Sobre inteireza
Eu não estava num bom dia ontem. Muita coisa acontecendo e eu precisando de um tempo de tudo aquilo. Como leonina que sou, achei que seria uma boa tirar um tempo pra mim. Fui ver o filme da Frida Kahlo — que está na minha lista do Netflix sabe-se lá há quanto tempo — e ler um pouco mais do livro da Rupi Kaur — Outros jeitos de usar a boca, se você não leu corre que conseguiu estar mais atrasada do que eu.
Passando de página em página, cheguei numa poesia que disse absolutamente tudo que eu vinha pensando, vivendo e tentando praticar nos últimos tempos. Vou colocar a foto aqui porque reescrever nessa página em branco perderia o encanto de bater o olho nessas letrinhas minúsculas e tão gigantes ao mesmo tempo.
“Ah, que bonito Bruna, mas o que você tem a me dizer fora o que a Rupi já disse muito mais lindamente do que você?”
Achei que a gente PRECISAVA falar sobre inteireza porque isso tange muitos assuntos ao mesmo tempo e é — arrisco dizer — uma das maiores ferramentas de empoderamento. Pra vocês entenderem o que eu quero dizer com isso, vou separar em dois vieses pelos quais a gente pode entender o assunto: o do feminismo e o do autoconhecimento.
Sou a favor da gente ir do macro para o micro, então vou começar pelo feminismo.
A obrigação de ~casar~
Ontem, enquanto eu via — atrasadamente — o filme da Frida, passei por um trecho em que ela ajudava a irmã a se arrumar para o casamento e ela e o pai — menos tradicional do que as outras pessoas da família — falavam sobre como as pessoas ficavam felizes em casar e em como elas devem realmente ficar SE FOR A VONTADE DELAS CASAR.
Parece exagerado, mas a mulher estar em um relacionamento ainda não é exatamente opcional. Por muitos anos, a mentalidade social era de que a mulher TINHA QUE casar. Aliás, a mulher era criada para isso. E, na medida em que casava, passava da posse de um homem (o pai) para outro homem (o marido). Dessa forma, o poder da mulher ficava bem abafado embaixo da opressão patriarcal justificada em forma de valores e da família.
E hoje, por mais que a gente não seja mais prometida para o primo distante ou pro dono de terras próximas, o imaginário coletivo continua impregnado com a mensagem de que é preciso estar num relacionamento pra ser feliz. E o imaginário coletivo parece uma projeção de cinema que passa lá no muro da esquina, mas, na realidade, ele tá bem aqui dentro das nossas cabeças. Porque a gente, no fundo, quer um relacionamento. A gente sonha em encontrar alguém e viver feliz para sempre como disseram nos malditos filmes da Disney (Disney, não te perdoo por essa ilusão). A gente quer que o Edward salve a gente de uma vida mais ou menos e a gente espera que o Gerard Butler escreva mil cartas finalizadas em Ps.Eu te amo pra gente poder encontrar com ele em outro plano e continuar SENDO FELIZ PRA SEMPRE.
[Pausa para signos] Se você é sagitariana e nada disso se encaixa a você, entenda que eu sou leonina com ascendente em leão e aqui tem muito coração dramático. [Fim da pausa para signos]
E, por mais desconstruída que a gente já seja, acabamos caindo algumas vezes ainda na vala de se sentir incompleta sem outra pessoa — ainda mais com tanta gente perguntando sobre relacionamentos e lamentando que você AINDA não tenha o seu. E é por isso que, em pleno 2018, casar (ou namorar, juntar ou ter qualquer união mais estabelecida) ainda não é uma escolha.
Mas, fora a pressão social, o que dentro da gente impede de que isso seja uma escolha? Aí eu chego no tópico dois da minha organização de textos virginiana.
Tapando buracos
Vamos dar um zoom e entrar num viés bem mais micro da coisa. Tenho lido muito sobre autoconhecimento e espiritualidade. Parece ~too much~ místico mas tudo gira em torno, basicamente, de empoderamento pessoal.
Um ponto em comum quando para quem trata desse viés é que uma das grandes armadilhas que a gente cai e que é causadora de praticamente todo o sofrimento que a gente vive é achar que a gente é a nossa mente. Especialmente o Ocidente vive num culto tão grande ao que é racional, que a gente esquece que existem outras inteligências em nós que não são pensadas, como a intuição ou mesmo a inteligência do corpo.
Eu não vou me estender porque não sou especialista no assunto — e porque ninguém aguenta meus 20 mil caracteres -, mas a realidade é que essa mente com a qual a gente se identifica tem mecanismos de sobrevivência que querem nos convencer que estamos em perigo em diversos momentos. Além disso, trabalha baseada numa série de condicionamentos que nos dizem que não somos boas o bastante e não somos dignas de ser amadas.
A gente não foi ensinada a se amar — e aí temos um cruzamento do micro com o macro. Então, a gente passou a buscar o amor fora. E depender desse amor e quase morrer quando esse amor termina com a gente porque ~não está preparado pra ter um relacionamento no momento~. É basicamente a mente dizendo “você não é digno de ser amado e, como não conseguiu o amor fora, vai morrer”. E aí a gente se desespera e enlouquece.
Mas já pensou que louco se a gente se amasse e se sentisse inteira? A gente ia quebrar as pernas da mente! Do tipo: “como eu não sou digna de ser amada se eu me amo?”. E esse pensamento frenético de dependência não faria mais sentido. E aí gente ia estar plena ali no nosso canto, cuidando da nossa saúde, não se autossabotando e se permitindo viver experiências saudáveis, quando PÁ surge alguém também plena, sem cacarecos emocionais varridos pra debaixo do tapete, e nós transbordamos lindamente essa plenitude.
NÓS BOTAMOS FOGO EM TUDO.
A questão é que, se a gente está inteira, a gente consegue optar se quer estar em um relacionamento e, se quiser, vai estar porque quer, não porque precisa pra tapar um buraco emocional de carências. E aí a gente para de basear o relacionamento no medo, que é o que gera tantas cobranças, tanto ciúme e tanta toxicidade.
É claro que, pra tapar nossos próprios buracos, é preciso saber onde eles estão. E remexer no lixo acumulado não é a melhor sensação do mundo. Mas a sensação de empoderamento sobre a própria vida quando você percebe que não precisa de nada que está fora pra ser feliz é indescritível e, adianto, irreversível.
Assim como casar, ser feliz também é uma escolha, percebe? Basta estar inteira.