em Captain Marvel #34, quando ele fechou com as próprias mãos um cilindro que continha uma potente e cancerígena arma química. Os Braceletes Negativos do Protetor do Universo retardaram o avanço da moléstia durante anos, mas finalmente ela começou a cobrar o seu preço. Praticamente todos os super-heróis da Marvel se reuniram para tentar encontrar uma cura para o seu colega, mas esbarravam sempre no mesmo problema: os Braceletes Negativos que protelaram a evolução do câncer do herói kree inviabilizavam qualquer tipo de tratamento, e se eles fossem retirados Mar-Vell morreria rapidamente. Nada poderia ser feito para salvar a vida do Protetor do Universo.

Contracapa de Marvel Graphic Novel #1: The Death of Captain Marvel, onde os heróis da Casa das Ideias se reúnem diante do túmulo de Mar-Vell. Arte de Jim Starlin.

The Death of Captain Marvel foi simultaneamente triste, intimista e poética, tanto por nos mostrar o afeto que norteava a relação de Rick Jones com Mar-Vell quanto pelas suas ponderações sobre o inevitável fim que espera todos nós, e na sua conclusão coube ao falecido Thanos conduzir o espírito do Capitão Marvel para o Além-Túmulo. Jim Starlin considera essa graphic novel um dos seus melhores trabalhos, e dada a sua qualidade e impacto nos anos subsequentes ao seu lançamento nenhum artista que trabalhou na Marvel ousou “ressuscitar” Mar-Vell, mas pelo menos eles perpetuaram a sua memória nos gibis da editora.

Legado

Em 1982 o escritor Roger Stern e os desenhistas John Romita Sr. e John Romita Jr. (respectivamente pai e filho, para aqueles que não perceberam) apresentaram em The Amazing Spider-Man Annual #16 uma nova Capitã Marvel, no caso Monica Rambeau, uma oficial da Guarda Costeira estadunidense que após um incidente com uma máquina que gerava energias transdimensionais ganhou a habilidade de converter o próprio corpo nas mais diferentes formas de energia. A personagem se tornou integrante dos Vingadores e durante os anos oitenta teve um certo destaque nos gibis da Marvel, e com o passar dos anos ganhou outras alcunhas heroicas, como Pulsar, Spectrum e Fóton.

Cena de The Amazing Spider-Man Annual #16 (1982) com a primeiríssima aparição de Monica Rambeau, que por muito tempo se tornou a herdeira do nome “Capitão Marvel”. Arte de John Romita Jr. e John Romita Sr.

O roteirista Ron Marz revelou aos leitores em Silver Surfer Annual #3 (1993) que Elysius colheu o material genético do Capitão Marvel após o seu falecimento, e fazendo uso dele se engravidou, dando posteriormente a luz a um menino batizado com o nome de Genis-Vell. O crescimento de Genis-Vell foi acelerado artificialmente, e posteriormente ele assumiu o nome heroico, legado e os Braceletes Negativos do seu pai numa série publicada em 1995 que durou seis edições. No ano de 1999 a minissérie Avengers Forever (Vingadores Eternamente) reuniu diversos integrantes da principal de diversos pontos do Tempo para combater o tirano temporal Kang, e no seu final Genis-Vell ficou atado a Rick Jones, numa relação simbiótica idêntica a que seu pai tinha com o jovem cantor. Isso foi a “deixa” para o lançamento de um novo título mensal, que através dos roteiros bem humorados de Peter David e da arte de ChrisCross mostrou que o relacionamento de Jones com Genis-Vell passava muito longe da camaradagem que permeava a convivência do antigo parceiro do Hulk com Mar-Vell. Com o tempo o personagem foi rebatizado com Fóton, e em 2022 o filho do Capitão Marvel ganhou mais uma série, que novamente contou com os escritos de Peter David. Mas o Destino — ou melhor, os quadrinistas da Casa das Ideias — entendeu que Genis-Vell precisava ter alguns irmãos!

Capa de Captain Marvel #1 (1999), série estrelada por Genis-Vell, o filho de Mar-Vell. Arte de ChrisCross.

O gibi Captain Marvel #16 (2004) trouxe um roteiro de Peter David que mostrou aos leitores Phyla-Vell, uma simpática mocinha que nasceu de forma idêntica a Genis-Vell. A filha do falecido Protetor do Universo transitou pela revista do seu irmão e por outros títulos da Marvel, onde ganhou alcunhas como Capitã Marvel, Mártir e Quasar (nome de outro herói cósmico da Marvel). Em 2005 o roteirista Allan Heinberg e o desenhista Jim Cheung foram encarregados de Young Avengers (Jovens Vingadores), um título que mostraria uma superequipe constituída por jovens heróis inspirados nos Vingadores. Entre seus membros havia Hulkling, um adolescente que guardava semelhanças físicas com o Hulk, mas cuja origem remontava a “Guerra Kree-Skrull”, já que na verdade ele era filho de Mar-Vell com a princesa skrull Anelle. O jovem Teddy Altman (nome terráqueo de Hulkling) se tornou um importante representante da comunidade LGBTQIA+ nos quadrinhos da Marvel, e no final da minissérie Empyre (Impéryo) ele foi nomeado o mandatário dos unificados impérios Kree e Skrull.

Capa de Captain Marvel #1 (2012), série onde Carol Danvers assumiu a alcunha heroica de Capitã Marvel. Capa de Ed McGuinness e Dexter Vines.

E quanto a Carol Danvers? Nos anos oitenta e noventa ela se tornou uma figurante na Marvel, quando foi rebatizada como Binária e Warbird e teve a natureza dos seus poderes alterada, passando a absorver e manipular energia. No Século XXI ela voltou a se chamar Ms. Marvel e a Casa das Ideias investiu fortemente na personagem concedendo-lhe muito destaque, até que em 2012 a super-heroína ganhou um título regular, que nesse caso era escrito pela renomada autora Kelly Sue DeConnick e que veio acompanhado de uma importante mudança: Carol Danvers passou a ser chamada de Capitã Marvel, e com essa denominação se tornou uma das mais importantes personagens da editora, tanto que em 2019 a heroína foi vivida por Brie Larson no filme “Capitã Marvel”, que trouxe uma versão feminina de Mar-Vell interpretada por Annette Bening. Ah, não podemos nos esquecer um fato importante: o nome “Ms. Marvel” passou a ser usado por Kamala Khan, uma adolescente de ascendência paquistanesa criada pela escritora G. Willow Wilson que além de ser fã número um de Carol Danvers também conseguia alterar o formato do seu corpo graças a um acidente ocorrido com a Nuvem Terrígena, uma fórmula química criada pela poderosa raça dos Inumanos.

E no Fim…

De tempos em tempos Mar-Vell é lembrado em alguma revista da Casa das Ideias. Em 1992 o espírito do herói kree auxiliou o Surfista Prateado numa jornada ao Mundo do Além mostrada Silver Surfer #63. Na saga “A Guerra do Caos” (2011) o espírito do Capitão Marvel novamente ressurgiu para ajudar seus colegas, e em 2008 o herói aparentemente ressuscitou na minissérie Secret Invasion: Captain Marvel (Invasão Secreta: Capitão Marvel), cujo protagonista na verdade era um skrull se passando pelo falecido Protetor do Universo. E, por fim em 2010 um maligno Capitão Marvel oriundo de uma realidade alternativa atormentou os heróis cósmicos da Marvel na série fechada The Thanos Imperative (O Imperativo Thanos).

Não há expectativa da Marvel ressuscitar de forma definitiva Mar-Vell num futuro próximo: Carol Danvers e Kamala Khan ganharam o coração dos fãs e hoje carregam com garbo e elegância o nome “Marvel”. Justamente por isso é curioso notar como um personagem que surgiu em 1968 com o claro propósito de faturar uns trocados em cima da fama de um famoso super-herói da década de quarenta gerou histórias e conceitos que transcenderam a mídia dos quadrinhos. E também justamente por isso o soldado kree que se tornou o Protetor do Universo precisa ser lembrado sempre!

Capa de Generations: Captain Marvel and Captain Mar-Vell (2017), revista que prestou homenagem ao legado do Capitão Marvel. Arte de David Nakayama.

Ah, antes de irmos embora precisamos passar informações fundamentais para aqueles que gostam de acumular papel colorido nas suas casas:

● Parte das primeiras histórias do Capitão Marvel (aquelas em que ele usava uma roupa verde e branca) foram publicadas entre as edições #11 a #21 do gibi Edições Gep, da Gráfica Editora Penteado, mais especificamente nos anos de 1969 e 1970;

● As aventuras produzidas por Roy Thomas e Gil Kane que ligaram Rick Jones ao Capitão Marvel e aquelas criadas por Gerry Conway, Marv Wolfman e Wayne Boring podem ser apreciadas no encadernado Os Heróis Mais Poderosos da Marvel #14, lançado pela Editora Salvat em 2015;

● No ano de 1980 entre as edições #11 e #16 do histórico gibi Heróis da TV a Editora Abril trouxe algumas das histórias do embate do Capitão Marvel com Thanos. Em 1992 a mesma Editora Abril lançou A Saga de Thanos, uma série de cinco formatinhos que reuniu todos os confrontos do déspota de Titã contra os heróis da Casa das Ideias lançados originalmente entre 1972 e 1977;

● Antes que nos esqueçamos: a Panini também publicou algumas das histórias que Jim Starlin criou para o Capitão Marvel na edição especial proverbialmente chamada A Saga de Thanos #2, lançada em 2020. Em 2017 todas as aventuras criadas por Starlin foram reunidas integralmente pela Editora Salvat nos encadernados A Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel — Clássicos #25 e #26;

● As primeiras histórias de Carol Danvers como Ms. Marvel foram lançadas na nossa terrinha entre 1979 e 1984 em várias revistas da Editora Abril, mais especificamente em Heróis da TV, Superaventuras Marvel e Capitão América. As três primeiras aventuras de Carol Danvers concebidas por Gerry Conway e John Buscema também podem ser encontradas em Os Heróis Mais Poderosos da Marvel #60, lançada pela Editora Salvat em 2017.

● Entre as edições #39 e #45 de Homem-Aranha (Editora Abril) os leitores brasileiros tomaram conhecimento do confronto do Capitão Marvel com I.S.A.A.C. As duas últimas histórias dessa pequena saga foram republicadas pela Salvat no já citado encadernado Os Heróis Mais Poderosos da Marvel #14.

● “A Morte do Capitão Marvel” foi publicada pela primeira vez no Brasil em 1988, na terceira edição da série Graphic Novel, da Editora Abril. Em 2017 a Panini e a Editora Salvat republicaram essa aventura, respectivamente na edição especial A Morte do Capitão Marvel e em A Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel — Clássicos #26.

E agora gostosamente falamos para todos e todas aqueles que tiveram a paciência de chegar até aqui:

E TENHO DITO!

Para saber mais:

Wikipedia: Captain Marvel

Sean Howe: Marvel Comics — A História Secreta

Les Daniels: Marvel — Five Fabulous Decades of the World’s Great Comics

DK Publishing: Marvel Year by Year, a Visual History

Twomorrows: Alter Ego #85

Twomorrows: Back Issue #48

Twomorrows: Back Issue #54

Twomorrows: Back Issue #93

The Complete Marvel Reading Order: Lista de aparições de Mar-Vell nos EUA

Guia dos Quadrinhos: Lista de aparições de Mar-Vell no Brasil

Geeks: todas as versões do Capitão Marvel

Den of Geek: Quem é Mar-Vell?

Screenrant: o Capitão Marvel de Carl Burgos

UniversoHQ: Entrevista com Jim Starlin

Comic Book Resources: a origem de Mar-Vell

Comic Book Resources: a origem de Thanos

Comic Book Resources: as versões do Capitão Marvel criadas pela Marvel

Comic Book Resources: A Morte do Capitão Marvel

Comic Book Resources: o início da carreira de Jim Starlin

Comic Book Resources: os filhos de Mar-Vell

Grand Comics Database: Captain Marvel (1968)

Grand Comics Database: Captain Marvel (1968 — Segunda Série)

Grand Comics Database: Ms. Marvel (1977)

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Claudio Basilio
sobrequadrinhos

Apenas um rapaz latino-americano que gosta de falar de Quadrinhos e Cultura Pop. E de outros assuntos também!