ARQUEIRO VERDE: O CAÇADOR

Claudio Basilio
sobrequadrinhos
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9 min readJun 6, 2021

O ano de 2021 será marcado por algumas efemérides no Mundo Encantando do Quadrinho Americano. Vários personagens importantes celebrarão oitenta anos de existência, e em cima deste gancho decidimos resgatar aqui a história — ou pelo menos parte dela — de um certo herói esmeralda que neste ano se tornou octogenário. Venham conosco e saibam mais sobre o período em que o Arqueiro Verde se tornou um… caçador!

Trajetória interessante

O Arqueiro Verde… taí um personagem com uma trajetória interessante!

Criado ao lado do seu parceiro juvenil Ricardito em 1941 por Mort Weisinger e George Papp, o simpático Oliver Queen sobreviveu ao cancelamento massivo de histórias de super-heróis que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial; teve a sua origem recontada por Jack Kirby em 1958 (onde foi definido que ele se tornou o bambambã do arco e flecha após comer o pão que o diabo amassou em uma ilha deserta); virou membro da Liga da Justiça e ganhou de Neal Adams um icônico visual nos anos sessenta; e, por fim, na década de setenta protagonizou ao lado do Lanterna Verde uma das séries mais importantes e premiadas da história da DC Comics.

Capa de Green Lantern #100, edição comemorativa lançada originalmente em 1978 e que contou com a arte de Mike Grell.

Mas… vejam só: até então o mestre do arco e flecha da DC nunca teve um título próprio!

Esta falha editorial foi parcialmente corrigida com o lançamento em 1983 de uma minissérie produzida por Mike W. Barr e Trevor Von Eeden, que no Brasil foi publicada em 1985 na saudosa revista Superamigos, da Editora Abril. Porém, o Arqueiro ainda esperaria mais um tempinho para ter um nova oportunidade a frente de um título.

O roteirista e desenhista Mike Grell em uma sessão de autógrafos em uma convenção de quadrinhos nos EUA.

Em 1986 o sucesso estrondoso de Watchmen e Cavaleiro das Trevas provou que havia um público sedento por histórias de super-heróis mais maduras e publicadas com um acabamento gráfico de maior qualidade. E ai entrou em cena o escritor e desenhista Mike Grell.

Caçador urbano

Grell iniciou a sua carreira como quadrinista no começo dos anos setenta e obteve destaque desenhando histórias do Aquaman, Vingador Fantasma, Legião dos Super-Heróis e Lanterna Verde, até atingir o estrelato com O Guerreiro (The Warlord), uma série criada por ele para a DC Comics que combinava elementos de Fantasia e Ficção Científica. Há um enorme folclore em torno do “conservadorismo bonzinho” de Grell, que além de colecionar armas de fogo e praticar regularmente a caça de animais silvestres um belo dia levou para uma negociação de contrato um revólver calibre .45 e fez questão de deixá-lo a vista dos seus contratantes! Talvez por causa desse peculiar “traço de personalidade” Grell se tornou um dos primeiros artistas de sua geração a lutar por direitos autorais, lançando por editoras independentes trabalhos pertencentes a ele como Starslayer e Jon Sable Freelance.

Capa original de Green Arrow: The Longbow Hunters #1. Arte de Mike Grell.

E então… Grell foi convidado pelo editor e amigo pessoal Mike Gold a produzir um minissérie para o Arqueiro Verde em um formato similar a Cavaleiro das Trevas. Grell andava aborrecido com a First Comics (onde publicava Jon Sable Freelance) e sempre considerou o Arqueiro Verde um dos seus personagens favoritos, então foi fácil para ele aceitar esta proposta. Mas era necessário definir a premissa que nortearia este projeto.

Capa original de Green Arrow: The Longbow Hunters #2. Arte de Mike Grell.

Depois de várias trocas de ideias Gold e Grell chegaram a uma frase que definiria o conceito da minissérie: “caçador urbano”! Em linhas gerais na história que seria concebida por Grell após uma crise “braba” de meia-idade (o personagem estava com quarenta e três anos de idade, pô!) Oliver Queen e a super-heroína Canário Negro (sua eterna namorada) abandonaram a fictícia cidade de Star City e se mudaram de mala e cuia para Seattle, uma chuvosa metrópole americana próxima da fronteira dos EUA com o Canadá onde por “coincidência” Grell morava. Mas essa não foi a única mudança no personagem: Oliver ganhou uma novo uniforme (dotado de um indefectível capuz), abandonou as flechas cheias de truques que usava (flecha-luva-de-boxe, flecha-rede, flecha-sônica, se lembram?) e passou a adotar setas convencionais, se tornando um legítimo “caçador urbano”. E em meio a tantas mudanças o Arqueiro Verde se envolveu na busca por um serial killer que assolava Seattle e em uma trama que envolvia alta espionagem, crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial e Lady Shado, uma arqueira japonesa tão habilidosa quanto ele. Aliás, precisamos citar aqui uma curiosidade: Grell criou Shado em meados dos anos setenta para uma história que ele escreveu para o Arqueiro Verde e que foi rejeitada pelo editor Julius Schwartz, e de forma esperta o artista decidiu reaproveitar a sua antiga ideia em seu novo projeto. Com o passar do tempo — seja como adversária ou aliada — Shado assumiu uma certa importância na mitologia do Arqueiro Verde, mas como o foco deste artigo é o Sr. Oliver Queen voltemos ao nosso tema principal!

Capa original de Green Arrow: The Longbow Hunters #3. Arte de Mike Grell.

Todos os elementos citados foram reunidos em Green Arrow: The Longbow Hunters, série fechada em três capítulos que nos EUA chegou nas comic shops no segundo semestre de 1987 e que no Brasil foi batizada com o nome Arqueiro Verde: Os Caçadores. A arte de Grell (que contou com o auxílio de Lurene Haines e Julia Lacquement) atingiu o seu ápice e o roteiro escrito por ele era envolvente, porém ainda assim esta obra recebeu (e ainda recebe!) críticas por causa de algumas cenas excessivamente gráficas onde a Canário Negro é agredida fisicamente por alguns bandidos e fica entendido nas entrelinhas que ela foi vítima de violência sexual.

Peculiaridades

Arqueiro Verde: Os Caçadores foi um grande sucesso e fez com que entre o final de 1987 e o começo de 1988 o Arqueiro Verde finalmente ganhasse uma série mensal própria, que contou com os roteiros de Grell, a arte de talentos como Ed Hannigan, Dan Jurgens, Dick Giordano e Rick Hoberg e um conjunto de peculiaridades que a distinguia das outras revistas da DC Comics.

Capa de Green Arrow #1, onde finalmente Oliver Queen ganhou uma série mensal para chamar de sua. Arte de Mike Grell.

Grell adorava o Arqueiro Verde, mas sempre achou a alcunha heroica do personagem um tanto quanto… idiota! Justamente por causa dessa “implicância” de Grell a série até ostentava em suas capas o título “Green Arrow”, porém nas páginas internas o protagonista era muito ocasionalmente chamado de “Arqueiro” ou “Robin Hood Moderno” e bastaram poucas edições para a máscara e a identidade secreta de Oliver Queen serem jogadas na lata de lixo.

Cena de Green Arrow #2, onde o Arqueiro Verde entra no modo “caçador”. Arte de Ed Hannigan.

Se na visão de Grell não haviam espaços para flechas engraçadinhas e identidades secretas o mesmo se aplicava aos supervilões que sempre pululavam nos gibis da DC Comics. Com o o objetivo de deixar a série mais “pés no chão” os adversários de Oliver Queen passaram a ser bandidos de rua, cafetões, terroristas, traficantes de drogas, mercenários, assassinos em série e espiões, deixando Green Arrow fortemente fincada na realidade das grandes cidades americanas. Essa busca por realismo criou um pequeno problema, já que o Arqueiro Verde sempre teve conexões fortes com outros aventureiros superpoderosos e seria no mínimo estranho histórias supostamente “realistas” mostrarem sujeitos fantasiados voando ali e acolá. Grell resolveu esta questão de forma elegante, apresentando no transcorrer das aventuras produzidas por ele heróis como o Lanterna Verde, Ricardito e até mesmo o mago inglês John Constantine em trajes civis e sem demonstrar em nenhum momento suas habilidades especiais. Todavia, houveram duas participações especiais em Green Arrow que foram no mínimo… incomuns!

Capa de Green Arrow #28, onde o Arqueiro Verde ficou frente a frente com o Guerreiro e onde sobraram piadas sobre as semelhanças físicas entre os dois heróis. Arte de Dan Jurgens.

Nas edições #15 e #16 de Green Arrow o Arqueiro Verde encarou o mercenário e caçador australiano Jake Moses, que nada mais era do que um mal disfarçado alter ego de Jon Sable, personagem que já citamos aqui e que Grell criou para a First Comics. E aí em Green Arrow #27 e #28 Oliver Queen ficou frente a frente com o Guerreiro (outra criação de Grell já devidamente mencionada neste texto) e o roteirista não perdeu a oportunidade de fazer várias piadas com a semelhança física entre os dois heróis!

Polêmicas

E ao lado dos seus parceiros artísticos Grell foi produzindo em bases mensais a revista Green Arrow, muitas vezes tocando em temas sensíveis. Nas duas primeiras edições da série — provavelmente com o auxílio da escritora Sharon Wright, então sua esposa — Grell retomou de forma respeitosa e delicada o assunto da violência sexual contra mulheres, mas ainda assim ele novamente foi alvo de criticas pelo mesmo assunto ao mostrar uma prostituta barbaramente morta e crucificada em Green Arrow #17. Por outro lado o escritor criticou o preconceito que sempre penalizou a comunidade LGBTIQA+ ao colocar Oliver Queen na caça de um assassino de homossexuais em Green Arrow #5 e #6.

Capa de Green Arrow #20, que trouxe a conclusão de “O Julgamento de Oliver Queen”, história polêmica que contou com a participação especial de Hal Jordan, mais conhecido como Lanterna Verde. Arte de Ed Hannigan e Dick Giordano.

Em Green Arrow #19 e #20 foi publicada a história “O Julgamento de Oliver Queen” (The Trial of Oliver Queen), um das aventuras mais polêmicas escritas por Grell, onde o Arqueiro Verde acidentalmente matou um jovem inocente ao confundi-lo com um criminoso armado. Grell explorou o remorso que acometeu o Arqueiro Verde após o seu fatídico erro e o posterior reerguimento moral do personagem, porém no “frigir dos ovos” muitos leitores e críticos consideraram esta história uma mal-ajambrada defesa do vigilantismo e da violência policial. De certa forma Grell estava reproduzindo algo que era relativamente comum no Quadrinho Americano do final dos anos oitenta e noventa, uma época onde as comic shops eram dominadas por anti-heróis violentos e impiedosos como o Justiceiro, Motoqueiro Fantasma e Wolverine e onde até mesmo o Superman teve a sua cota de execuções. É aquela velha história: é impossível agradar a todos, né?

Flechada Certeira

O Tempo passou na velocidade de uma flechada certeira… e assim chegamos ao final de 1993, onde após o lançamento de Green Arrow #80 Mike Grell deu por encerrada a sua passagem pela série mensal do Arqueiro Verde. Depois da sua saída lentamente a revista se reaproximou dos clichês típicos das aventuras de super-heróis, entretanto o legado do seu trabalho permeou de forma quase definitiva a caracterização do Arqueiro Verde, tanto que o finado seriado televisivo Arrow deve muito da sua ambientação (principalmente nos primeiros episódios!) as histórias de Grell. Ou vocês não perceberam o garboso capuz e o estilo “caçador urbano” adotados pelo ator Stephen Amell?

Capa de Green Arrow #80, que marcou o fim da passagem de Mike Grell pelo título. Arte de Mike Grell.

Seja como for… Nos EUA a minissérie Arqueiro Verde: Os Caçadores ganhou o status de clássico e é republicada de tempos e tempos por lá. O material produzido por Grell para a série Green Arrow foi reunido entre 2013 e 2017 em uma série de oito encadernados, e a DC Comics se comprometeu a lançar todas essas aventuras no ano de 2021 em duas luxuosas edições no formato omnibus. Em nossa amada e abençoada terrinha Arqueiro Verde: Os Caçadores foi republicada pela última vez em 2017 no quinquagésimo segundo volume da coleção DC Comics — Coleção de Graphic Novels, da editora Eaglemoss, que também trouxe no nonagésimo terceiro encadernado desta antologia as seis primeiras histórias elaboradas por Grell para a revista mensal do personagem. E, para os apaixonados em gibis antigos precisamos nos lembrar que parte da produção de Grell relacionada a Oliver Queen foi publicada pela Editora Abril entre 1990 e 1993 nas revistas Os Caçadores, DC 2000 e Superpowers.

Capa de Green Arrow: The Longbow Hunters Saga Omnibus Vol.1, edição especial com mais de 1.500 páginas que reúne parte da produção de Mike Grell para o Arqueiro Verde. Arte de Mike Grell.

E, como diria o Poeta:

E TENHO DITO!

Para saber mais:

Guia dos Quadrinhos: lista de publicações da revista Green Arrow no Brasil

Grand Comics Database: Green Arrow

Comic Book Resources: review de The Longbow Hunters

Comic Book Resources: dez fatos desconhecidos sobre o Arqueiro Verde

Screen Rant: dez fatos desconhecidos sobre o Arqueiro Verde

Nerd Team 30: Entrevista com Mike Grell

DC in the 80’s: Primeira Parte de uma entrevista de Mike Grell

DC in the 80’s: Segunda Parte de uma entrevista de Mike Grell

Comic Boards: Entrevista com Mike Grell

Comic Book Artist: Entrevista com Mike Grell

The Comics Journal: review de Trial of Oliver Queen

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