Considerações sobre música

Deive Leal
Social Dart Science
3 min readAug 21, 2020

O que nos impulsiona quando ouvimos uma música? Por que queremos movimentar nossos corpos? Por que o coração se agita, seja pela tristeza intrínseca à algumas memórias, efeito do momento, ou com esfuziante ímpeto energético? A música nos instiga a imaginação, nos faz levantar voos em pensamentos e lembranças. Parece haver algo de mágico nos sons produzidos. Características especiais que elevam ou destroem o espírito e carregam as sensações humanas de lugar a lugar.

Claude Lévi-Strauss - antropólogo francês e um grande pesquisador, entre outras temáticas, da estrutura dos mitos - para entender a lógica por trás da mitologia não se esquivou e ignorou as músicas, tal a influência de um sobre o outro, “a Relação entre mito e música… (contém) Dois tipos de relação — uma de similaridade e outra de contiguidade — e de que, na realidade, eles eram de facto o mesmo.” (LÉVI-STRAUSS, 1978), ou seja de que são similares e coexistem na mesma estrutura. Olhando através de um viés mais religioso a música, com letras ou instrumental, parece conectar as ações humanas quando estas se elevam em direção ao desconhecido, em direção ao divino.

Com isso em mente, observamos que Lévi-Strauss compara o mito com a partitura musical:

“É impossível compreender o mito como uma sequência contínua. Temos de aprendê-lo como uma totalidade e descobrir que o significado básico do mito não está ligado à sequência de acontecimentos, mas antes, se assim se pode dizer, a grupos de acontecimentos, ainda que tais acontecimentos ocorram em momentos diferentes da História. (1978)”

Se esta ligação já é algo realmente concreto, e por isso mesmo com intenso valor, por que numa concepção mais pluralista a música em suas variadas expressões não podem conter os mesmos “elementos sobrenaturais” de uma música criada para a adoração ou contemplação do divino? Sob o meu olhar, a resposta é positiva. Que ela não apenas pode, mas que realmente contém, que é por ter características duais que agradam tanto ao profano quanto ao sagrado.

Porém, destaca-se, devido a esse viés mais humano e, portanto, menos sacro, termina-se por ser desqualificada e “transformada” em mundana ou profana, que em via de regra todas o são, e tolhem-na dessas características intrínsecas, mas que para um observador “de fora” ainda estão presentes. São apenas negadas.

Um novo dia já nasceu.
É bom sentir os pés no chão
E saber que ainda estás aqui.

Com minhas mãos, eu toco o céu,
Enquanto elevo o coração.
E posso dizer: sou livre sim.
(Rosa de Saron)

A criação da obra artística sonora realizada pelo compositor faz interlocução, em alguma medida, com sua vontade interior de alcançar o intangível, seja na figura de alguma divindade, do amor erótico, adoração, revolta pelo cotidiano observado, tristezas impostas pelo cotidiano ou outros.

Ao conseguir entregar uma interconexão dos sentidos com o intangível, algumas composições obtém uma vestimenta que, mesmo no transcorrer dos anos, não perde a vivacidade. Abarcando assim uma gama de ouvintes intergeracionais e não ficando paralisada no momento específico de sua criação.

A ligação da arte ouvida com o intangível é a sacralização da música. Os elementos são interligados de tal maneira que não mais pertencem unicamente ao compositor, mas ganham a atenção e o coração dos “fiéis”. Dando à humana criação uma face mítica que rompe o invólucro do tempo e espaço e conversam com outras músicas e sentimentos.

*Atualizado em 23 de agosto de 2020.

Bibliografia:

LÉVI-STRAUSS, C. Mito e Significado.Lisboa, Edições 70, 1978

_________________.Olhar, Escutar, Ler. São Paulo, Cia. Das Letras, 1997

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Deive Leal
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