Como seria o mundo se fosse mais fácil amar Phil Ochs do que Bob Dylan?

Daniel Muñoz
Soixante-huit
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6 min readNov 9, 2018
Phil Ochs durante um protesto contra a Guerra do Vietnã em 1967, do lado de fora do prédio das Nações Unidas, em Nova Iorque. (Foto: Michael Ochs)

Já fazem alguns anos que conheço Phil Ochs, mas como nasci na década de noventa, preciso admitir que conheci o seu trabalho por intermédio de músicos da minha época, que tiveram nele um ídolo. Este não é necessariamente o caso de Bob Dylan, quase todo mundo conhece Dylan através do caminhar do seu próprio trabalho, que parece mais enraizado na nossa cultura.

Mas o cantor folk que me foi apresentado pelo próprio trabalho, através dos meus pais, foi Cat Stevens, que é certamente gigante mesmo que consideravelmente menos conhecido que Dylan, e certamente sou um grande fã dele até hoje. Paul Simon e Art Garfunkel admito que também conheci só depois de ouvir versões de suas músicas cantadas por Elvis Presley, Jon Bon Jovi e John Frusciante. Ochs eu conheci através de Eddie Vedder.

Não vejo nenhum problema nisso, afinal acredito que muita gente só foi apresentada a Dylan graças a Axl Rose cantando Knockin’ on Heaven’s Door. Que bom que o mundo da música não esquece da sua fundação e os novos artistas trazem de volta estes gigantes do passado.

É necessária uma separação crucial aqui de Dylan e Ochs do restante dos cantores folk, acredito. Porque mesmo que Yusuf, aquele que era chamado de Cat Stevens nos anos setenta, tenha escrito Blackness of the Night, Peace Train, Ruins, entre outras canções com teor de protesto, seu trabalho não foi definido por este espírito.

Já Dylan sedimentou o seu nome assim, foi conhecido por ser o cantor de protesto da década de sessenta dos EUA. Um título sim merecido, pelos hinos que compôs como Blowin’ in the Wind e a já citada Knockin’ on Heaven’s Door, mas talvez o jovem Bobby tenha ficado mais conhecido ainda por Like a Rolling Stone, certamente uma canção revolucionária que marcou o mundo, porém na minha humilde opinião, não é exatamente uma canção de protesto.

Por que então comparar com Ochs? Admito então que esta comparação não é exatamente minha, ela nasceu de uma entrevista que assisti do controverso, Christopher Hitchens, que disse (tradução livre):

“Eu notei que havia uma diferença entre as pessoas que gostavam do Bob Dylan; qualquer um poderia gostar do Bob Dylan, todo mundo gostava; e aqueles que sequer conheciam Phil Ochs. Hoje eu penso que essa diferença é pelo seguinte: é a diferença entre ser uma pessoa dos anos sessenta e ser uma pessoa de 1968”

Isso explica certamente a diferença do tom destes dois artistas. Dylan era como as pessoas dos anos sessenta e tinha essa alma de protesto, mas não tinha essa alma de revolta estudantil revolucionária de 1968 que Ochs carregava. Nota-se na diferença de linguagem entre The Times They Are A-Changin’ de Dylan e One More Parade de Ochs, ambas lançadas em 1964.

É uma comparação interessante, desde que se compreenda que não se deve fazê-la com o intuito de diminuir a importância do trabalho de Dylan. O intuito é melhor descrito como explicar justamente a fala de Hitchens, de porque era tão mais fácil amar Bob Dylan.

A análise mais óbvia é a diferença na forma de protestar, Dylan disse que os tempos iam mudar, que as pessoas já enxergassem e aceitassem, Ochs disse que as ações militares do seu país eram ilegítimas e assassinas, para dizer o mínimo, pois suas letras iam muito mais longe.

Dessa maneira claro que era mais confortável amar Dylan, exigia menos confronto. Não se engane, eu comprei e ainda compro a ideia do protesto pacífico, eu acredito nos valores do flower power. Mas existe uma questão de contexto que deve ser levada em consideração, cada protesto tem a sua hora. Além de claro, a análise de resultados, os tempos acabaram por não mudar tanto quanto Dylan nos garantiu, infelizmente.

Será que não faltaram pessoas que conheciam Phil Ochs? Será que não sobraram muito poucos destes e por isso a história repete as faces obscuras de destruição que aconteceu no início do século passado? Juntemos estas perguntas a aquelas que jamais teremos respostas.

Mas, assim como Eddie Vedder reviveu Ochs e sua canção Here’s to the State of Mississippi, atualizando-a para o governo de George W. Bush e intitulando sua versão de Here’s to the State of George W. Talvez os movimentos de progresso do mundo peçam por mais uma volta de Phil Ochs aos ouvidos das pessoas, em especial àquelas que querem criar caminhos pela esquerda.

O jovem Phil Ochs

Phil disse em 1965 que não marcharia mais, na sua crítica ácida e ridicularizante da grandeza da história dos EUA, ele não tinha medo de já naquela época citar os índios assassinados sob a ordem da bandeira americana, o roubo da Califórnia das terras mexicanas e todo o sangue derramado na Guerra Civil. A história que ele nos contou de sempre os velhos nos levarem para as guerras, e os jovens morrerem nunca realmente cessou no mundo.

Já naquela época Phil perguntava o que ganhamos com os sabres e as armas e nós nunca o respondemos como ele merecia. Ele nunca teve medo de no microfone contar para todos, os absurdos das forças armadas americanas nas suas ações dentro e fora do país. A loucura da política de forçar os povos a serem livres, mesmo trancados.

Phil não tinha medo de falar coisas que naquele momento, nem nos EUA nem em quase nenhum lugar do mundo, era de bom tom lembrar. Ele fez questão de nos perguntar se lembrávamos de Franco, o antigo aliado de Hitler, que assaltou a democracia na Espanha e matou meio milhão de homens livres?

Já se perguntou por quê? Já parou para chorar?

E não se esqueça das Igrejas e do papel triste que elas tiveram, crucificando o seu povo e fazendo o jogo do demônio.

Ele também não nos deixa esquecer que os fazendeiros amigáveis da Califórnia prometeram cuidar dos braceros, que eram mexicanos que foram trabalhar na lavoura nos EUA, porque podiam receber metade do que os americanos recebiam. Em épocas de Donald Trump falando de invasão das terras americanas, não estamos lembrando de ações do próprio país que causaram tanto sofrimento e miséria nos seus vizinhos de origem latina?

Quase não é possível comentar a análise que ele faz dos liberais dos EUA da sua época, de tão perfeita que é. Tão dura pode ser a crítica a todas as ações de frente progressista ao notar que basta trocar alguns nomes da letra de Ochs para que ela fale exatamente dos atuais novos liberais brasileiros. Não vencemos em nada, aparentemente.

Phil dizia que era um jornalista que canta e, pelas suas músicas, acredito que tinha razão. Mas os anos sessenta não foram uma época fácil para jornalistas, talvez por isso também não para o jovem Phil. Ele não lidou bem com Dylan partindo para outros caminhos, caminhos mais Rock ’n’ Roll. Ouvindo suas entrevistas sobre o assunto, nota-se que não era exatamente uma mágoa dele, mas um medo de o que eles lutavam se perdesse, porque os artistas estavam passando a querer mais ser grandes, do que falar sobre as notícias que eram apropriadas para cantar.

Ele amava o lado poético da música também, mas tinha algo dentro de si que não lhe permitia cantar apenas sobre sentimentos, que não denunciassem ou falassem sobre algo que refletia a doença do mundo, algo para ele mais importante do que qualquer doença pessoal. Mesmo quando fez uma canção de um clássico poema inglês, escolheu The Highwayman de Alfred Noyes, que carrega um tom de luta por liberdade e amor, contra opressão e crueldade.

Seu pai era um médico, que sofria de depressão. Phil com o tempo desenvolveu a mesma condição do seu pai e, por viver numa época em que não se lidava bem com essas doenças da alma, afundou-se em muito álcool. Conta-se que a última decepção que não conseguiu superar foi ver Pinochet orquestrando um golpe de estado contra o presidente chileno eleito, socialista, Salvador Allende.

Phil se suicidou, ele provavelmente não achava que o mundo estava evoluindo para um lugar onde ele tinha lugar. Talvez somente por tudo isso seja válida a lembrança de sua obra, pois mesmo não estando mais aqui para cantar para nós, Phil nos deixou todas as notícias do mundo que enlouqueceu tanto ao longo do século XX. Hoje vemos que continua enlouquecendo no século XXI, seria útil então lembrar destas canções que podemos bradar por todos os nossos caminhos.

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Daniel Muñoz
Soixante-huit

Um dia jornalista, hoje historiador. Escrevo só sobre o que quero e quando acho que tenho algo a dizer. Para mim é importante a diferença entre Ochs e Dylan