Chesterton e a guerra

Contra o pacifismo e o militarismo. Pelos mesmos motivos.

Sociedade Chesterton Brasil
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7 min readApr 24, 2017

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Por Pedro Erik Carneiro

Meu catolicismo é de berço, mas ele renasceu sorridente e pronto para a luta quando li Ortodoxia de G.K. Chesterton. A partir desse momento, eu sempre levei Chesterton comigo, seja na minha vida pessoal ou na minha carreira acadêmica.

No meu livro Teoria e Tradição sobre Guerra Justa: Do Império Romano ao Estado Islâmico , Chesterton aparece na conclusão do livro falando sobre guerra e vontade e conduz o leitor a São Lourenço de Brindisi, que tratou do mesmo tema. A citação de Chesterton que uso, como é comum a ele, é genial e atinge o coração do debate sobre as guerras: será possível acabar com as guerras? Chesterton responde:

“Eu não consigo ver como nós podemos literalmente acabar com a Guerra sem acabar com a Vontade. Eu não acho que a guerra seja em algum momento impossível; e eu digo isso não porque eu seja o que as pessoas chamam de militarista, mas porque eu sou um revolucionário. Proibir completamente a luta é proibir o que nossos pais chamaram do ‘direito sagrado de insurreição’. Insurreição contra algumas decisões que não respeitem a humanidade, evitando apelar para a sorte ou para a morte.”

Dale Alhquist, presidente da American Chesterton Society, lembrou que Chesterton era um inimigo vigoroso do pacifismo, pois ele acreditava no direito e no dever sagrado de autodefesa e de defesa dos outros. Também lembrou que Chesterton combatia o militarismo, aquela sede de conquista tirânica. Chesterton, inclusive, via semelhanças entre pacifismo e militarismo, pois na base das duas doutrinas está a ideia de que o forte não deve ser combatido.

A American Chesterton Society considera que a melhor biografia de G.K. Chesterton foi escrita por Maisie Ward, em 1943, poucos anos após a morte de Chesterton (1936). A biografia de Maisie Ward, chamada simplesmente de Gilbert Keith Chesterton, é a única biografia autorizada de Chesterton. Ward era filha de escritores católicos, amigos pessoais de Chesterton. E Ward conhecia muitos amigos de Chesterton para relatar vários fatos de sua vida, desde a infância, incluindo a própria esposa de Chesterton, Frances Blogg. Apesar de a esposa de Chesterton ter dito a Ward para não lhe perguntar sobre “Gilbert”, pois a fazia chorar.

Em termos pessoais, cabe dizer que Ward foi enfermeira durante a Primeira Guerra Mundial. Ela conheceu de perto a guerra e seus efeitos nos seres humanos.

No seu livro, Ward esclarece que quando começou a Primeira Guerra Mundial, Chesterton estava super atarefado com trabalho e muito angustiado em um caso jurídico do seu irmão mais novo, Cecil Chesterton, que era jornalista e se envolveu no que ficou conhecido como Escândalo Marconi. Cecil corria o risco de ser preso e isso atingiu muito Chesterton, que ficou muito doente ao final de 1914. Cecil, inclusive, foi ferido em combate na Primeira Guerra e morreu por conta dos ferimentos na França, em 1918.

O próprio Chesterton lembrou de sua doença no início da Primeira Guerra, em seu livro Autobiografia, que não é um livro de biografia tradicional, é mais uma coletânea de textos em que Chesterton comenta partes de sua vida em meio a várias considerações sobre artes e escritores. No capítulo chamado “The Shadow of the Sword”, Chesterton conta que, imediatamente após o início da Primeira Guerra, ele ficou muito doente, e essa doença lhe tirou de circulação por meses. Conta que a última coisa que fez antes de ficar acamado, mas já muito doente, foi ir para Oxford para uma palestra com estudantes na qual defendeu a participação da Inglaterra na guerra. Essa palestra foi terrível para ele pelo estado de saúde em que ele se encontrava. Ele se declara orgulhoso de ter escrito os livros “Barbarism of Berlin” e “The Crimes of England” durante a guerra. Neste último, ele mostra que os crimes do imperialismo inglês são bem menores frente aos crimes do Império Alemão.

Chesterton apoiou firmemente a guerra contra os alemães na Primeira Guerra, ele via Inglaterra como uma defensora “da Europa e da sanidade”. Ward diz que, durante a guerra, Chesterton insistia nos fatos. A Alemanha tinha quebrado um acordo com a França e a tinha atacado e não o contrário. A Alemanha também tinha invadido a Bélgica, para seguir um plano militar chamado Plano Schlieffen, quebrando um acordo de 1839, e cometendo o conhecido Rape of Belgium, nome dado às atrocidades dos alemães contra a população civil da Bélgica. Chesterton recriminava o que chamava de “prussianismo” na Alemanha, que sujeitava os tratados diplomáticos às “necessidades da Alemanha”.

Chesterton não superestimava fatores materialistas tão caros a comunistas como razões para a guerra. Mas guerra, para ele, era resultado do fator que determina a humanidade: o livre arbítrio. Nesse sentido, a guerra era resultado do livre arbítrio se distanciando de Deus, em favor de outros deuses, que podem ser o dinheiro ou o poder.

O fim da Primeira Guerra não significou o fim da guerra na cabeça de Chesterton. Dale Alhquist escreveu sobre isso e ressaltou que Chesterton previu a ocorrência da Segunda Guerra, ao mesmo tempo que condenava o pacifismo internacionalista, que é visto nos dias de hoje na Organização das Nações Unidas e na União Europeia. Disse Alhquist:

G.K. Chesterton argumentou que o armistício de 1918 não era uma paz, mas uma trégua. Menos de quinze anos mais tarde, ele viu que a trégua estava desmoronando, que o mundo se dirigia para uma nova guerra, uma guerra horrível, pior do que a primeira, e que começaria na fronteira polonesa…

…Chesterton não só prevê o início da nova guerra, mas muitas coisas que aconteceriam depois da guerra, incluindo eventos em nossos dias. ‘As perspectivas na Europa são escuras’, escreve ele, ‘e parece que os pacifistas conseguirão arrastar todos nós para a guerra’. Por pacifistas, ele quer dizer os internacionalistas que querem criar uma ‘união’ artificial de nações, negando a autonomia e o caráter nacional, sob a ilusão de que isso acabará com as hostilidades. Chesterton diz que isso só criaria hostilidades, e são os internacionalistas que intervêm com força em todas as outras nações. O internacionalismo é contra as nações. Na época de Chesterton, era a Liga das Nações. No nosso tempo, são as Nações Unidas e a União Europeia.

Os internacionalistas na época de Chesterton estavam pateticamente tentando pacificar dois impérios que estavam se tornando monstros. O primeiro deles foi a Alemanha nazista (que segundo Chesterton não passava de uma continuação do império prussiano), a segunda era a União Soviética. O resto da Europa e da América assistiram em uma espécie de atordoamento quando essas duas bestas devoraram a Polônia.

A parte mais interessante e mais arrepiante (…) é a opinião de Chesterton sobre Hitler. Ele começa com a observação um tanto franca que a coisa mais estúpida feita nos últimos dois ou três séculos foi a aceitação pelos alemães da Ditadura de Hitler. O desejo pelo homem forte, como Chesterton indicara há muito tempo, é em si um sinal de fraqueza, e um sistema construído sobre o homem forte é algo que não pode ser sustentado.

O crescimento do protestantismo na Alemanha levou a um distanciamento estranho e constante da Igreja universal da cristandade e um abraço das ideias do Antigo Testamento, particularmente a antiga história da Aliança com Israel. Assim, os alemães cresceram cada vez mais no clima de ver sua religião como uma religião mística da raça. Inflamados pela retórica de Hitler, começaram a se ver como o novo povo escolhido, uma ironia que Chesterton resume com ‘O judaísmo de Hitler’.

(…) A religião de Raça era ‘Antropologia enlouquecida’. Significa ‘procurar eternamente seus compatriotas nos países de outras pessoas’.[1]

Por ser um grande escritor, não se pode relacionar Chesterton com guerras sem mencionar dois famosos poemas dele: “The Ballad of the White Horse” eLepanto”. O escritor Joseph Pearce disse, no seu livro “Catholic Literary Giants”, que “The Ballad of the White Horse” capturou a imaginação de toda uma geração e influenciou muitos escritores, como J.R.R Tolkien, autor da saga “O Senhor dos Anéis” e que se Chesterton tivesse escrito apenas o poema “Lepanto” já poderia ser considerado um poeta gigante, pois, em “Lepanto”, Chesterton atingiu o ápice da retórica.

Finalmente, o que diria Chesterton sobre o terrorismo islâmico que assola nossos dias? Esse terrorismo, que martiriza cristãos fora e dentro da Europa, tem especial predileção em atacar as celebrações e instituições europeias, como feirinhas de Natal na Alemanha, comemoração da Queda da Bastilha na França e o Parlamento Britânico. Não é difícil imaginar, tendo ele uma fantástica formação literária. Como eu lembro no meu livro, Dante, Cervantes e o grande amigo de Chesterton, Belloc, escreveram sobre o Islã. Sem falar que São Tomás de Aquino, assunto de muitas páginas de meu livro e que teve biografia escrita por Chesterton, condenou o Islã usando os mais fortes termos, dizendo que Maomé seduziu o povo com prazeres carnais, perverteu a Bíblia e usou o poder das armas como qualquer chefe de gangue ou tirano.

www.sociedadechestertonbrasil.org

Pedro Erik Carneiro é PhD em Relações Internacionais e autor de “Teoria e Tradição sobre Guerra Justa: Do Império Romano ao Estado Islâmico

“[1] ALHQUIST, Dale. Lecture 76: The End of Armstice. Disponível no site da American Chesterton Society. http://www.chesterton.org/lecture-76/

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