OS X-MEN DE ROY THOMAS E NEAL ADAMS!

Claudio Basilio
sobrequadrinhos
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28 min readMar 6, 2023

Há sessenta anos um grupo de homens e mulheres nascidos com dons especiais jurou proteger um mundo que os odiava e perseguia. De lá para cá a formação dessa equipe mudou incontáveis vezes, mas a missão a qual eles se propuseram nunca foi abandonada. Com o objetivo de celebrar o sexagésimo aniversário desse time iremos nos relembrar de um dos mais magníficos momentos da sua longa e intricada saga. Venham conosco para o final dos anos sessenta, e saibam mais sobre o período no qual as aventuras dos X-Men eram produzidas pela dupla constituída pelo escritor Roy Thomas e pelo desenhista Neal Adams!

Mas antes… vamos visitar rapidamente o ano de 1963.

No começo

Martin Goodman — o proprietário e mandachuva da Marvel no começo dos anos sessenta — queria que sua editora lançasse um gibi similar ao Quarteto Fantástico (que era o título de maior vendagem da Casa das Ideias na época), e sem muitas delongas passou a ordem para Stan Lee e Jack Kirby, os seus principais criadores.

Naquele momento quase todos os heróis da Marvel deviam seus poderes a fatores externos (acidentes radioativos, artefatos encantados, raios cósmicos, etc.), mas se inspirando na Teoria da Evolução de Charles Darwin e acrescentando leves pitadas da paranoia nuclear típica daquela época os venerados Stan Lee e Jack Kirby definiram que sua nova equipe de aventureiros seria constituída por mutantes, ou seja: eles eram pessoas que galgaram o próximo degrau da escala evolucionária da Humanidade, nascendo com dons sobre-humanos que geralmente despertavam na puberdade.

Página de abertura de “The Mutants and me”, publicada em Tales of Suspense #6 (1959) e onde Stan Lee testou o conceito dos “mutantes”. Arte de Joe Sinnott.

O conceito do “mutante” não era inédito no quadrinho americano de super-heróis: o Capitão Cometa (aventureiro espacial da DC Comics criado em 1951) era um herói com inatas habilidades incomuns “nascido cem mil anos antes do seu tempo”, e Stan Lee já havia testado a ideia nas aventuras “The Mutants and Me” (“Os Mutantes e Eu”) e “The Man in the Sky” (“O Homem no Céu”), publicadas respectivamente em Tales of Suspense #6 (1959) e Amazing Adult Fantasy #14 (1962). Tudo indicava que a nova revista receberia o óbvio nome de “Os Mutantes”, todavia Martin Goodman o detestou, porque no seu entendimento moleques de doze anos de idade jamais saberiam o que é um “mutante” (sim, houve um tempo em que gibis de super-heróis eram produzidos para garotinhos, e não marmanjos!). Diante da negativa do seu chefe Lee matutou, matutou e matutou… e percebeu que se os seus personagens tinham poderes extraordinários seria muito justo que a equipe que os abrigaria se chamasse X-Men, já que a primeira sílaba da palavra inglesa “extraordinary” tem sonoridade similar a letra “x”, que é pronunciada como “équis” no idioma de Shakespeare.

Capa de X-Men #1 (1963), que marcou a estreia da equipe mutante da Marvel. Arte de Jack Kirby.

Os X-Men estrearam em um gibi bimestral homônimo lançado em julho de 1963, e a equipe original era formada por cinco adolescentes: Ciclope (Scott Summers), capaz de emitir rajadas energéticas dos seus olhos; Fera (Henry “Hank” McCoy), dotado de força e agilidade sobre-humanas; Homem de Gelo (Robert “Bobby” Drake), nascido com o dom de gerar e controlar baixas temperaturas; Anjo (Warren Worthington III), cujo poder de voo vinha das asas naturais nascidas nas suas costas; e a Garota Marvel (Jean Grey), uma jovem detentora de habilidades telepáticas e telecinéticas. Toda essa garotada era treinada nos meandros heroísticos pelo Professor X (Charles Xavier), um brilhante geneticista que apesar de ser o telepata mais poderoso da Terra estava confinado em uma cadeira de rodas.

As “más-línguas” afirmam que Stan Lee e Jack Kirby modelaram o conceito dos X-Men tendo como referência a Patrulha do Destino, uma equipe de aberrações da DC Comics lançada em abril de 1963 que “coincidentemente” também era liderada por um gênio científico cadeirante. Nunca houve provas de que a criação de Lee e Kirby era de fato um plágio do grupo de heróis esquisitos da editora concorrente, mas ficou muito claro para os fãs (principalmente a partir das décadas de setenta e oitenta) que as aventuras que mostravam os X-Men como renegados odiados pela Humanidade eram uma perfeita alegoria para a situação de minorias étnicas, sexuais e de gêneros historicamente perseguidas. Porém, ainda assim a ótima ideia criada por Lee e Kirby passava por alguns perrengues…

Capa de X-Men #39 (1967), onde no sentido de chamar a atenção dos fãs os X-Men substituíram os uniformes padronizados por indumentárias individuais. Arte de George Tuska.

Apesar dos esforços de Stan Lee e Jack Kirby a revista dos X-Men tinha péssimos números de vendas. Nem mesmo o trabalho dos talentosos sucessores de Lee e Kirby como Gary Friedrich, Arnold Drake, Werner Roth, Don Heck, Jim Steranko, Barry Windsor-Smith e outros mudou o quadro, e o cancelamento do gibi dos mutantes parecia iminente. Alguma providência mais drástica precisava ser tomada, e ela aportou na Marvel em 1969 na forma de um desenhista tão talentoso quanto arrogante chamado Neal Adams!

O Novo Astro

Neal Adams nasceu em 1941 na cidade de Nova York, e a partir do final dos anos cinquenta ele tentou cavar o seu espaço na indústria americana de quadrinhos. Adams chegou a desenhar alguns gibis para a editora Archie, e posteriormente migrou para a Publicidade e produção de tiras de jornal, chegando a trabalhar na adaptação quadrinística de Ben Casey, uma série médica que fez sucesso nas tevê americanas nos anos sessenta. Cansado da Ilustração Comercial e dos baixos ganhos financeiros com a produção de tiras Adams voltou a procurar emprego nas editoras de quadrinhos, e em 1967 estreou na DC Comics desenhando uma história curta na revista de guerra Our Army at War #182. Neste pequeno instante do Tempo e do Espaço… uma revolução ocorreu no Mundo Encantado dos Super-Heróis!

Neal Adams folheia alguns gibis desenhados por ele em meados dos anos setenta.

O estilo artístico realista, dinâmico e repleto de diagramações incomuns de Neal Adams era diferente de quase tudo que aparecia naquele momento nos quadrinhos de super-heróis. Rapidamente o desenhista se tornou um dos capistas mais requisitados das DC Comics e um ídolo junto aos fãs devido ao seu brilhante trabalho nas histórias do fantasmagórico Desafiador, e principalmente quando virou um dos artistas titulares do Batman. Ainda assim Adams estava ansioso por novos desafios artísticos, e ao tomar conhecimento através de um bate-papo com Jim Steranko sobre o “Método Marvel” — uma forma de produção de HQs onde ao contrário de escrever um argumento completo o roteirista concebe uma pequena sinopse, cabendo ao desenhista decupar o plot e posteriormente devolver a história desenhada ao escritor, que irá finalizá-la redigindo os diálogos e recordatórios — ele decidiu agendar uma reunião com Stan Lee.

O fantasmagórico Desafiador tenta descobrir quem o matou na capa de Strange Adventures #207 (1967). Arte de Neal Adams.

O editor-chefe da Casa das Ideias recebeu Neal Adams de forma efusiva, e “na lata” perguntou para o novo astro da praça com qual nome ele assinaria o seus futuros trabalhos na Marvel. Vocês não entenderam o motivo da pergunta de Lee? Vamos explicar: historicamente a maioria dos quadrinistas estadunidenses trabalham sem contrato fixo com as editoras, recebendo seu pagamento apenas por páginas produzidas. Em tese eles poderiam trabalhar onde quisessem, mas nos anos sessenta tanto a Marvel quanto a DC Comics não viam com bons olhos os profissionais vendendo seus serviços para outras editoras, e quando isso acontecia, bem… “malandramente” eles usavam pseudônimos, como foi o caso dos renomados artistas Mike Esposito e Gene Colan, que durante anos foram “exclusivos” da DC Comics, mas que ao desenvolver projetos para a Marvel de forma inicial usaram respectivamente os “noms de plume” Mickey Demeo e Adam Austin. Todavia, por uma questão de vaidade e principalmente para “valorizar o seu passe no mercado” Adams se recusou a usar um pseudônimo, e Lee aceitou de bom grado essa condição, restando a definição daquilo que o desenhista faria para a Marvel.

Como Neal Adams adorava um desafio ele foi indicado para a revista dos X-Men, que estava prestes a ser cancelada. Se conseguisse levantar as vendas do gibi dos mutantes posteriormente Adams seria guindado para outros títulos de maior destaque da Marvel, e foi decidido que seu parceiro na concepção das aventuras dos pupilos do Professor X seria o escritor e editor Roy Thomas, que até então era um ilustre desconhecido para ele!

Apaixonado por histórias em quadrinhos

Nascido no estado americano do Missouri em 1940, desde criança Roy Thomas era apaixonado por histórias em quadrinhos, e nem o fato de na vida adulta ele se tornar professor de Literatura do Ensino Médio o impediu de no comecinho dos anos sessenta enviar dezenas de cartas com elogios, críticas e até mesmo sugestões de roteiros para as redações da Marvel e DC Comics. Nas horas vagas além de ler muitos gibis Thomas editava ao lado do futuro pesquisador da Nona Arte Jerry Bails o renomado fanzine Alter Ego, e então um sonho se concretizou para ele na forma de um convite de emprego na DC Comics feito em 1965 pelo editor Mort Weisinger.

O escritor e editor Roy Thomas “paga pau” de Superman, em foto tirada no início dos anos oitenta.

O péssimo temperamento de Mort Weisinger fez com que Roy Thomas saísse da DC Comics após duas semanas de trabalho, mas ele não ficou desempregado por muito tempo, já que Stan Lee o abrigou dentro da Marvel. Aos poucos Thomas se tornou uma peça importante no dia a dia da Casa das Ideias, até que no princípio de 1966 Lee o designou para a revista dos X-Men, naquele que seria o seu primeiro trabalho como roteirista fixo de um gibi de super-heróis.

Capa de X-Men #28 (1966), que marcou estreia de Banshee, mutante criado por Roy Thomas. Arte de Werner Roth e John Tartaglione.

Roy Thomas assumiu os argumentos da revista dos mutantes a partir do número #20, e dentro do seu noviciado fez o melhor que podia, chegando inclusive a criar um novo e interessante mutante irlandês chamado Banshee, mas… a grande verdade é que seus roteiros para os alunos de Charles Xavier deixavam a desejar e ele não era exatamente um grande fãs dos personagens. Por fim, Thomas abandonou X-Men após a edição #45 e teve melhor sorte escrevendo a série mensal dos Vingadores, em uma histórica fase que começou no final de 1966 e se encerrou em 1972, e que foi marcada pelo advento de Ultron, do sintozoide Visão e do Esquadrão Supremo. E aí… Stan Lee pediu que o roteirista reassumisse em caráter emergencial o gibi dos X-Men.

Liberdade para propor ideias

Neal Adams deixou claro em seu encontro com Stan Lee que gostaria de trabalhar com o “Método Marvel”, e o editor-chefe da Casa das Ideias afirmou que da parte dele não haveria problema nenhum, mas que seria melhor o desenhista conversar sobre isso com Roy Thomas, que havia reassumido os scripts do título mutante. Dito tudo isso Adams se reuniu com Thomas para tomar pé da situação da revista dos X-Men.

Capa rejeitada de X-Men #56 (1969), onde os os pupilos do Professor X estavam “crucificados” no logotipo da revista. Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

Como o fã bem informado que sempre foi Roy Thomas conhecia o trabalho de Neal Adams e se entusiasmou com a possibilidade de trabalhar com o artista do Desafiador. De cara Thomas explicou para Adams que retornou a revista dos mutantes no número #55 (desenhado pelos veteranos Don Heck e Werner Roth), herdando do roteirista Arnold Drake uma história inacabada onde os X-Men descobriram que Ciclope tinha um irmão caçula chamado Alex Summers, que havia sido sequestrado por um mutante egípcio chamado Faraó Vivo. O escritor admitiu que não sabia para qual direção levar a trama, e então um acordo foi estabelecido: a nova dupla trabalharia com o “Método Marvel”, e Adams teria liberdade para propor ideias, se tornando na prática o corroteirista de X-Men. Completando o time criativo entrou em cena Tom Palmer, um jovem arte-finalista influenciado por mestres como Frank Frazetta, Wally Wood e Jack Davis, e cujo uso detalhado do nanquim caiu como uma luva para o lápis quase fotorrealista de Adams.

A capa aceita para X-Men #56 (1969), onde o vilão conhecido como Monólito Vivo ameaça esmagar o logotipo da revista dos mutantes. Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

Com o devido rufar de tambores e a obrigatória salva de tiros X-Men #56 chegou nas bancas de jornal em março de 1969, trazendo uma história concebida por Roy Thomas e Neal Adams onde no Egito os pupilos do Professor X descobriram a relação que havia entre Alex Summers e o Faraó Vivo: ambos eram mutantes cujas habilidades eram alimentadas por raios cósmicos vindos do espaço sideral (olha a pseudociência dos gibis aí, gente!), e a simples existência de Alex impedia que o Faraó Vivo ficasse com toda energia cósmica para si e atingisse a plenitude dos seus poderes. Fazendo uso de um dispositivo especial o Faraó Vivo cortou o “fornecimento” de raios cósmicos para o irmão mais novo de Ciclope, e com toda a energia do espaço a sua disposição o vilão se transformou no Monólito Vivo, um poderosíssimo gigante de mais de dez metros de altura.

Capa de Uncanny X-Men #135 (1980), onde o desenhsita John Byrne prestou tributo a Neal Adams. Arte de John Byrne e Terry Austin.

Para desenhar essa aventura Neal Adams realizou uma intensa pesquisa sobre a arquitetura egípcia clássica, em especial sobre o sítio arqueológico de Abu-Simbel, que foi escolhido como cenário da aventura. Roy Thomas e Tom Palmer ficaram encantados quando as primeiras amostras do trabalho de Adams chegaram as suas mãos, porém o desenhista tinha mais uma “surpresa” na manga: para X-Men #56 ele elaborou uma brilhante e pouco usual capa onde os mutantes aparecem crucificados no logotipo da revista, que está prestes a ser esmagado pelo Monólito Vivo. Tudo muito lindo e belo, só que naquele período os editores de quadrinhos entendiam que o logotipo era o elemento mais importante de uma capa e o principal chamariz de venda de um gibi, e de forma alguma ele deveria ficar “escondido”. Resultado final: a capa feita por Adams foi rejeitada, e o artista foi obrigado a “despregar” os mutantes do logotipo. Ainda assim a capa refeita por Adams se tornou um clássico instantâneo e foi homenageada por John Byrne em The Uncanny X-Men #135 (1980), durante o auge da “Saga da Fênix Negra”.

Obviamente no transcorrer de X-Men #56 os heróis derrotaram o Monólito Vivo e libertaram Alex Summers, mas Roy Thomas e Neal Adams decidiram complicar um pouco mais a vida da superequipe, ao trazerem de volta entre as edições #57 e #59 de X-Men eles… os Sentinelas!

Três fatos curiosos

Saídos das mentes criativas de Stan Lee e Jack Kirby e estreantes em X-Men #14 (1965), os Sentinelas eram robôs gigantescos criados pelo cientista Bolivar Trask com o objetivo de conter a raça mutante, que no entendimento de Trask era uma possível ameaça para a Humanidade. Dotados de pensamento estratégico, os Sentinelas conseguiam se adaptar as habilidades dos mutantes que caçavam, mas rapidamente os robôs apresentaram uma falha na sua programação: eles “entenderam” que sua missão seria melhor cumprida com a dominação do planeta Terra e o eventual genocídio da população mutante, o que naturalmente os colocaram em rota de colisão com os X-Men.

Os discipulos do Professor X são caçados pelos Sentinelas na capa de X-Men #57 (1969). Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

Mais do que qualquer outro antagonista os Sentinelas explicitavam o subtexto da saga dos X-Men, já que os robôs eram a perfeita materialização do preconceito que grupos perseguidos sempre sofreram. Na sua volta patrocinada por Roy Thomas e Neal Adams os Sentinelas foram reconstruídos por Larry Trask (o filho do criador dos robôs), e três fatos curiosos merecem ser destacados neste embate dos X-Men com os seus algozes robóticos.

Alex Summers assume a alcunha heróica de Destrutor na capa de X-Men #58 (1969). Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

Primeiro fato curioso: Alex Summers foi capturado pelos Sentinelas, e visando o controle dos seus poderes em X-Men #59 o desagradável Larry Trask o botou dentro de um traje especial e lhe deu o pitoresco codinome de Destrutor. A indumentária do jovem irmão de Ciclope foi criada por Neal Adams com o objetivo de ser diferente dos típicos uniformes heroicos da época, sendo na prática um grande borrão negro que não exibia de forma detalhada os contornos da sua musculatura, mas que destacava no meio do seu peito círculos concêntricos que se expandiam quando ele manifestava os seus poderes.

Página extraída de X-Men #58 (1969), onde um aprisionado Alex Summers explica para o Homem de Gelo que Larry Trask o “batizou” com o nome de Destrutor. Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

Segundo fato curioso: a denominação heroica original de Alex Summers é “Havok”, palavra do Inglês arcaico cuja tradução quase literal seria “destruição”. Como bom professor de Literatura que era Roy Thomas a retirou da fala “Cry havoc and let slip the dogs of wars”, da peça teatral Júlio César, de William Shakespeare. Em tempo: este dito shakespeariano foi traduzido por José Francisco Botelho para a edição de Júlio César lançada no Brasil pela Companhia das Letras em 2018 como “Grita Matança e solta os cães da guerra”.

Capa de X-Men #59 (1969), onde um combalido Ciclope é o último x-man a enfrentar os Sentinelas. Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

Terceiro fato curioso: os Sentinelas foram derrotados após Ciclope explicar que a principal causa de mutações na Terra era a radiação solar. Fazendo uso de sua “vastíssima” inteligência artificial os robôs decidiram neutralizar o Sol e rumaram em sua direção, deixando tanto o nosso planetinha quanto os mutantes em paz. No final dos anos sessenta Chris Claremont era um jovem de dezoito anos e ainda estava longe de ser o maior escritor dos X-Men de todos os tempos, mas ganhava um dinheirinho trabalhando como assistente editorial da Marvel, e em algumas entrevistas o futuro roteirista afirmou que esse desfecho “peculiar” surgiu a partir de uma ideia que ele deu para Roy Thomas. De forma educada Thomas disse que não se lembra de nenhuma sugestão de Claremont, e quanto a Neal Adams… o desenhista tem quase certeza que foi da sua própria cabeça que saiu o “final solar” deste embate com os Sentinelas! Não sabemos quem está com a razão nesta polêmica…

Vampiro

Roy Thomas e Neal Adams queriam elaborar uma aventura de vampiro para os X-Men, mas eles esbarraram em um problema: o Comics Code Authority (órgão que durante anos regulou e eventualmente censurou a publicação de HQs nos Estados Unidos) tinha regras rígidas que proibiam o lançamento de histórias protagonizadas por sugadores de sangue. Entretanto… nada os impedia de criar um vilão “mais ou menos” parecido com uma criatura hematófaga, e eles seguiram em frente!

Destrutor ficou ferido no confronto com os Sentinelas, e em X-Men #60 a equipe mutante deixou o seu companheiro aos cuidados médicos do Doutor Karl Lykos, um antigo amigo do Professor X. Só que os heróis não tinham conhecimento de alguns fatos importantes sobre o passado do Doutor Lykos.

Cena de X-Men #60 (1969), onde após absorver as energias cósmicas do Destrutor o Doutor Karl Lykos se transforma em Sauron. Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

Durante uma expedição a Terra do Fogo (arquipélago localizado no extremo sul das Américas e próximo da Antártida) Karl Lykos foi atacado por pteranodontes (calma, mais para frente vamos explicar a presença desses bichos pré-históricos!) e sobreviveu, mas de uma forma desconhecida ele foi “infectado” pelos animais. Essa infecção desencadeou uma mutação em Lykos, tornando-o dependente da absorção da energia vital de seres vivos, e quando ele ficou diante de Alex Summers… o consumo da vitalidade cósmica do irmão de Ciclope imediatamente o transformou em uma maligna criatura reptiliana dotada de poderes hipnóticos autodenominada…. Sauron! Antes que nos perguntem: sim, o nome do novo adversário dos X-Men foi inspirado no grande vilão da trilogia literária O Senhor dos Anéis, de autoria de J. R. R. Tolkien.

O Anjo enfrenta Sauron no mano a mano na capa de X-Men #61 (1969). Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

Os heróis mutantes bateram de frente com Sauron em X-Men #61, e o acuado vilão rumou para a Terra do Fogo, onde em um momento de lucidez o Doutor Lykos tentou se matar pulando dentro de um precipício. Os X-Men precisavam resgatar o corpo do médico supostamente morto, e isso os levou para um território que eles já conheciam e para um confronto com o seu maior inimigo!

Terra Selvagem

O Anjo tomou a frente das busca por Karl Lykos, e de voo em voo foi parar na Terra Selvagem, que tinha como um dos seus líderes Kazar, um velho conhecido dos X-Men. Já ouviram falar da Terra Selvagem e de Kazar? Não? Façamos então algumas breves considerações sobre ambos…

Os díscipulos do Professor X ficam frente a frente com Kazar e Zabu na capa de X-Men #62 (1969). Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

A Terra Selvagem era uma misteriosa e inexplicada região de características tropicais e pré-históricas descoberta pelo explorador inglês Robert Plunder e localizada na Antártida. Ao adentrar nesse território junto com a sua família o destemido Plunder e sua esposa foram assassinados pelos nativos, e milagrosamente o seu filho de doze anos — chamado Kevin Plunder — sobreviveu e chacina, e num ambiente tão inóspito o garoto teria posteriormente morrido caso não tivesse sido adotado por Zabu, um tigre dente-de-sabre de inteligência quase humana. Ao se tornar adulto o pequeno Kevin adotou a alcunha de Kazar (“Filho do Tigre”, no idioma dos povos locais da Terra Selvagem) e se tornou uma das figuras mais proeminentes do território pré-histórico, e a sua estreia ocorreu justamente em uma aventura dos X-Men produzida por Stan Lee e Jack Kirby e publicada em X-Men #10 (1965). E, voltando ao Anjo e sua busca por Karl Lykos…

O Anjo é salvo por um misterioso cientista e de lambuja ganha um novo uniforme, em cena extraída de X-Men #62 (1969), que é um perfeito exemplo das diagramações audaciosas usadas por Neal Adams naquela época. Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

Ao adentrar na Terra Selvagem o mutante alado sofreu um grave acidente, e teve sua vida salva por um grisalho e misterioso cientista, que aproveitou a deixa para jogar fora o espalhafatoso uniforme do Anjo e lhe conceder um novo e elegante traje. Essa troca de roupa foi arquitetada por Neal Adams, que segundo suas próprias palavras “tinha em mente um pássaro com peito branco (…) como se fosse uma espécie de águia”, e rapidamente esta indumentária se tornou historicamente o visual mais identificado com o personagem, porém… o que importa mesmo é que o “grisalho e misterioso cientista” que resgatou o Anjo na verdade era Magneto, o maior e mais perigoso inimigo dos X-Men!

Capa de X-Men #63 (1969), onde ao lado de Kazar os heróis mutantes enfrentam Magneto. Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

Magneto era um poderoso terrorista mutante que manipulava fluxos magnéticos e tinha controle psiônico sobre metais, e o seu desejo de dominar a Humanidade para garantir a sobrevivência da sua espécie o colocou em oposição aos X-Men desde o lançamento do gibi da equipe, em 1963. Dentro da complexa saga dos heróis mutantes Magneto muitas vezes se aliou aos discípulos do Professor X, mas entre as edições #62 e #63 de X-Men o Mestre do Magnetismo estava na Terra Selvagem com o propósito de realizar experiências genéticas com os nativos e criar um exército de seres superpoderosos para a obtenção da dominação mundial. Kazar e os X-Men reuniram suas forças e juntos derrotaram o vilão, e na volta para a civilização os heróis se depararam pela primeira vez com um futuro companheiro de equipe.

Ódio pelo Ocidente

Neal Adams tirou uma merecida folga em X-Men #64, edição que foi desenhada por Don Heck e que trouxe um novo adversário para o time mutante: o anti-herói japonês Solaris!

Os X-Men encaram o mutante japonês Solaris em Washington na capa de X-Men #64 (1969). Arte de Sal Buscema e Tom Palmer.

Filho de uma sobrevivente do holocausto atômico de Hiroshima, Shiro Yoshida era um mutante capaz de gerar plasma incandescente e de voar, e por causa do que ocorreu com sua mãe ele nutria um profundo ódio pelo Ocidente, ódio que era constantemente alimentado por Tomo Yoshida, o seu tio. Para dar vazão a tanta raiva Solaris decidiu atacar Nova York e Washington e encarou os X-Men, só que para a sua infelicidade em meio a batalha o embaixador japonês Saburo Yoshida — que por acaso era o seu pai — foi morto por Tomo Yoshida. Profundamente arrependido de seus atos violentos, Solaris renunciou a sua animosidade aos países ocidentais e voltou para o Japão.

Página de abertura de X-Men #64 (1969), onde o mutante japonês Solaris ameaça a cidade de Nova York. Arte de Don Heck e Tom Palmer.

Em X-Men #64 Don Heck fez o possível e o impossível para mimetizar o estilo artístico de Neal Adams, e criou o visual de Solaris tendo como referência a Bandeira do Sol Nascente, um símbolo hoje contestado por estar associado a massacres praticados pelo Japão durante Segunda Guerra Mundial. A ideia do mutante nipônico rondava na cabeça de Roy Thomas desde a a sua primeira primeira passagem pelo título mutante e o escritor pretendia torná-lo membro fixo dos X-Men, todavia sem maiores explicações Stan Lee vetou o uso regular de Solaris, que só veio a aparecer de fato em 1969. Tal veto ocorreu por que o polêmico personagem odiava os Estados Unidos? Por que Lee entendia que seria melhor manter a estrutura original da equipe mutante? Ou será por causa da ascendência asiática de Shiro Yoshida? Eis aqui um conjunto de questionamentos sem respostas, todavia em um futuro não muito distante Solaris voltaria a dar as caras nas aventuras dos X-Men e… por acaso a próxima história dos mutantes traria a importante volta de uma pessoa muito querida para eles!

De volta do Mundo dos Mortos

Neal Adams queria conceber sozinho o plot de uma aventura da equipe mutante, e com a permissão de Roy Thomas isso foi feito em X-Men #65, que teve os diálogos escritos por Denny O’Neil, parceiro habitual do desenhista na DC Comics. Na história trazida neste gibi logo de cara um sujeito supostamente morto ressurgiu diante dos seus alunos: o bom e velho Professor X! Como assim? Vamos elucidar as coisas, então…

Capa de X-Men #65 (1970), onde os heróis mutantes enfrentam os Z’Nox. Arte de Marie Severin e Tom Palmer.

Durante a sua primeira passagem pelo gibi dos mutantes Roy Thomas tentou chacoalhar as coisas ao fazer com que o Professor X falecesse em um confronto com a aberração subterrânea chamada Grotesko em X-Men #42 (1968). Com o propósito de novamente surpreender os fãs Neal Adams trouxe de volta do Mundo dos Mortos o mentor dos X-Men, fazendo uso de uma explicação interessante: a morte de Charles Xavier era um engodo, já que através de suas habilidades telepáticas o geneticista descobriu que a Terra estava prestes a ser invadida pelos Z’Nox, uma belicosa raça extraterrestre. Como o Professor X precisava de um tempo de preparação para a vinda dos Z’Nox ele pediu que o mutante chamado Morfo (capaz de assumir a forma de qualquer pessoa) o personificasse temporariamente, e foi o seu “irmão gêmeo” que morreu em X-Men #42. Todavia, o tempo se esgotou e com a chegada dos alienígenas Charles Xavier precisava se reunir com seus alunos.

Cena de X-Men #65 (1970), onde fazendo uso dos seus poderes telepáticos o Professor X reúne a força de vontade coletiva da Humanidade contra os Z’Nox. Arte de Neal Adams e Tom Palmer.

Os heróis travaram um encarniçada batalha contra os Z’nox, que foi concluída após a intervenção do Professor X, que fazendo uso dos seus dons psíquicos reuniu a força de vontade coletiva da Humanidade em um devastador ataque telepático que afugentou os invasores extraterrestres. Contudo, o custo da vitória foi alto: devido ao enorme esforço mental Charles Xavier entrou em um coma profundo.

E assim… em X-Men #65 Neal Adams encerrou a sua passagem pelas aventuras dos discípulos de do Professor X, mas… junto com os artistas Sal Buscema e Sam Grainger o sempre agradável Roy Thomas ainda tinha algo para falar sobre esses personagens!

Na edição #66 de X-Men os mutantes descobriram a existência de um dispositivo eletrônico criado pelo cientista Bruce Banner que poderia despertar o Professor X do seu torpor. Para recuperar o artefato em questão a equipe se viu obrigada a encarar o Hulk, o esverdeado e furioso alter ego de Bruce Banner, e apesar de alguns percalços no final das contas Charles Xavier foi curado.

Os alunos de Charles Xavier enfrentam o Hulk na capa de X-Men #66 (1970). Arte de Marie Severin e Sam Grainger.

E aí… no final das contas… a despeito do empenho de Roy Thomas, Neal Adams, Tom Palmer e mesmo de Denny O’Neil, Don Heck, Sal Buscema e Sam Grainger a revista bimestral dos X-Men foi cancelada no começo de 1970.

Contudo… será que gibi dos mutantes foi mesmo cancelado? A resposta precisa para essa pergunta seria: mais ou menos!

Entre 1970 e 1974

Nas décadas de sessenta e setenta as editoras americanas de quadrinhos tinham enormes dificuldades em medir os números de vendas dos seus gibis, e com sorte elas os obtinham quatro ou cinco meses depois de uma revista ter chegado nas bancas. Inicialmente os executivos da Marvel entenderam que o trabalho de Roy Thomas e Neal Adams não gerou resultados positivos e sem dó nem piedade “passaram o facão” na revista dos alunos do Professor X, só que ao se depararem com os gráficos de venda de X-Men meses depois do seu cancelamento eles perceberam um aumento da popularidade dos heróis mutantes.

Capa de Captain America and the Falcon #173 (1974), onde ao lado do Capitão América e Falcão os X-Men enfrentam a S.H.I.E.L.D. Arte de Gil Kane, John Romita Sr. e Frank Giacoia.

Não dava para desperdiçar o hype em cima dos mutantes, porém Roy Thomas e Neal Adams foram destacados para outros projetos, e uma solução precisava ser encontrada. A saída escolhida pelo corpo editorial da Casa das Ideias foi relançar X-Men no segundo semestre de 1970 a partir do número em que a revista parou, mas… para economizar uns trocados foi decidido que em seu relançamento a gibi traria apenas republicações de material antigo.

Capa de Amazing Adventures #11 (1971), que marcou a estreia de uma versão mais animalesca do Fera. Arte de Gil Kane e Bill Everett.

Entre 1970 e 1974 os X-Men reviveram velhas aventuras na sua revista bimestral, mas tiveram ali e acolá participações especiais em outras séries da Marvel, com destaque para a saga “Império Secreto”, produzida por Steve Englehart e Sal Buscema e publicada em 1974 entre as edições #169 a #176 de Captain America and the Falcon, onde os mutantes se aliaram ao Capitão América e Falcão na luta contra uma conspiração nascida nos salões da Casa Branca. Por outro lado em 1971 pelas mãos de Gerry Conway, Tom Sutton e outros o Fera ganhou um conjunto de aventuras individuais lançadas entre os números #11 e #17 de Amazing Adventures, que para a surpresa dos leitores mostrou o antigo pupilo de Charles Xavier transformado num gorila peludo de orelhas pontudas e cabelo eriçado, que posteriormente que se tornou membro oficial dos Vingadores em Avengers #151 (1976).

Nessa época Roy Thomas acalentava a ideia de produzir histórias inéditas dos X-Men, que voltariam vestindo roupas civis e vivendo aventuras mais realistas. Este plano foi parcialmente testado por Gerry Conway e Gil Kane em Marvel Team-Up #4 (1972), que apresentou um encontro do Homem-Aranha com os mutantes, mas as coisas em relação aos heróis quase esquecidos só mudariam um pouco mais para frente.

Capa de Marvel Team-Up #4 (1972), onde os X-Men tiveram um pequeno desentendimento com o Homem-Aranha. Arte de Gil Kane e Frank Giacoia.

No glorioso ano de 1974 Roy Thomas era o substituto de Stan Lee na chefia editorial da Casa das Ideias, que tinha um novo presidente, no caso o empresário Al Landau. Em uma reunião de trabalho Landau falou para Thomas que a Marvel estava faturando uma bela grana com o licenciamento de suas revistas no exterior, e que talvez fosse uma boa ideia a criação de super-heróis estrangeiros para consolidar esta base de fãs fora dos EUA. Ao ouvir o relato de Landau uma lâmpada imaginária se acendeu na cabeça de Thomas, e ele se lembrou dos Falcões Negros, um grupo de aviadores publicados pela Quality e DC Comics. Não foi difícil para Thomas imaginar que dentro do estilo dos pilotos aéreos criados por Will Eisner os X-Men poderiam ser reformulados como uma equipe multinacional e multiétnica, e com esse propósito ele convocou o editor e roteirista Len Wein e o desenhista Dave Cockrum para elaborarem uma proposta para os alunos do Professor X.

Depois de muitos rascunhos de scripts e desenhos Len Wein e Dave Cockrum chegaram a uma nova equipe, que tinha entre seus membros: um canadense baixinho e invocado (Wolverine); uma africana que acreditava ser uma deusa do clima (Tempestade); um acrobata e teleportador alemão de pele azulada (Noturno); um jovem soviético capaz de transformar seu corpo em aço orgânico (Colossus); e um nativo americano dotado de força e resistência sobre-humanas (Pássaro Trovejante). Também foram resgatados e adicionados a renovada equipe um irlandês imbuído de poderes sônicos (Banshee) e um certo japonês de cabeça quente (Solaris), e toda essa nova turma foi apresentada por Wein e Cocrkum aos leitores em 1975 no gibi Giant-Size X-Men #1. E então a História — com “H” maiúsculo” mesmo — do quadrinho americano de super-heróis mudou para sempre!

Um dia quem talvez contemos essa História em nosso humilde blog…

Amor pelo trabalho de Roy Thomas e Neal Adams

Na segunda metade da década de setenta e nos anos oitenta ao lado de parceiros criativos como Dave Cockrum, John Byrne, Paul Smith, John Romita Jr., Marc Silvestri, Jim Lee e outros o roteirista Chris Claremont transformou os X-Men na força dominante do mercado americano de quadrinhos, mas de vez em quando a fase em que as aventuras dos mutantes foram produzidas por Roy Thomas e Neal Adams foi revisitada, e vamos agora nos recordar de algumas desses momentos.

Capa de X-Men: Hidden Years #1 (1999), onde John Byrne celebrou a sua paixão pelo trabalho de Roy Thomas e Neal Adams. Arte de John Byrne.

Muita gente considera John Byrne o melhor e mais importante desenhista dos X-Men de todos os tempos, e o quadrinista anglo-canadense nunca escondeu de ninguém que Neal Adams é uma das maiores influências na sua carreira. Com o propósito de demonstrar o seu amor pelo trabalho de Roy Thomas e Neal Adams o não-muitas-vezes-simpático Byrne idealizou a série mensal X-Men: Hidden Years, lançada no final de 1999 e cujas histórias principiavam justamente pelo final mostrado em X-Men #66.

Com o propósito de tornar a homenagem mais ainda completa John Byrne convidou Tom Palmer para a arte-final, e sua intenção era preencher dentro do possível todos os “espaços em branco” na mitologia dos X-Men entre 1970 e 1974. X-Men: Hidden Years trazia boas histórias e até vendia bem, mas ao assumir o cargo de editor-chefe da Marvel em 2000 o quadrinista Joe Quesada entendeu que a editora tinha títulos mutantes em excesso, e sem muita delicadeza o projeto de John Byrne foi cancelado em 2001 após o lançamento da vigésima segunda edição. Byrne ficou furioso com o cancelamento, e na prática X-Men: Hidden Years foi o seu último trabalho profissional para a Casa das Ideias.

Capa das quatro edições de X-Men: First Class Finals (2009), que juntas formam um único painel. Arte de Roger Cruz.

Entre 2006 e 2009 o escritor Jeff Parker e o artista brasileiro Roger Cruz produziram três minisséries que recontavam de forma muito livre o início da carreira heroica dos alunos de Charles Xavier, e a última delas — batizada com o nome de X-Men: First Class Finals — em seus quatro capítulos mostrou a última aventura de Ciclope, Garota Marvel, Anjo e Homem de Gelo antes dos eventos mostrados em Giant-Size X-Men #1.

Capa de Savage Hulk #1 (2014), onde Alan Davis presta o seu tributo a Roy Thomas e Neal Adams. Arte de Alan Davis e Mark Farmer.

Em 2014 o quadrinista britânico Alan Davis prestou o seu tributo a Roy Thomas e Neal Adams nas quatro primeiras edições de Savage Hulk, onde o confronto do Gigante Esmeralda com os os heróis mutantes mostrado em X-Men #66 foi expandido, com os acréscimos dos vilões Abominável e Líder e com a “hulkificação” — ainda que temporária — da Garota Marvel. Resumindo tudo: o legado de Thomas e Adams ainda repercute — e muito! — dentro da mitologia dos X-Men e da própria Marvel!

Caminhos distintos

Após o término da sua passagem por X-Men os talentosos Roy Thomas e Neal Adams (com o auxílio luxuoso de Gerry Conway) trabalharam juntos em 1971 na produção de aventuras dos Inumanos, lançadas entre a quinta e oitava edições de Amazing Adventures. A dupla se reuniu novamente (devidamente acompanhada pelos irmãos Sal e John Buscema) na “Guerra Kree-Skrull”, uma saga intergalática publicada nos anos de 1971 e 1972 entre os números #89 e #97 de Avengers, onde os Vingadores se envolveram num perigoso conflito com as duas raças alienígenas mais perigosas da Marvel. Mais adiante em 1974 Adams desenhou o roteiro de Thomas para Conan the Barbarian #34, além de eventualmente elaborar capas e ilustrações para esta revista e para Savage Sword of Conan, que eram escritas e editadas por Thomas. E então seus destinos profissionais tomaram caminhos distintos.

Capa de Alter Ego #163 (2020), revista especializada em quadrinhos editada por Roy Thomas, que neste edição prestou tributo a Dave Cockrum, o desenhista que ajudou a criar a nova versão dos X-Men. Arte de Dave Cockrum.

Pelo fato de ser um pioneiro da segunda geração de quadrinistas americanos — uma rapaziada que cresceu consumindo uma dieta pesada de comic books e surgiu profissionalmente na primeira metade da década de sessenta — e principalmente pela qualidade dos seus textos Roy Thomas é tido como uma lenda viva do quadrinho americano, e hoje ele divide o seu tempo entre a edição profissional do seu antigo fanzine Alter Ego (dedicado ao resgate histórico de artistas clássicos e HQs produzidas entre os anos trinta e setenta), a escrita de livros sobre a história da Nona Arte nos EUA e a eventuais roteiros de gibis ali e acolá. Em contrapartida no começo dos anos oitenta Neal Adams quase desenhou a celebrada graphic novel X-Men: Deus Ama, o Homem Mata, porém divergências contratuais com a Marvel o fizeram desistir desse trabalho. Isso não impediu o traço de Neal Adams de influenciar milhares de quadrinistas mundo afora, e dificilmente uma lista com os maiores desenhistas de super-heróis de todos os tempos não terá o seu nome nas primeiras posições. Porém… de vez em quando até mesmo lendas brigam umas com as outras.

Página elaborada por Neal Adams no início dos anos oitenta como proposta para a graphic novel X-Men: Deus Ama o Homem Mata.

Na eminência do lançamento dos filmes Capitã Marvel e Vingadores: Ultimato de forma pouco delicada Neal Adams revindicou para si os créditos integrais pelos roteiros da “Guerra Kree-Skrull”, obra que influenciou essas películas cinematográficas. Roy Thomas ficou irritado com as declarações de Adams, e uma longa discussão entre eles sobre o tema foi travada pela internet. De palavras ásperas em palavras ásperas até mesmo os termos da colaboração deles em X-Men foram questionados, e infelizmente em meio a esta querela dois passamentos ocorreram.

Em 28 de abril de 2022 uma infecção generalizada retirou Neal Adams de nosso convívio para sempre. No dia 18 de agosto do mesmo ano Tom Palmer — considerado por muitos o melhor arte-finalista que Adams teve — também nos abandonou de forma definitiva. Roy Thomas lamentou a passagem de Adams com um belo texto enviado para a imprensa, onde afirmou que apesar das rusgas que tiveram o legado dele para os quadrinhos era inquestionável, assim como o respeito mútuo entre ambos, tanto que a última vez em que eles se encontraram foi durante o lançamento de Vingadores: Ultimato, onde tiveram a oportunidade de se cumprimentarem amistosamente. E diante desse fato somos obrigados a afirmar que a despeito que qualquer atrito que tenha ocorrido entre eles os seus trabalhos conjuntos continuarão a entreter milhares de leitores mundo afora por muito, muito tempo!

Capa dupla desenhada por Neal Adams no final dos anos noventa para o encadernado Marvel Visionaries: Neal Adams, que reuniu as aventuras produzidas por ele em parceria com Roy Thomas.

E então é isso… chegamos ao fim de mais um textão e… ops, é a nossa obrigação passar aqui informações cruciais para os consumidores ávidos do papel colorido dos gibis antes de terminarmos!

▣ A clássica fase dos X-Men concebida por Roy Thomas e Neal Adams foi parcialmente publicada no Brasil em 1987 entre as edições #94 e #96 de Capitão América, nos números #16, #17, #18 e #19 de X-Men (1990) e em O Incrível Hulk #96 (1991), todas da Editora Abril. Em 2008 a Panini reuniu essas aventuras — exceto as desenhadas por Sal Buscema e Don Heck — no encadernado Os Maiores Clássicos dos X-Men #5. Mais adiante em 2016 a Salvat agregou todas as aventuras desse histórico período nos volumes #15 e #16 da série A Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel — Clássicos, e o mesmo fez a Panini em 2022 na luxuosa edição Os Fabulosos X-Men: Edição Definitiva — Vol.03.

▣ No Brasil X-Men: Hidden Years ganhou o nome de X-Men: Anos Incríveis, e teve seus doze primeiros números publicados por aqui em 2001 pela Editora Abril entre os números #6 e #16 da revista X-Men, da Linha Premium. A Panini prometeu relançar a série de forma integral por aqui em 2023 na edição especial X-Men: Tesouros Ocultos.

▣ A minissérie X-Men: First Class Finals chegou ao público brasileiro através da revista X-Men Anual #6, lançada pela Panini em 2011.

▣ Em 2015 os quatro primeiros números de Vingadores: Os Heróis Mais Poderosos da Terra trouxeram o encontro dos X-Men com o Hulk reimaginado por Alan Davis.

E agora… após uma exaustiva porém necessária jornada em torno do trabalho de Roy Thomas e Neal Adams gostosamente falamos:

E TENHO DITO!

Para saber mais:

Grand Comics Database: X-Men (1963)

DK Publishing: Marvel Year by Year, a Visual History

Twomorrows: American Comic Book Chronicles — The 1960s — 1960–1964

Twomorrows: American Comic Book Chronicles — The 1960s — 1965–1969

Twomorrows: Entrevista de Neal Adams para a Comic Book Artist #3

Tom Brevoort: Entrevista de Roy Thomas

Byrne Robotics: John Byrne fala sobre X-Men: Hidden Years

Comic Book Resources: Alan Davis fala sobre Savage Hulk

Bleeding Cool: a briga de Roy Thomas com Neal Adams

The Hollywood Reporter: Roy Thomas presta tributo a Neal Adams

The Comics Journal: obituário de Neal Adams

Comic Book Resources: obituário de Tom Palmer

Estadão: as dificuldades na tradução de Shakespeare

BBC: A Bandeira do Sol Nascente

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Claudio Basilio
sobrequadrinhos

Apenas um rapaz latino-americano que gosta de falar de Quadrinhos e Cultura Pop. E de outros assuntos também!