Acolha seus medos, aprenda com seus fracassos

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6 min readMay 22, 2020

O caminho para ser feliz no trabalho é mais irregular do que se imagina.

(Por Leandro Herrera, publicado originalmente na Época Negócios)

Escrever semanalmente sobre trabalho e educação na Época NEGÓCIOS talvez seja um dos maiores acasos e paradoxos da minha vida. Logo eu, que por muito tempo duvidei se um dia seria feliz no trabalho, e que tive uma relação morna e protocolar com a escola e a faculdade.

Por muito tempo, achei que minha história era cheia de desvios e que a maioria das pessoas bem sucedidas tinham trajetórias mais consistentes. Descobri recentemente que estava errado.

Hoje, eu sei que o caminho para ser feliz no trabalho é irregular, mesmo que a maioria das pessoas tente planejar a carreira olhando muitos anos à frente. Minha história pode ajudar a diminuir sua ansiedade e, quem sabe, aumentar sua satisfação ao ver seus planos irem por água abaixo.

Esta não é uma história de sucesso

Não foi fácil para mim encontrar uma vocação. Na adolescência, me envolvi com a música e sonhei por algum tempo em ser compositor, cantor, artista. Na mesma fase, antes de saber qualquer coisa sobre o mundo dos negócios, eu dava aulas de inglês para executivos.

Quando chegou a hora de ir para a faculdade, optei por diversificar minhas opções: prestei jornalismo, administração, cinema, história, artes multimídias e relações internacionais. Claramente, eu não tinha um plano para o meu futuro. Passei no curso de História, cursei por 6 meses e abandonei. Fui estudar Relações Internacionais, com a intenção de me tornar diplomata.

Na faculdade, onde consegui bolsa de estudos por jogar handball (bem específico, eu sei), meus colegas sonhavam em trabalhar no mercado financeiro, enquanto eu me fascinava pelo terceiro setor. Entre um bico e outro — geralmente organizar fila em grandes eventos era onde ganhava algum dinheiro — me enfiei em livros sobre negócios sociais e ONGs e acabei conseguindo um primeiro estágio na área. Aprendi muito nesse emprego, mas durei pouco: minhas entregas eram rápidas porém inconsistentes, e meus esforços produziam poucos resultados. Me demiti, antes que fosse demitido.

Com o dinheiro do estágio, fui viajar para a Bolívia e Peru de ônibus, passei quase um mês na estrada. Quando voltei, consegui um emprego na área de projetos culturais, e pensei que tinha me encontrado na vida. Ali, melhorei profissionalmente a ponto de ser promovido de estagiário para analista, mas depois de 1 ano me sentia tão desmotivado que parecia me arrastar pelo escritório.

Me perguntava constantemente: será que um dia serei feliz no trabalho? Será que é assim que as pessoas lidam com o trabalho ao longo da vida? Aquilo não era jeito de viver pra mim, e pensei que talvez a solução fosse criar meu próprio trabalho, assim poderia definir as regras do jogo. Pedi demissão para começar uma empresa.

Dali em diante, foram meses de oscilação entre a euforia e o prazer de ter liberdade criativa e criar a própria rotina; e o terror e medo de não conseguir fazer um projeto sair do lugar. Minha empresa, chamada Soul Sampa, fazia roteiros culturais a pé pela cidade de São Paulo. Eu amava tanto a ideia que convenci meu melhor amigo a entrar como sócio no mesmo momento em que ele esperava um filho não planejado, aos 22 anos. Experimentei um pouco de tudo para fazer o negócio andar: em uns dias era guia de turismo, em outros fazia textos para o site e mídias sociais, em outros tentava fechar parcerias com hotéis. Às vezes, apareciam 5 pessoas para um tour, outras apareciam 1 ou 2, e na maioria das vezes não aparecia ninguém. Um ano e meio depois, desistimos da empresa.

Por ter empreendido, aprendi alguma coisa sobre comunicação e marketing, o que foi necessário para ser contratado pela Endeavor, uma das principais organizações de apoio a empreendedores no mundo. Era o trabalho ideal: poderia aprender mais sobre empreendedorismo para abrir uma empresa no futuro e, ao mesmo tempo, liderar um projeto de estratégia digital, com foco em conteúdo e educação para empreendedores. Comecei ganhando um salário parecido com o do meu primeiro estágio, mas estava determinado a não desperdiçar aquela oportunidade.

Ali eu fui feliz e me encontrei, finalmente. Nos 4 anos seguintes, criei dezenas de projetos, fui reconhecido profissionalmente, vi meu salário aumentar, conheci pessoas que me influenciam até hoje e tive meus primeiros desafios de liderança de times. Ali também conheci a mulher que se tornaria minha companheira para a vida. Mas, em algum momento, também me cansei. Para onde continuaria minha carreira, que já era totalmente irregular?

Voltei à estaca zero. Comecei a fazer trabalhos como freelancer, meio errático, até receber uma proposta de uma agência de publicidade. Aquele era um mundo que queria conhecer, então me joguei. Poucos meses depois, percebi que eu era absolutamente incompatível com aquele ambiente e pedi demissão. Comecei a dar aulas em algumas universidades para complementar a renda e também para aprender mais sobre a área de educação.

Surgiu a oportunidade de trabalhar em uma startup de tecnologia para educação básica e mais uma vez eu disse sim. Foi uma experiência incrível, especialmente porque, do momento em que eu pisei na empresa em diante, as coisas começaram desmoronar. A complexidade de escalar e crescer uma empresa é definitivamente subestimada quando se olha de fora. Acompanhei de perto os dramas e decisões dos empreendedores, as vitórias heróicas e os ciclos de demissões em massa e redimensionei o tamanho do desafio que é empreender no Brasil. Ainda assim, 2 anos depois, eu pedi demissão para abrir mais uma empresa, a Tera.

E lá se vão mais 4 anos empreendendo um novo modelo de escola para o futuro do trabalho. Sou extremamente realizado, embora liderar uma empresa (hoje com 40 pessoas e milhares de estudantes) seja um desafio gigantesco. Levei 15 anos para chegar até aqui, comecei e desisti de um monte de projetos, e no final o sentimento que eu carrego é que mesmo o que deu errado foi certo, se não fosse essa exata combinação de experiências não teria chegado até aqui. Minha história não é de sucesso, mas de uma coleção de tentativas, descobertas e fracassos que me levaram a encontrar um caminho para ser feliz com minha vida produtiva.

Ser feliz no trabalho é um jogo de tentativa e erro

Um grupo de pesquisadores de Harvard criou um projeto para investigar quantas pessoas realizadas no trabalho, e reconhecidas em suas áreas, tinham uma trajetória irregular. No início do projeto, chamado Dark Horse, eles pensaram que teriam que entrevistar 5 pessoas para que 1 se adequasse ao padrão de “tentativa e erro”.

A surpresa veio quando eles descobriram que de cada 50 pessoas entrevistadas, 45 tiveram uma vida profissional cheia de buracos, fracassos e recomeços.

Diferentemente do que pensamos, um caminho possível para ter uma vida produtiva e ser bem sucedido no trabalho é se aventurar em um monte de projetos e áreas até encontrar aquela atividade que se encaixa perfeitamente com quem você é.

Em momentos como este que vivemos, em que muita coisa desmorona e somos forçados a refletir sobre o futuro e ensaiar próximos passos, é importante a gente lembrar que o caminho se faz um passo de cada vez — é disso que se trata evoluir profissionalmente. Nunca sonhei em ser colunista de uma das principais publicações de negócios do país, e nunca me coloquei este objetivo. Agora, me vejo aqui, escrevendo — e me sinto bem.

Tendemos a acreditar que as pessoas bem sucedidas definiram cedo na vida sua trilha, e se mantiveram firmes nela, sem desistir, até alcançar seus objetivos. A cada dia, estudos mostram que a realidade é exatamente oposta: a maioria simplesmente se deixa levar por pelas suas curiosidades e interesses, e, ao longo da vida, vai convergindo para sua verdadeira vocação.

A verdade é que nunca sabemos para qual direção um fracasso irá nos levar, e cada mudança de rota pode estar nos aproximando da atividade que nos fará feliz — até a próxima aventura.

*Leandro Herrera é fundador e CEO da Tera

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