O encaixe problema-solução

Alisson Vale
Software Zen
Published in
12 min readSep 13, 2017

No capítulo dois do livro “A Fórmula da Eficácia” você vai conhecer como a nossa protagonista, Sofia, revela suas habilidades como uma gestora eficaz para identificar o problema que o cliente realmente tem e só depois encaixar a solução que ele precisa. Antes de continuar, certifique-se que tenha lido o Capítulo 1 nesse outro artigo.

É muito difícil comparar abordagens para solução de problemas no âmbito de projetos de software. Suponha duas equipe trabalhando simultaneamente para resolver o mesmo problema. Que fator específico tornou uma equipe melhor do que outra? Será que foi o método? A habilidade das pessoas? a estrutura de gestão ou a cultura da empresa? liderança? capacidade técnica? ou uma combinação de múltiplos fatores? nesse caso, quais? Não parece factível isolar todas as variáveis a ponto de apenas sobrar um único fator que possa ser analisado. Será?

Já vimos que, nesse momento, o “Time Alfa” está conduzindo seu processo “by the book”. Ele luta para alcançar conformidade com o que lhe é pedido. Precisamos agora de um contra-exemplo. Um adversário que nos leve a entender onde podemos chegar com as ideias que tenho exposto aqui. Na verdade, uma adversária.

Sofia lidera projetos de desenvolvimento de software há vários anos. Ela é um exemplo do que o Peter Drucker chama de “gestora eficaz”. Sua empresa de desenvolvimento customizado de soluções de software é pautada pela determinação em ajudar seus clientes a obterem resultados concretos. Ela não espera por pedidos, por instruções. É proativa, também não age apenas de forma determinada pelos acontecimentos. Prefere tomar decisões e assumir a responsabilidade por sua ações. Busca, antes de tudo, responder à pergunta “o que precisa ser feito agora?” questionando sempre a ideia do “o que desejo fazer”. Ela sabe que uma boa resposta a essa pergunta é o que a leva a formular um plano estratégico vencedor, onde as batalhas são vencidas uma de cada vez. Sofia sabe, intuitivamente, o que Drucker escreveu em 1967 em seu livro “The Effective Executive”: “O que é necessário é a estratégia certa, e não uma tática improvisada”.

Assim, em algum outro universo paralelo ao nosso, não é a empresa do “Time Alfa” que foi acionada para atender nosso cliente, mas a empresa de Sofia, com uma sólida cultura de eficácia. Sofia assume a liderança do projeto e, com sua condução, a primeira reunião com o cliente segue um rumo diferente:

— “Sr. Cliente, como podemos te ajudar?”, pergunta Sofia, depois de abrir formalmente a reunião.

— “Bom, preciso construir um sistema para melhorar a operação da minha empresa. Hoje é tudo manual. Eu já tenho uma ideia do que preciso, pois já trabalhei em uma empresa que tinha um sistema semelhante, que é mais ou menos o que eu gostaria que vocês fizessem.”, responde o cliente, deixando claro sua intenção para o projeto.

Quem educa nossos clientes é um mercado cuja forma de operar ainda não se adaptou às novas relações inerentes ao mundo da era da informação e do trabalho do conhecimento. Assim, temos que lidar com todo o viés de eficiência que nossos clientes ainda trazem da sua formação enquanto interagem conosco. Isso pode ser percebido no discurso do cliente: “já tenho uma ideia do que preciso”; “o sistema precisa fazer isso e aquilo”; “igual a esse sistema que vi funcionando em outro lugar”. Sofia, acostumada com isso, não deixa a conversa tomar o rumo de convergir para um backlog de funcionalidades. Tudo que ela não quer é se comprometer com uma solução previamente definida antes do problema ser discutido e mapeado. Ela sutilmente traz de volta o foco para os problemas do cliente:

— “Ótimo! É sempre bom ter uma referência para fazermos algo ainda melhor, não é mesmo? Mas vamos esquecer esse outro sistema por enquanto, e pensar nos problemas que sua empresa vive agora. Qual é a sua maior dificuldade hoje?”, ela pergunta educadamente.

— “Nossa são várias…”, suspira o cliente.

Sofia tenta ajudar:

— “Me diga qual é o problema mais importante que você gostaria de ter solucionado nesse momento?”
— “Bom… Preciso reconstruir nosso website. Ele está visualmente feio e pobre em recursos. Eu gostaria de reconstruí-lo do zero. A ideia é que ele apresente páginas puxadas dos nossos próprios cadastros, mostrando uma página bem bonita pra cada um dos países, cidades e escolas que trabalhamos. Gostaria de ter uma opção para colocar as fotos das escolas também, além das informações de cursos, tipos de hospedagem e outros recursos que cada uma delas oferece. Assim, os alunos terão acesso a informações atualizadas para decidir para onde vão e escolher qual escola se encaixa melhor com o que eles querem.”, explica o cliente.
— “Certo, parece uma boa ideia… mas, deixe-me perguntar, qual o problema que vamos resolver pra você ao reconstruir seu website?”
— “Nós precisamos de um site melhor”.
— “Sim, entendo. Mas, me diga: como um novo website com todos esses recursos que você mencionou vai te ajudar no seu negócio?”, Sofia insiste.
— “Ah tá… precisamos disso para melhorar as vendas. A concorrência está alta e todos estão investindo em sites mais atraentes e com mais recursos para os clientes.“

Talvez tenha passado despercebido mesmo para o leitor mais atento, mas repare como Sofia não deixa a conversa se desviar para o que o software precisa fazer, mesmo apesar do cliente ter iniciado com esse direcionamento. Sofia insiste em tratar sobre o problema. “ — Qual é o problema”, ela pergunta. “ — Nós precisamos de um site melhor”, o cliente responde tentando redirecionar de volta a conversa para a solução que ele quer. Sofia sabe, entretanto, que nem sempre o que o cliente quer é o que ele precisa, então ela vai fundo e pergunta “Por que um site melhor? Qual é o objetivo?”. E, enfim, o cliente explica o que ele precisa: “Preciso melhorar minhas vendas”.

— “Entendi. Mas me diga uma coisa, quantos visitantes únicos você recebe hoje por mês no seu site?”, Sofia pergunta.
— “Uns 800”.
— “E quantas vendas vocês fecham por mês?”
— “Umas 10 vendas”.
— “Qual o percentual de vendas de clientes que chegam a você pelo site?”, Sofia continua.
— “São muitos. Eu diria que uns 80% pelo menos. O resto é por indicação.”
— “Então, dessas 10 vendas, umas 8 mais ou menos são feitas para clientes que chegaram à empresa via website.”, Sofia conclui.
— “Certo.”, confirma o cliente.

Sofia tenta trazer o cliente para o seu racional:

— “Então para aumentar as vendas a gente precisa investir nessa fatia, não é mesmo? Aumentar o número de clientes que chegam ao seu website para que possa sair mais vendas do outro lado. Estou certa?”
— “Sim, com certeza. Essa é a ideia!”, diz o cliente.
— “Mas então acho que temos que pensar melhor nessa estratégia. Um site mais bonito e com mais recursos não atrai novos clientes. Mesmo que a gente te entregue um site super lindo e cheio de recursos depois de algumas semanas de trabalho, você vai continuar recebendo os mesmos 800 visitantes únicos por mês. Já pensou nisso?” Sofia conclui.

Logo depois que Sofia descobre do que o cliente precisa, ou seja, qual é o problema que se precisa resolver, é hora de validar se a solução que está na mesa resolve o problema. Para entender melhor o problema, Sofia precisa entender essa relação que o cliente tenta fazer entre o problema e a solução. É preciso tangibilizar o problema para saber se a solução proposta será eficaz. Não há jeito melhor de fazer isso do que obtendo números.

O site vai aumentar as vendas? Quantas pessoas o acessam? Dessas, quantas se tornam vendas efetivas? Enquanto obtém os números, Sofia entende melhor o negócio do cliente. Seu objetivo é achar o encaixe problema-solução. Depois de trazer os números para a conversa, ela descobre que, sim, há uma relação entre o número de visitantes no site e o número de vendas. Mas rapidamente ela percebe que essa relação não é afetada pelos ajustes que estão sendo pensados para o website. O encaixe problema-solução não ocorre. É preciso aprofundar mais o entendimento do problema.

Esse pequeno trecho de conversa ilustra um ponto importante: o que o cliente realmente quer não é o que ele pede. Há uma hipótese, uma pressuposição implícita de que a solução que se deseja, endereça o problema real que se quer resolver. A empresa que atenderá a esse cliente será eficaz se endereçar o problema real, se encaixar problema e solução. Mas como fazer isso se você já começa o projeto se comprometendo com uma solução que endereça o problema errado? Ou pior, como fazer esse encaixe se você se compromete com um backlog que não endereça problema nenhum? Um backlog de ideias, desejos e hipóteses não validadas. Se comprometer com um escopo que não está associado a nenhum problema concreto do seu cliente ou que esteja associado ao problema errado, é um erro de eficácia. Um erro que custará caro mais tarde para a relação do “Time Alfa” com o cliente, mesmo que o time seja extremamente eficiente em entregar o que está sendo pedido.

— “Sr. Cliente, uma vez que seus prospectos chegam ao website qual é o próximo passo que os leva na direção de fechar uma venda?”, Sofia continua a aprofundar o entendimento do problema.
— “Hmmm, eles entram em contato solicitando um orçamento. Normalmente enviam um e-mail para nós”, responde o cliente.
— “E quem recebe esses e-mails aqui na empresa?”
— “Minha equipe de atendimento.”
— “São quantas pessoas?”
— “Três.”
— “Quantos orçamentos elas recebem por dia?”, Sofia continua.
— “No mínimo uns cinco por dia.”
— “Então vocês fazem 100 orçamentos por mês. Certo?”, Sofia faz a conta de cabeça.
— “Isso mesmo.”
— “Bom, como você já me disse que são 8 vendas mensais pelo website, podemos calcular sua taxa de conversão, ou seja, o percentual de orçamentos que se convertem em vendas, em mais ou menos uns 8%. O que acha desse número?”
— “Legal seu raciocínio. Não tinha pensado nisso, mas parece correto.”, confirma o cliente.
— “Se você recebe 100 orçamentos por mês, e tem mais ou menos 800 visitas mensais, sua taxa de visitantes que solicitam orçamentos gira em torno de 12%.“, Sofia faz mais uma conta enquanto risca seu bloco de notas.
— “Faz sentido. Mas onde você quer chegar com todos esses números?”, o cliente fica curioso.
— “Estou tentando achar a dinâmica numérica do seu processo. Repare que, só olhando os números, descobrimos três formas de aumentar o seu número de vendas.”
— “Quais?”, pergunta o cliente se arrumando na cadeira para ouvir.
— “A primeira é aumentar o número de prospectos que visitam seu site. Isso pode ser feito com estratégias bem conhecidas de Marketing Digital, por exemplo, sem nenhum ajuste no site. Se as taxas de conversão se mantiverem as mesmas e aumentarmos o número de visitantes de 800 para 1600, então provavelmente você receberá 200 pedidos de orçamento. Se fecharem os mesmos 8% que você já está acostumado, poderá fazer o dobro de vendas: 16 fechamentos.”
— “A segunda forma é aumentando a taxa de conversão de visitantes em orçamentos. Se ajustarmos o site para que ele evite ao máximo que o seu cliente deixe o site sem solicitar um orçamento, podemos aumentar bastante essa taxa. Suponha que consigamos elevar a taxa de 12% para 20%. As suas 800 visitas mensais de hoje se traduziriam em 160 pedidos orçamentos. Se os mesmos 8% fecharem, suas vendas se elevariam de 10 para 13 por mês.”
— “A terceira forma é aumentando a taxa de conversão de orçamentos em vendas. Isso pode ser feito melhorando a comunicação da sua equipe com o seu prospecto, ou investindo em um script de vendas bem estruturado, que hoje você provavelmente não deve ter.”, Sofia conclui de forma assertiva.
— Sim, de fato não temos nada disso. Estou muito impressionado com isso tudo, Sofia.

Todo problema emerge de um processo falho (ou ineficiente) no negócio do cliente que já está instanciado no mundo real no momento presente. Sofia olha para o processo da forma como ele funciona hoje e tenta achar ali os pontos de ineficiência para melhorá-lo. Ao olhar para o processo de ponta a ponta no presente, ela extrai dali uma rede de problemas e de potenciais pontos de melhoria. Essa rede de problemas que o cliente tem hoje provavelmente não será a mesma que ele terá daqui a alguns meses. O peso que eles têm no negócio varia com o tempo. É preciso fisgá-los e entendê-los no presente. Assim, ela não está tentando projetar nenhuma solução que vai resolver todo o processo de aquisição e venda do cliente no futuro. Seu foco é todo no entendimento do problema, do gargalo mais importante do momento atual.

O “Time Alfa”, enquanto agarrado a sua mentalidade de gestão de features, foge do presente para se refugiar no futuro. Ele foge do problema para se refugiar na solução. Ao fazê-lo, ele evita uma análise mais detalhada do problema projetando a discussão para o âmbito dos desejos. “ — Sr. Cliente, como você gostaria que esse processo funcionasse?”, perguntaria o “Time Alfa”… uma pergunta que os direciona para uma conversa muito mais confortável. Cliente e time falarão do futuro…. de como o mundo será melhor depois de nosso software implantado.

Nesse ponto do projeto, o diálogo com o cliente deve ser na linguagem dos problemas de negócio que ele tem agora. Nessa linguagem, o nível de análise mais apropriado será, muitas vezes, econômico. A existência de um problema não resolvido na organização do seu cliente tem duas implicações: ou custa dinheiro pra ele ou o impede de ganhar. No final, haverá frequentemente algum tipo de impacto econômico. O tamanho desse impacto dependerá da natureza do problema e do tempo que ele permanece não endereçado. De qualquer forma, é quase certo que, quando tentando resolver um problema legítimo de negócio, você estará endereçando questões que envolvem ou aumento de receita, ou diminuição de despesa, ou proteção de receita conquistada. Essas categorias econômicas refletem, grosso modo, os três tipos de micro-transformações que todo o negócio precisa girar para sobreviver e prosperar. O fato é que, quando você se comunica usando a linguagem do problema com seu cliente, você se alinha com essas micro-transformações, ganhando sua atenção e seu pleno interesse em ajudar a fazer acontecer.

É preciso salientar, entretanto, que nem sempre a linguagem do impacto econômico prevalece. Já me deparei com clientes que buscavam legitimamente apenas o impacto social, político ou cultural da sua iniciativa; ou visavam uma espécie de ganho de autoridade, notoriedade ou credibilidade em algum campo de atuação. Mas mesmo nesses casos, a linguagem dos problemas se mantém soberana como medida de progresso efetivo. O que muda é que, ao invés de buscar respaldo econômico para dar peso aos problemas, será preciso encontrar outros critérios de importância que não apenas o custo de não resolvê-los.

A eficácia é alcançada por meio do encaixe de um problema conhecido com uma solução que o resolva dentro das restrições existentes. No início da conversa, o problema era desconhecido. Foi necessário identificá-lo primeiro e depois analisá-lo. O que é importante entender é que existe mais de uma solução para um dado problema, e que, dentre as possíveis soluções, há uma que se encaixa melhor com as restrições e com o contexto que se vive naquele instante. Essa é a solução eficaz.

O que essa história nos mostra é que você estará sendo incrivelmente mais eficaz quando o foco da sua relação com o cliente estiver concentrado nos problemas que o negócio dele tem e nos benefícios que ele espera alcançar resolvendo-os. O papel de um desenvolvedor de software não é a mera implementação do que lhe é pedido, mas a participação no processo de encontrar o encaixe correto entre o problema mais significativo e a solução mais adequada dentro das restrições geradas pelo contexto. Mesmo que isso implique em ajudar o cliente a descobrir quais são os problemas que precisam ser equacionados e em que ordem.

Retomando então a questão que nos trouxe até aqui… Que fator específico torna uma equipe melhor do que outra? método? processo? gestão? qualificação das pessoas? E se a resposta para essa pergunta não estivesse nos meios usados para se obter os resultados, mas na eficácia dos resultados em si? Talvez a melhor equipe seja aquela que, independente dos meios e de suas restrições, tenha conseguido dar a solução certa para o problema certo, na hora certa; ou seja, a equipe que fez a coisa certa do jeito certo: a equipe eficaz.

Enquanto isso, em um universo paralelo…

“Time Alfa” — Sprint #1

A fazer:

- Login;
- Cadastro de usuários;
- Cadastro de prospectos e alunos;
- Cadastro de escolas no exterior;
- Cadastro de cursos;
- Relatório de alunos matriculados por escola, curso, país/cidade e período;
- Cadastros de apoio: (países, cidades e tipos de curso).

No próximo capítulo: O “Time Alfa” faz o que é pedido, mas isso não ajuda o projeto a progredir. Equipe e cliente se perdem na gestão do projeto e, ao invés de fazer o que precisa ser feito, a equipe começa a tomar decisões para agradar o cliente. O futuro da relação entre o “Time Alfa” e o cliente não parece promissor.

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Alisson Vale
Software Zen

Ajudo líderes de projetos de software a superarem os desafios organizacionais e a conquistarem uma carreira de significado e de realizações.