Acabou a corrupção, ou mais um dia qualquer de ilusão.

Deive Leal
Socialidade
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3 min readOct 16, 2020

Era um dia como qualquer outro. Como tem sido os últimos meses. Afinal, estamos com uma pandemia em curso e os dias acabam se assemelhando a um dia a dia sem fim, seja em casa ou no trabalho. Nesse dia, nada especial, sou pego de surpresa pela notícia: “Acabou a corrupção”, disse o presidente em um pronunciamento. “Como assim?” Me pego pensando. “Quer dizer que não há nenhum tipo de tramoia no governo?” Sigo em pensamento.

É tão inacreditável que preciso entender o contexto da fala. É uma notícia boa demais para ser ignorada. E está lá, com todos os requintes que deve ter. O presidente, com todo orgulho, fala em alto e bom som, que finalizou uma das maiores operações contra a corrupção no país, porque estamos livres desse mal. Acabou com a operação do ministério público porque não havia mais sentido em continuar.

Não teve como não associar àqueles panfletos religiosos que divulgam e trazem na imagem da capa o desejo de um mundo perfeito. De um mundo onde todos são igualmente tratados. Uma espécie de mundo mítico, em que não basta apenas ser bom, mas que chega ao ponto da impossibilidade, por ser tão ideal. Eles eu entendo perfeitamente. Há um grau de esperança lançada para a alma de quem lê. Mas isto vindo de um presidente de um estado laico?

Sigo refletindo: será que conseguimos? Depois de tantos problemas? Alguns deles envolvendo até mesmo o presidente que deu a notória notícia? São tantas as perguntas e uma profunda sensação de querer ser verdade que me pego rindo. E sigo rindo sem conseguir parar. Ainda sem acreditar, seja na notícia, seja no presidente que a divulgou.

I’m sorry! I don’t want to say this. É o que eu gostaria de ter ouvido logo depois. Ou que era uma brincadeira com a ação, já que tanto ele havia sugado dela no seu período de campanha. Levantando a bandeira da moral e se apoiando na operação em sua plataforma eleitoral. Mas não. Ele falava sério.

Eu queria muito acreditar no que ele falava, mas como posso se à alguns meses atrás filhos e amigos eram, e são, investigados por procedimentos de igual linha. Como acreditar, se pessoas do seu círculo íntimo receberam dinheiro direcionado para saúde designaram para outro destino e, assim, configurou desvio de finalidade. Que amigos que sumiram, quando precisavam prestar depoimento, atravessam paredes e aparecem na casa do advogado de um de seus filhos. Mas não. ele falava sério.

Eu segui querendo acreditar, que o presidente que aparelha o estado de acordo com seus propósitos pessoais, estava sendo honesto. Que o presidente que está sendo investigado por interferir na polícia federal, estava sendo honesto. Mas o que acontece é que não dá.

E ele falava sério. Cheio de orgulho, e de mentiras, falava sério. E eu, continuava rindo, já que não podia fechar os olhos para o que está na frente de quem quiser ver. E ria, e o presidente mentia. E a gente seguia.

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Deive Leal
Socialidade

Data Engineer, Social Scientist and poetry in free time.