E ASSIM EU ME TORNEI UM COLECIONADOR DE QUADRINHOS!

Claudio Basilio
sobrequadrinhos
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9 min readJul 14, 2023

Quarenta anos esta noite…

E convencionei 14 de julho como o dia em que comemoro o meu “aniversário” como colecionador de histórias em quadrinhos.

Não sei se por causa do avanço do Tempo (estou com quase cinquenta anos de idade, pô!) ou pela absoluta falta de coisas melhores para fazer eu decidi escrever neste humilde blog um textinho memorialista, que visa o resgate de lembranças da minha tenra infância. Sendo mais específico e direto: vou contar para vocês como virei um nerd acumulador de gibis! Vamos lá!

Tevê P&B

Os seis primeiros anos da minha existência mortal se passaram em São Vicente, uma cidade do litoral de São Paulo. Eu e minha mamãe vivíamos em uma pindaíba desgraçada, e a nossa única distração era uma simpática tevê P&B de 14 polegadas com gabinete de madeira. Foi graças a este adorável dispositivo eletroeletrônico (e a palha de aço que colocávamos em sua antena!) que conheci o Superman de George Reeves, o Hulk de Lou Ferrigno e o Homem-Aranha “desanimado” da produtora Grantray-Lawrence Animation. Creio que aqueles momentos em que Reeves ostentava a sua pança e Ferrigno urrava como uma fera acuada no tubo catódico da minha televisão uma pequena semente foi plantada no meu cérebro, porém…

Em 1978 na esteira do lançamento do filme Superman (aquele com o Christopher Reeve) a TV Globo reprisou o seriado televisivo do herói estrelado por George Reeves. E assim eu conheci o Homem de Aço!

Apesar de todos os perrengues financeiros a minha mãe sempre separava um dinheirinho para comprar gibis usados, que me apresentaram ao mundinho das letras e ilustrações. Aos poucos fui me alfabetizando, e ainda me lembro de perguntar para a minha progenitora o significado de “plebeia”, uma palavra esquisita que li em um gibi do Mickey Mouse. E aí a velha tevê P&B resolveu pregar uma peça em mim.

No início dos anos oitenta os diretos de publicação no Brasil de vários personagens da Marvel estavam sob a guarda da RGE (Rio Gráfica e Editora, hoje mais conhecida como Editora Globo), editora de revistas que faz parte do inefável Grupo Globo. Não era difícil para a RGE fazer propaganda dos seus gibis na TV Globo, e assim telinhas do Brasil inteiro foram bombardeadas com anúncios do Superalmanaque do Homem-Aranha, um revista em quadrinhos para lá de parruda (pelo menos para os padrões da época!). Devidamente seduzido pelo reclame super-heroístico da RGE exigi que minha mãe esquecesse nossa delicada situação monetária e comprasse o Superalmanaque do Homem-Aranha o mais rápido possível. Generosa como sempre foi, mamãe atendeu ao meu “pedido”, é claro!

Superalmanaque do Homem-Aranha #1 (1980) foi o primeiro gibi de super-herói que li na minha vida!

Superalmanaque do Homem-Aranha #1 trazia um conjunto de aventuras publicadas nos EUA em Marvel Team-Up, uma revista gringa que trazia encontros do sobrinho favorito da Tia May com outros personagens da Marvel. E assim, o tête-à-tête do Homem-Aranha com o androide Visão (originalmente lançada no ano de 1972 em Marvel Team-Up #5) se tornou a primeira história em quadrinhos de super-heróis que li na minha vida. Obviamente adorei a esse pequeno conto quadrinístico (que tinha a arte do imortal Gil Kane) e todas as outras apresentadas no gibi, porém no quesito financeiro o “mar ainda não estava para peixe” junto a minha pequena família, e as novidades em relação ao tema “super-herói” teriam que esperar um tempo.

Xis-Mens

Ainda em 1980 minha família se mudou de mala e cuia para Santos, e sempre com o objetivo de manter meu interesse pela leitura em dia ela continuava a comprar esporadicamente revistas em quadrinhos usadas. Gibis da Disney e do Mauricio de Sousa faziam parte da minha dieta cultural, e no final de 1982 uma “refeição” diferente caiu no meu prato, na forma de Almanaque do Hulk #9, da RGE.

Almanaque do Hulk #9 (1982) me apresentou aos X-Men. Obviamente fiquei apaixonado pelos personagens de forma imediata.

Naquele momento Almanaque do Hulk era integralmente dedicado aos X-Men, que durante anos chamei gostosamente de “Xis-Mens”, já que naquele período eu não dominava os rudimentos do Inglês. Era o começo da fase em que as histórias dos mutantes eram produzidas pela dupla constituída por Chris Claremont e John Byrne, e “fascinação” talvez seja a palavra que me melhor defina o sentimento que me acometeu ao ler essas aventuras. Em suma: pirei na batatinha e quis ter acesso a mais aventuras dos “Xis-Mens”! Mas fui obrigado a esperar um pouco mais, porque a RGE abriu mão dos direitos de publicação em território brasileiro dos heróis da Marvel.

Considero Homem-Aranha #1 (1983) da Editora Abril foi o “marco zero” da minha passagem de leitor para colecionador de quadrinhos!

Então chegamos no ano de 1983, e meu pai faleceu em um acidente de trânsito aos trinta e dois anos de idade. A perda de um genitor mexe com a cabeça de qualquer criança (ainda mais quando ele era um sambista mulherengo e gente fina!), e encontrei consolo entre livros, gibis ocasionais e desenhos animados (agora vistos em uma tevê a cores). E aí… e aí… eu tomei conhecimento através de cartazes colados em bancas de jornal que a Editora Abril adquiriu os direitos sobre todos os personagens da Marvel, e colocaria na praça duas novas revistas: Homem-Aranha e o Incrível Hulk. Ah, eu já falei para vocês que graças ao Superalmanaque do Homem-Aranha e as animações que eu assistia no saudoso programa infantil Balão Mágico o Sr. Peter Parker se tornou um dos meus heróis favoritos? Dado o meu gosto pelo herói aracnídeo fiquei curioso com o vindouro lançamento da Editora Abril, e uma informação adicional que recebi posteriormente me deixou no mínimo… ansioso!

Comprar e Acumular

Naquele instante do Tempo e do Espaço a Editora Abril levava mensalmente para o público três revistas com personagens da Marvel: Heróis da TV, Superaventuras Marvel e Capitão América. E para a minha surpresa descobri que a partir do décimo quarto número de Superaventuras Marvel traria histórias dos “Xis-Mens”. Pô, aí recorri a minha mamãe (sempre ela, né?), e em julho de 1983 comprei Homem-Aranha #1 e no mês seguinte adquiri Superaventuras Marvel #14. Ah: também tomei uma decisão fatídica para minha vida: dentro do possível compraria e acumularia todos os gibis de super-heróis que eu pudesse!

Capa de #Superaventuras Marvel #14 (1983), que marcou a estreia dos “Xis-Mens” na Editora Abril, para a minha imensa alegria!

Todavia… como diria John Lennona Vida é tudo aquilo que acontecesse enquanto nós fazemos planos”, e com as minhas limitações financeiras era absolutamente impossível obter todos os gibis que eu desejava. Para lidar com essa triste situação montei duas “estratégias”: a primeira foi me dirigir periodicamente ao centro de Santos, uma vez que descobri que por lá era possível comprar revistas em quadrinhos usadas e recentemente lançadas pela metade do preço de capa (aliás, eu fiz isso até os meus vinte e seis aninhos de idade!); a segunda foi selecionar com rigor o material a ser adquirido, o que me fez descartar todos os gibizinhos da DC Comics!

Os Antiquados Heróis da DC Comics

Por favor, não me entendam mal. Deixem-me explicar as coisas: Superman II foi um dos primeiros filmes que assisti na sala escura de um cinema, e na tenra infância me divertia com um boneco do Último Filho de Krypton. Também via o tempo todo Superamigos (aquele desenho animado da Hanna-Barbera com a versão tolinha da Liga da Justiça), e em 1984 a Editora Abril herdou da hoje finada Ebal os direitos dos vetustos heróis da DC Comics no Brasil.

Capa de Super-Heróis em Ação, álbum de figurinhas que marcou a chegada da DC Comics na Editora Abril. Aliás… este foi o último álbum de cromos colantes que colecionei na minha vida!

Para marcar essa aquisição a Editora Abril lançou o álbum de figurinhas Super-Heróis em Ação, que trazia cromos magnificamente ilustrados por José Luis Garcia-López (ídolo!) prazerosamente colecionados por mim. Mais para frente em julho de 1984 foram ofertados aos “devoradores de papel colorido” Super-Homem, Batman e Heróis em Ação, três gibis estrelados pela clássica e velha turma da DC Comics, que eu até consegui comprar, mas… sei lá! A grande verdade que do alto dos meus dez anos de idade eu achava — perdão, tinha certeza! — que os “antiquados” heróis da DC Comics eram mais “infantis” que os da Marvel!

Capas de Super-Homem, Batman e Heróis em Ação, todos lançados em 1984 e os primeiros da Editora Abril com personagens da DC Comics.

Eu até lia um gibi da DC Comics ali e acolá graças a alguns amigos da escola que compravam esse tipo de material e graciosamente o emprestavam para mim, mas o meu desprezo pelas HQs de Superman e companhia continuava firme e forte. Mas vejam só como são as coisas: no comecinho de 1987 tomei conhecimento de Crise nas Infinitas Terras, uma minissérie dividida em doze partes que supostamente mudaria para sempre do multiverso ficcional da casa editoral do Batman e Mulher-Maravilha. Em um primeiro momento fiquei curioso, e posteriormente fiquei intrigado e decidi dar uma chance a esta saga ao adquirir no final de março de 1987 Novos Titãs #12, que trouxe o seu primeiro capítulo.

Coincidências Cósmicas

Por uma daquelas “coincidências cósmicas” que de vez em quando acometem a vida de qualquer um também em março de 1987 o público brasileiro foi apresentado a Cavaleiro das Trevas, uma série fechada de quatro capítulos escrita e desenhada pelo genial Frank Miller, que mostrava um Batman cinquentão que decidiu gastar a pouca força que tinha em uma cruzada definitiva em prol de Gotham City. Como até a Imprensa cantava em verso e prosa esta obra decidi dar uma chance para ela, apesar do seu preço abusivo (lembrem-se, eu era um menino pobre!).

Capa de Novos Titãs #12 (1987), que trouxe o estonteante e espetacular primeiro capítulo de Crise Nas Infinitas Terras.

Hum… vamos tentar descrever as coisas aqui: entre março e julho de 1987 fui arrebatado pelos infinitos universos da DC Comics se chocando entre si em Crise nas Infinitas Terras e por um calejado Bruce Wayne vivendo sua suposta última aventura em Cavaleiro das Trevas. Para completar a situação de “arrebatamento” eu soube que John Byrne (meu primeiro grande ídolo nos quadrinhos) reformularia completamente a origem e ambientação do Superman. Restou somente uma opção para mim, meus amigos e amigas: acrescentar sempre que possível os gibis da DC Comics que estivessem acessíveis ao meu combalido bolso!

Capa de Cavaleiro das Trevas #1 (1987). Difícil descrever a importância desse gibi na vida de milhares de fãs de quadrinhos no Brasil e mundo afora!

De lá para cá comprei e li centenas de gibis dos mais diversos gêneros. Milhares, talvez. E acredito que algo em torno de oitenta por cento do material que caiu em minhas cansadas mão era lixo tóxico e descartável. Porém… os vinte por cento restantes acrescentaram tanta diversão e tantos ensinamentos a minha pouco-iluminada-vida que a aquisição de uma nova HQ sempre traz para a mim a esperança de vivenciar emoções como as que tive ao ler Crise nas Infinitas Terras e Cavaleiro das Trevas. Ou então como tive ao chegar no final da “Saga da Fênix Negra” ou ao me debruçar sobre a maravilhosa arte de George Pérez em LJA vs. Vingadores.

Não sei o que seríamos sem ela

Está bem! Está bem! Vou tentar sintetizar tudo que tentei falar até agora através de um exemplo ficcional, porém prático: no último capítulo da série televisiva Picard (que em sua derradeira temporada trouxe o elenco principal da saudosa Jornada nas Estrelas: A Nova Geração) os oficias da Frota Estelar Willian Ryker e Geordi LaForge se preparam para desativar de forma definitiva a nave espacial U.S.S. Enterprise-D, e emitem a seguinte frase sobre a sua “companheira” de tantas aventuras:

Não sei o que seríamos sem ela. Mas com certeza não seríamos melhores”.

Pois é… eu não sei o que seria sem o Superman, Cebolinha, Pato Donald, Homem-Aranha, Batman, Tintim, Asterix, Conan, Mulher-Maravilha, Capitão América e tantos outros personagens que vivem nas páginas coloridas dos gibis. Mas certamente eu não seria melhor sem eles!

Capa de uma edição especial de JLA / Avengers, lançada em homenagem ao desenhista George Pérez com o objetivo de arrecadar fundos a Hero Initiative, ONG americana dedicada ao resguardo de quadrinistas aposentados.

E por enquanto é só isso. Ah, antes de ir embora me permitam explicar uma coisinha que talvez não tenha ficado clara no começo deste textão: nos anos oitenta os gibis da Editora Abril surgiam nas bancas de jornal com uma regularidade impressionante, mais ou menos seguindo este calendário: no primeiro dia do mês Heróis da TV chegava nas mãos dos jornaleiros; no sétimo dia Superaventuras Marvel estava disponível; no décimo quarto dia os fãs do Homem-Aranha eram presentados com seu gibi; Capitão América surgia com as aventuras do Sentinela da Liberdade no vigésimo primeiro dia; e por fim o gibi Incrível Hulk fechava o mês no trigésimo dia.

Como eu comprei Homem-Aranha #1 no dia 14 de julho de 1983… esta se tornou a “data de aniversário” da minha vida de colecionador de histórias em quadrinhos! Simples assim!

E, como diria o poeta:

E TENHO DITO!

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Claudio Basilio
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