Análise setorial dos impactos das medidas restritivas relativas ao COVID-19 nos rendimentos dos trabalhadores formais do Estado de São Paulo

Luiza Pellin Biasoto
Somos Tera
Published in
9 min readApr 20, 2020

O Estado de São Paulo vem sendo fortemente afetado pela disseminação do COVID-19 desde que este chegou ao país no final de fevereiro. A partir do 50º caso, a curva de contágio atingiu um estado de crescimento geométrico, no qual os casos confirmados passaram a dobrar a cada dois dias.

Cientistas voluntários se reuniram para desenvolver análises que sugerem que os casos confirmados estão sendo subnotificados no país, seja por falta de testes ou por demora nos seus resultados. De acordo com o estudo, os casos de COVID-19 do Estado de São Paulo já pode ter ultrapassado a marca de 120 mil casos (referência do dia 11/04/2020). A taxa de subnotificação chega a 93%, o que pode colocar o Brasil como o segundo país do mundo com mais casos confirmados da doença.

Estudos indicam que medidas de contenção e isolamento social são efetivas para desacelerar a taxa de contágio e evitar que o sistema de saúde atinja o limite de sua capacidade. Quão mais “achatada” a curva de contágio, menos pessoas precisarão de auxílio médico ao mesmo tempo e mais leitos estarão disponíveis para tratar os casos graves.

Porém, medidas de isolamento social trazem consigo um forte efeito colateral: o consumo cai, shoppings e centros econômicos fecham, a indústria de transformação e de entretenimento são prejudicadas… e isso tudo leva a uma queda de arrecadação que acaba sendo refletida nos seus funcionários, que tendem a questionar as medidas de contenção impostas e a desobedecer a quarentena para garantir o seu sustento.

Assim, o mercado não é capaz de garantir proteção a seus trabalhadores por si só. A situação atual não possui precedentes e a maioria das empresas não possui caixa suficiente para conseguir atravessar a crise sem recorrer ao corte de funcionários.

A vida e a proteção dos trabalhadores devem ser priorizadas, e, por isso, uma intervenção do governo se faz necessária para que a população possa garantir sua proteção durante a epidemia. O correto direcionamento de um auxílio financeiro, neste momento, pode evitar que mais pessoas sejam expostas ao vírus e, consequentemente, diminuir a demanda por atendimento médico e internações.

A seguir será apresentada uma análise do impacto do COVID-19 no rendimento do trabalhador formal dos diferentes setores da economia do Estado de São Paulo, que tem como objetivo fornecer insights para a priorização de auxílios financeiros aos setores mais vulneráveis, de forma a:

  • estimular a economia e a empregabilidade;
  • viabilizar às empresas a conservação do seu quadro de funcionários;
  • proteger os trabalhadores durante o período de distanciamento social;
  • melhorar o diálogo entre o governo e a população para aumentar a sua aderência às medidas restritivas de forma a conter a disseminação da doença.

Foram cruzadas informações de bases e estudos públicos de forma lógica para obter estimativas quantitativas de impacto para diferentes cenários de isolamento social.

Ao final deste estudo será possível identificar os setores e cidades mais vulneráveis do Estado de São Paulo, assim como ter uma base para refino das premissas adotadas e posterior modelagem dos dados disponíveis.

Metodologia

Foram utilizadas as bases da RAIS, com informações de rendimentos de trabalhadores formais por estabelecimentos, classificados por códigos CNAE, e um estudo recentemente publicado pela Organização Internacional do Trabalho, que traz os impactos do COVID-19 na redução de horas de trabalhadores mundialmente.

ILO — Monitor 2nd edition: COVID-19 and the world of work

A Organização Internacional do Trabalho (ILO — International Labour Organization) é uma agência da ONU, que tem por objetivo estabelecer padrões trabalhistas, desenvolver políticas e elaborar programas que promovam trabalho decente para todas as mulheres e homens. A ILO publicou no dia 07/04/2020 um estudo que relaciona o COVID-19 com a redução de horas de trabalho globais. Esta estima que haverá, em média, uma redução de 6,7% do total de horas de trabalho globais durante o segundo quadrimestre de 2020, e distribui cada setor da economia em uma escala de baixo, médio ou alto impacto.

Tabela 1. Régua de impacto disponível no estudo da ILO.

Utilizaremos neste estudo a média de 6,3% de redução de horas de trabalho atribuída pela ILO para as Américas, que foi distribuída entre os diferentes setores da economia de acordo com sua régua de impacto, ponderado linearmente com o rendimento total de cada subsetor obtido com a fonte a seguir.

RAIS — Relação Anual de Informações Sociais

As informações da RAIS são um importante instrumento de coleta de dados da gestão governamental do trabalho, que tem por objetivo:

  • o suprimento às necessidades de controle da atividade trabalhista no país,
  • o provimento de dados para a elaboração de estatísticas do trabalho,
  • a disponibilização de informações do mercado de trabalho às entidades governamentais.

Foram utilizadas as bases de estabelecimentos e de vínculos empregatícios de 2018, a mais recente disponível publicamente pela RAIS. Da base de vínculos empregatícios, retira-se o rendimento médio anual dos trabalhadores agrupado por código CNAE, para ser posteriormente cruzado com a base de estabelecimentos, a qual traz informações extras de município e quantidade de vínculos empregatícios. O resultado é uma base com informações de rendimentos por municípios e códigos CNAE.

Por fim, para a junção das informações adquiridas, traduz-se os códigos CNAE das bases RAIS para as subdivisões determinadas pela Comissão Nacional de Classificação (CONCLA) do IBGE para o mesmo agrupamento das categorias do estudo da ILO.

A lógica de cálculo do impacto de redução das horas trabalhadas por subsetor da economia segue o seguinte raciocínio: a) inicialmente define-se um impacto mínimo de 1,0% para o setor menos impactado, que na régua da ILO é a Educação; b) a média de 6,3% então é extrapolada linearmente entre os subsetores, seguindo a régua de impacto e sendo ponderada pelo rendimento total dos subsetores adquirido pela base da RAIS.

O resultado deste cálculo é apresentado na tabela a seguir:

Tabela 2. Impactos distribuídos para cada subsetor.

A Blavatnik School of Government da Oxford University criou um índice de rigor (Stringency Index) para analisar a contenção imposta pelos governos mundiais através de 13 indicadores, como o fechamento de escolas, proibição de viagens e até a implantação de medidas fiscais e monetárias. Este índice é utilizado como uma forma de comparação das respostas dos governos mundiais à crise, e para o Brasil foi o índice base para os resultados obtidos no estudo da ILO.

Dessa forma, o impacto de 6,3% na redução das horas é associado às medidas de quarentena determinadas pelo Estado de São Paulo, com início em 24/03, que estipula um cenário ideal de 70% de isolamento social. Monitoramentos recentes indicam que esta taxa de isolamento ainda não foi alcançada pela população. Por isso, dadas as incertezas do cenários que estamos enfrentando, foram estimados impacto para três cenários distintos: 42%, 70% e 100% de isolamento social.

Resultados

A Figura 1 abaixo mostra o resultado dos impactos financeiros para cada cenário e a participação de cada subsetor da economia nestes.

Figura 1. Resultado dos impactos financeiros para o trabalhador formal do Estado de São Paulo, com a participação de cada subsetor da economia.

Nota-se na Figura 1 que os três subsetores mais impactados (Mercado imobiliário, atividades de negócios e administrativas; Indústria da transformação; Comércio, reparação de veículos e motocicletas) representam pouco mais de 46% de participação nos rendimentos totais do Estado, enquanto que estes ultrapassam 67% de participação nos impactos totais.

Este resultado está em linha com o que já é possível observar hoje: os restaurantes, shoppings e lojas fechando, afetando diretamente o comércio e a alimentação. Estes param de demandar produtos de seus fornecedores, o que acaba afetando a indústria da transformação e toda a cadeia de suprimentos.

Para somar com o efeito da demanda, a indústria da transformação sofre com a crise de abastecimento de itens indispensáveis para seus processos produtivos. Esta enfrenta dificuldades para obter componentes de seus fornecedores majoritariamente asiáticos. Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) indica que o coronavírus já afeta 70% das empresas do setor eletroeletrônico.

O mercado imobiliário e de crédito no geral desacelerou, pois devido às incertezas do cenário, as pessoas estão sendo mais conservadoras e não utilizando o seu caixa ou adquirindo novas dívidas para a compra de um imóvel ou outro bem. A instabilidade do mercado de ações também trouxe um revés para o mundo dos investimentos, e atividades administrativas não essenciais ou dependentes de outros setores afetados também estão sendo paralisadas.

O subsetor do transporte, principalmente as empresas de transporte aéreo, e a hotelaria estão sofrendo um forte impacto do cancelamento de vôos e pelas medidas de isolamento e fechamento de fronteiras. Podemos definir o setor do turismo como parte de cada subsetor mais impactado pelo COVID-19: comércio, alojamento, transporte, alimentação, recreação…

Por outro lado, estima-se que a Educação será pouco afetada. Com o apoio da tecnologia, esse subsetor conseguiu se reinventar e proporcionar aulas e conteúdos à distância para seus alunos. Serviços essenciais como saúde humana e serviços sociais possuem pouco impacto previsto, assim como a administração pública, defesa e seguridade social por estarem associadas diretamente ao governo. Por fim, as empresas de utilidades (água, gás, esgoto, eletricidade…) possuem receitas reguladas e não são diretamente influenciadas pela paralisação das atividades econômicas.

Por utilizar as informações das bases da RAIS, que por um lado trazem uma maior precisão para cálculo do rendimento médio dos trabalhadores, essa análise considera apenas os vínculos empregatícios formais. O Estado de São Paulo alcançou 32,0% de informalidade — está em uma crescente desde 2016, quando este atingiu 27,4% de informalidade. Considerando que estão sendo analisados apenas trabalhadores formais, o subsetor de agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura, construção e o próprio turismo, que não possui um subsetor específico nessa régua, podem estar sendo subespecificados nos dados apresentados acima.

Figura 2. Impactos distribuídos por município.

A Figura 2 traz uma visualização dos impactos por município, disponibilizados em um mapa de calor em escala logarítmica do Estado de São Paulo. Na tabela estão as 15 cidades com maior volume financeiro impactado.

É possível observar que os principais polos econômicos do Estado estão diretamente ligados aos eixos rodoviários e são, por consequência, os mais vulneráveis à doença. Com o cancelamento de voos e diminuição da movimentação pelos aeroportos, estes eixos se tornaram a principal via de disseminação do vírus. Dessa forma, se for monitorada a rota de disseminação do COVID-19, pode-se observar se essa está seguindo os eixos rodoviários e já garantir medidas de proteção a essas regiões.

Conclusões

A curva de contágio do Estado de São Paulo está em uma crescente geométrica e a subnotificação dos casos acaba minimizando a sua sensação de urgência. Neste momento é necessário que os níveis de isolamento social voltem aos patamares inicialmente propostos pelo governo do Estado, de forma a evitar o colapso do sistema de saúde e reduzir a taxa de mortalidade da doença.

Esta análise proporcionou resultados quantitativos para a geração de insights, com o intuito de identificar os subsetores e municípios mais vulneráveis à doença e, por consequência, mais necessitados de auxílio financeiro para proteção de seus trabalhadores.

Como próximos passos, pretende-se utilizar econometria geoespacial para modelagem dos dados por município. Como foram utilizadas informações de rendimentos médios de 2018, é preciso ainda trazer estes para o valor presente, seja por atualização com dados mais recentes da RAIS, quando disponíveis, ou por algum indicador econômico a escolha, como o IGP-M.

A premissa adotada para a extrapolação linear dos impactos por subsetores também pode ser refinada através de estudos das suas centrais sindicais e sua força para manter a empregabilidade do trabalhador.

Por fim, é necessário realizar uma análise detalhada do setor informal, que alcançou quase um terço de participação na economia do Estado, de forma a complementar o impacto financeiro mensal alcançado neste estudo.

O momento agora é de nos protegermos e cuidarmos de uns aos outros. Fiquem em casa, não se arrisquem!

Agradecimentos

Esta análise foi parte do trabalho de conclusão de curso do Bootcamp de Data Science & Machine Learning da Tera.

Agradecimentos ao nosso grupo de trabalho:

Luiza Pellin Biasoto (https://www.linkedin.com/in/lpbiasoto/)

Beatriz Yumi Simoes de Castro (https://www.linkedin.com/in/beatrizyumi/)

Lucas Juliano (https://www.linkedin.com/in/lucasjuliano/)

Nicholas Furusato (https://www.linkedin.com/in/nicholasfurusato/)

Rogério Batista (https://www.linkedin.com/in/rogerio-batista-002/)

Agradecimentos também à Jessica Voigt (https://www.linkedin.com/in/voigtjessica/), expert da Tera, pelas discussões e disponibilização das bases da RAIS.

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Luiza Pellin Biasoto
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