Rigoletto, tão trágico e dramático que faz a plateia rir

Daniel Muñoz
Soixante-huit
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3 min readJul 29, 2019

Raros são os momentos em que as reações humanas não são espontâneas, e justamente por isso, ocorrem situações como o ponto alto de uma ópera trágica em um teatro lotado, ser justamente uma cena que provocou riso à maioria. Pode ser que tudo isso faça parte do que a encenação de Rigoletto deva mesmo causar na plateia, como possivelmente pensou Giuseppe Verdi. A verdade é que se é intencional ou não, pouco importa.

Rigoletto encena a realidade das emoções humanas com um drama tão intenso que não haveria como separar o que são as comédias válidas, das inválidas. Até porque, o que se parece é que a plateia é convidada a testar seus sensos de justiça a todo momento pelas terríveis ações de todos os personagens envolvidos.

A única certeza que sobra é que a maldição impera sobre a vida daqueles que a carregam, seja qual for o sentido que se almeja oferecer a isso. Talvez por isso em todos os atos desta ópera, o protagonista, o bufão (bobo da corte) Rigoletto, esteja sempre dramaticamente enfatizando a maldição que sofreu pelas risadas ingratas que deu.

O barítono argentino Fabian Veloz como Rigoletto.

Risadas que são quase o tema principal de toda a ópera, pois há sempre alguém rindo enquanto outro chora, quase como uma grande metáfora de como funciona a justiça. O personagem do Duque, representando bem o que se imagina de uma nobreza corrupta, é quem mais ri do início ao fim da peça.

A ópera não é tão longa e por ser ter um ritmo tão bem trabalho, parece ainda mais curta do que é. A quantidade de acontecimentos, dos grandes aos pequenos, que ocorrem ao longo dos três atos, fazem com que o expectador mude de ideia sobre a índole de todos os personagens, ao menos uma vez para cada.

Verdi possivelmente tinha mais claro quais eram mais ou menos repreensíveis entre os defeitos retratados na sua ópera, que demonstra o que eram os territórios italianos do século XIX. Porém, é igualmente provável que na realidade para Verdi não havia distinção de honra ou justiça nos atos de nenhum dos personagens, do protagonista aos que lhe são antagônicos.

Rigoletto é um reflexo de que nada se justifica por nenhum sentimento, e que o mundo gira como deseja, não podendo se importar menos com o que poderia ser ou não justo. A ópera é uma ode a incerteza que é viver, tendo como a única certeza, o sofrimento da maldição da vida.

A ópera de Verdi ainda se apresenta no Theatro Municipal de São Paulo, e é uma experiência notável a todos que desejam ir para se divertir. Também é uma grande experiência para os que desejam questionar a moral humana, depois de espontaneamente rir ou chorar de ações de personagens, que no calor do momento, acabam fazendo com que sejamos cúmplices de suas ações.

Uma notável composição, La Donna è Mobile, faz parte desta ópera e com certeza é de conhecimento de todos. Assistir esta composição ao vivo na peça é um espetáculo a parte.

Apresentação de La Donna è Mobile, em Rigoletto, na Royal Opera House em Londres.

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Daniel Muñoz
Soixante-huit

Um dia jornalista, hoje historiador. Escrevo só sobre o que quero e quando acho que tenho algo a dizer. Para mim é importante a diferença entre Ochs e Dylan