Sobre vestir o próprio corpo
Ok, é verão e carnaval e eu não vou ser a primeira pessoa a falar sobre a dificuldade em lidar com o próprio corpo. Nem a mais influente, com certeza. Mas eu sinto que a cada depoimento que uma mana dá, todas as outras se sentem um passinho a frente nessa difícil caminhada que é a autoaceitação.
Eu sempre odiei o carnaval. E praia. E verão. Tá bom que eu não lido mesmo muito bem com o calor, mas ~porra ~ são as épocas mais animadas do ano, em que a gente pode fazer várias coisas sem ser julgado — tipo andar de biquíni no metrô -, em que a gente pode ocupar a cidade sem ser trabalhando, onde até São Paulo ganha cor. Então POR QUE eu não podia ficar pelo menos um pouquinho animada no meio dessa felicidade toda?
Eu nem sempre fui uma pessoa acima do peso. Hoje mesmo sou bem pouco, não poderia falar sobre gordofobia com muita propriedade. Mas eu sempre — SEMPRE — me senti desconfortável com meu corpo. Quando eu era adolescente, eu era magra demais. Eu tinha peito de menos. Eu tinha as pernas finas demais. Meu primeiro namorado me pedia para colocar silicone.
Aí eu comecei a tomar anticoncepcional por causa desse namorado e engordei. E aí eu tava gordinha demais. E aí, depois de 22 anos magrinha, eu não conseguia me olhar no espelho e realmente ver aquilo que eu era. É como se minha imagem de mim não tivesse atualizada ainda. Eu tinha engordado mais de 15 kg, mas buscava roupas PP nas lojas e tinha certeza que elas serviriam. Elas não serviam. Nem as P, nem as M, às vezes nem as G. Parei de comprar roupa. Chorava ao experimentar calças jeans e ter que pedir cada vez um número maior. Parei de usar calças jeans. E aí me transformei num fantoche fantasiado com uma colcha de retalhos.
Eu não sou a favor de nenhum padrão de moda. Nem de vestir marca, nem de vestir nada com que você não se sinta bem. A questão é que eu comecei a negar que me vestir de uma maneira que me representasse era algo importante pra mim. Eu vestia qualquer coisa, porque eu estava desconfortável com qualquer coisa mesmo. Eu estava desconfortável de vestir meu próprio corpo.
Não quero que pareça um grande drama porque não é que eu tenha tido uma doença grave ou algo de vida ou morte. [Apesar de eu ser leonina e gostar de um drama]. Mas a questão é que passei quase 3 anos e meio pra conseguir me olhar de frente no espelho — às vezes ainda olho de lado encolhendo a barriga…é um processo. E até hoje me pego pensando: quando eu emagrecer, vou usar um cropped com shortinho. Naquela velha e conhecida tendência de projetar pra fora algo que tá dentro — “quando eu arrumar um namorado, vou ser feliz”, “quando eu tiver um emprego melhor, eu começo a me cuidar”. Mas hoje eu vejo tanta mulher maravilhosa com sua barriguinha, seus quilinhos “a mais”, seu peito sem silicone — grande ou pequeno —, botando a cara no sol e sendo plena, que eu penso:
- CARALHO, ESSA MULHER É FODA. ELA TEM O CORPO DA CAPA DE REVISTA? NÃO. MAS ELA É MARAVILHOSA. POR QUE EU NÃO POSSO SER FORA DO PADRÃO E SER MARAVILHOSA TAMBÉM?
E, aos poucos, fui usando um shortinho aqui, uma barriga de fora ali — tá certo que é pra ir na balada cuja idade média é 3 vezes a minha, mas é um começo. E fui ignorando o mundo ao redor. E eu percebi, magicamente, que dá sim pra rebolar até o chão usando um micro shorts e tendo uma bunda GG. Dá sim pra usar uma blusa cropped sem ter a barriga seca e ser muito feliz no rolê usando ela. E parei pra reparar que as pessoas mais gatas do rolê são aquelas que estão FELIZES de habitarem quem elas são. Com o estilo delas, com as escolhas delas, com o corpo delas. E, MEU DEUS, por quanto tempo vamos enclausurar nossos corpos dentro de casa, à base de retaliações, esperando que eles sejam iguais ao de outra pessoa que não é a gente? Eu já tinha ouvido que nossas marquinhas são um registro da nossa história e hoje faz muito sentido. Minhas estrias contam um pouco disso que eu tô contando pra vocês. E ~porra~ eu tenho muito orgulho delas terem me trazido até aqui e de estar escrevendo esse texto hoje.
A gente pode tratar esse assunto como body positive, “tour pelo corpo” ou simplesmente empoderamento mesmo. Porque controlar o corpo da mulher — o que ele pode vestir, como ele deve se portar, qual o padrão — sempre foi uma forma de opressão social pra minar DE NOVO o poder feminino. E hoje, convenhamos, é uma ótima estratégia de mercado também. Pra vender tratamento, cirurgia, dietas…E nada contra quem faça, desde que isso seja uma escolha por amor e não por desamor.
Então, manas, nesse carnaval, minha proposta é: vamos vestir nossas bundas 46, nossas celulites não-tratadas, nossas manchas na pele, nossas barrigas não-chapadas e nossos peitos como são. Vamos vestir nosso corpo real e sair com ele na rua. Enfeitado, não enfeitado, coberto, pelado, cheio de glitter…como você quiser! Leve seu corpo pra ser feliz. Há anos ele te acompanha na sua jornada esperando um pouco mais de acolhimento. Então, vista-o e vá viver. Nós já vivemos tempo de mais na sombra das capas de revista.