Sobre lugar de mulher
Ontem parei pra ver a cerimônia do Oscar. Confesso que houve anos em que estive mais envolvida com isso: quis ver todos os filmes, tinha argumentos pra defender meus preferidos e ficava até tarde da noite acordada só pra saber tudo em primeira mão. Não foi o caso. Até fui atrás dos filmes mas só consegui ver mesmo um, pelo qual — passional que sou — me apeguei e queria que ganhasse tudo mesmo sem ver os outros (assistam Call me by your name, pelo amor da Deusa!!).
Então esse texto não se trata de comentar os filmes, até porque não manjo de cinema a esse ponto e hoje já devem estar circulando centenas de resenhas. Mas precisamos falar do discurso de Frances McDormand, ganhadora do prêmio de melhor atriz e rainha da porra toda.
A essa altura do campeonato ou você viu a cerimônia ou você já ouviu falar do discurso feminista dela. Se não rolou, corre ver aqui:
Existe todo um movimento feminista rolando em Hollywood, então não é o primeiro nem vai ser o último. E, apesar de ter sido relativamente curto, tem um ponto que achei importantíssimo de se pensar. Foi, sim, lindo quando ela propôs que todas as mulheres que concorreram em todas as categorias se levantassem na plateia e fossem aplaudidas. Com certeza, a indicação de mulheres — especialmente em categorias que não são a de atriz — é incrivelmente representativa e essas mulheres merecem aplausos (só aí eu já tava no sofá chorany).
Mas aí vem o melhor (abaixa que é tiro): “Todas essas mulheres têm histórias pra contar e projetos que precisam de investimento. Não fale com elas na festa, chame-as pro seu escritório”. A citação não é totalmente literal, mas essa fala me pareceu dizer que: você, homem que tem espaço, dinheiro, voz e todos os demais privilégios de uma indústria ainda machista, não venha falar com uma mulher na noite de gala do Oscar, dando aqueles parabéns por educação, fingindo interesse no seu trabalho ou perguntando quem desenhou seu vestido. Olhe pra ela a altura do seu trabalho, convide-a pra uma reunião de negócios, ouça seus projetos e trate-a COMO VOCÊ TRATARIA UM HOMEM.
E isso me lembrou algumas cenas que aconteceram comigo como quando eu trabalhava em uma empresa cujas chefias eram bastante machistas e, sempre que eu estava no café conversando com alguma colega SOBRE TRABALHO, um dos diretores passava por nós e dizia coisas como: “mulher quando junta é um perigo, imagino de quem estão falando mal” ou “e essa fofoca aí, hein meninas?”. O que não acontecia quando um homem estava lá fazendo o mesmo e ele nem se aproximava porque “devem estar tendo uma conversa importante”. E, com a maior simpatia do mundo, ele vinha nos eventos sociais fazer brincadeiras e elogiar muito educadamente o meu vestido. Porque eventos sociais são mesmo lugar de mulher, não é?
E aí a gente cai naquela mesma raiz do problema dos homens que tratam a gente como se não soubéssemos do que estamos falando e começam a falar em cima explicando EXATAMENTE O QUE A GENTE TAVA EXPLICANDO. Ou que cortam nossa fala em público. Ou que nos minimizam com a sutileza de elogiar nossa aparência. Ou que estão no ano de 2018 e seguem com o pensamento medieval de que mulher vive de se arrumar pro homem e qualquer coisa que não envolva beleza ou mexericos não pode estar no seu universo de atuação.
Assim, não sei se alguém avisou que as mulheres hoje estudam, se formam, são professoras, pesquisadoras, cientistas, astronautas, ou mesmo cabeleireiras FODAS. Que as mulheres se dedicam mais ao trabalho e aos estudos do que os homens, inclusive. E, mesmo aquelas que não trabalham e não estudam, como as nossas vós nos anos 20, têm muito mais a dizer e a ensinar do que a gente imagina, elas só não tinham LUGAR DE FALA.
Então, toda vez que um homem vira pra mim numa reunião e me ensina como fazer o meu trabalho porque ele viu uma palestra de um dia sobre o tema, sendo que eu me formei, estudo há 7 anos, trabalho todos os dias com isso, tenho uma empresa sobre isso… Mas, acabando a reunião, sai no cafezinho e é extremamente gentil elogiando o meu cabelo, a ponto de me deixar atordoada sobre o ódio que eu tô sentindo, afinal ele é simpático, não é mesmo? Ele só não entendeu o que eu tava dizendo. Toda a vez que eu me questiono sobre a escrotidão dessa pessoa, eu abro espaço pra que ela siga me tratando como uma boneca de porcelana na prateleira do mercado de trabalho.
Nós não queremos elogio aos nossos longos no tapete vermelho nem uma medalha de honra ao mérito por nossas indicações. Nós não queremos ser foco das câmeras nos eventos sociais. Nós queremos o mínimo da decência de sermos levadas a sério no que fazemos, seja lá o que fizermos. Então, manas, vamos valorizar o que podemos aprender e ensinar umas às outras. Vamos ouvir nossos projetos e vamos incentivá-los. Vamos nos dar espaço. E não vamos tolerar quem não o faça. Hollywood tá aí pra dar o recado: TIME’S UP.