John Maeda: “Na verdade, o design não é tão importante”

O head de inclusão e design computacional da Automattic acha que os designers devem dar suporte aos atores principais nas empresas de tecnologia — desenvolvedores e product managers.

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5 min readJan 8, 2020

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John Maeda falando na DesignInTech 2019. [Photo: Hutton Supancic/Getty Images/SXSW]

Por Katherine Schwab (publicado originalmente aqui, em inlgês)

Qual é o papel do design nos negócios? Por anos, os designers reivindicaram mais poder de decisão nas companhias,com o objetivo de construir produtos que servem aos usuários ao invés de interesses corporativos ou do avanço tecnológico puro e simples. Estudos recentes mostraram que o design tem de fato um impacto substancial no resultado final de um negócio, inspirando inúmeras empresas a se reposicionarem como design-oriented, ou “orientadas para o design”.

Pense em quantas grandes corporações compraram escritórios de design independentes só nos últimos anos.

Mas o astro do design John Maeda hoje propõe que a ideia — que ele próprio defendeu anteriormente — é falha. “Eu tenho amigos em todas as companhias e continuei escutando coisas como ‘orientado para o design’ e tudo mais e isso me deixou animado. Eu estava fazendo pressão para isso”, diz ele.

“Agora, alguns anos depois, eu estou numa fase em que eu entendi que [defender] era realmente importante, mas na realidade, design não é tão importante”.

Espera. O que?

Maeda, que é head de inclusão e design computacional da Automattic, empresa proprietária do WordPress, acha que o design deve exercer um papel secundário nas empresas de tecnologia, e não de liderança. No report anual feito por Maeda, o Design in Tech, ele diz que o design deveria ser um ator ou atriz coadjuvante para os papéis principais em uma empresa de tecnologia, que são desenvolvedores e product managers.

Quando empresas se tornam lideradas pelo design, ele acredita, designers estão dizendo “saia do caminho, eu sou o chefe”. A mentalidade nociva do “eu sou o chefe” se combina com a tendência no design do que ele chama de “micromundo de high-fives estéticos”: onde designers têm uma linguagem invisível sobre como deve ser um bom design, baseado em um histórico e experiência que eles tendem a privilegiar, além do entendimento de que designers juntos podem acabar excluindo outras pessoas. Maeda acha que esses dois elementos acabam alienando outras disciplinas, quando todos deveriam estar trabalhando juntos.

“Mais da metade dos designers ainda quer fazer coisas bonitas e não consegue evitar isso. É uma competência de fábrica”, diz Maeda. “Para uma pessoa na gestão do negócio, isso parece irrelevante. Para desenvolvedores, soa como ‘eu tenho que construir isso’”.

Em vez disso, Maeda acha que designers deveriam focar em ser bons companheiros de equipe, mais do que líderes. Ficar se preocupando muito se a influência do design é suficiente em um produto ou negócio, distrai da real visão: fazer grandes produtos que resolvem os problemas das pessoas.

É uma postura controversa, dado o quanto Maeda e outros líderes da indústria defenderam que o design fosse uma disciplina mais poderosa dentro das organizações.

“Designers estão cansados de ficar no banco e serem chamados para dar um toque em alguma coisa, eles não aguentam mais isso, querem revidar e se organizar”, diz ele. “Eu acho que no passado… eu defendi o design em geral, eu tinha que ser um líder simbólico daquilo. Senti que eu tinha essa responsabilidade”.

Mas Maeda diz que os últimos três anos na Automattic mudaram a sua perspectiva. “Eu continuei conhecendo tantas pessoas que me diziam que eu estava errado: designers de companhias de tecnologia me dizendo, ‘Você não sabe o que está falando’”. Esses detratores frearam o impulso inicial de Maeda de liderança do design a qualquer custo, e o encorajaram a pensar como essa abordagem nem sempre combina com o dia a dia da realidade dos negócios.

Claro, o problema não está limitado aos designers e ao design. Muitas disciplinas sofrem do “micromundo dos high-fives” — incluindo engenheiros e product managers.

Maeda acredita que é prejudicial ao negócio como um todo porque isso vem com um custo ao trabalho de equipe. Mas para designers, é especialmente crítico trabalhar com desenvolvedores.

“Nós sabemos que o pessoal da tecnologia está no comando do mundo: eles podem aprovar uma retirada e refazer o código e pode dar certo ou errado”, diz ele. “Mas se você não trabalha com eles, você não vai mover uma palha no universo”.

Em outras palavras, a única forma de mudar o sistema é trabalhar dentro dele.

Por fim, Maeda acredita que quando designers ganham mais poder do que desenvolvedores, eles fazem produtos mais fracos.

“Eu acho que qualquer empresa que deseje ser orientada para o design vai dar bastante importância à qualidade da experiência. Se o público [da empresa] forem designers, pessoas com alto padrão de qualidade, então fantástico. Mas se eles fizerem isso, talvez não se preocupem com o stack de tecnologia, que na verdade é uma parte frágil, e talvez funcione 99 de cada 100 vezes. E se eles estão tão focados na experiência, talvez não vão perguntar questões sobre o produto, se ele vai compensar financeiramente”.

Peguemos o exemplo da Jawbone, que já teve um valor de mercado de 1.5 bilhões de dólares. Seu produto Up, um gadget de acompanhamento de exercícios físicos, aguardado como o gadget mais quente de 2011, foi um fracasso. Na época, Cliff Kuang escreveu sobre o design impecável do Up (feito pelo famoso designer do Vale do Silício Yves Behar) — mas que não poderia recomendar o produto porque o software tinha tantos bugs que era virtualmente inútil. Finalmente, o produto (e a empresa) sucumbiram. A lição? Um desenho industrial bonito não significa nada quando acompanhado de uma engenharia fraca.

Maeda não é o único pensador do design a questionar empresas “orientadas para o design”. O head de design do Airbnb, Alex Schleifer, acredita que a cultura do orientado para o design tende a subestimar as ideias e opiniões de outras pessoas. Ele desenhou sua empresa para que designers não tivessem um tratamento especial: em vez disso, gestores de produtos carregam toda a responsabilidade de representar a perspectiva de usuários, ao invés do seu grupo na organização.

Para Maeda, o papel de suporte do design não é uma coisa negativa para os designers. Pelo contrário, dá a eles a chance de trabalhar com seus colegas como um time — o que, ele insiste, vai acabar gerando um design melhor.

“A reação de algumas pessoas tem sido ‘nossa, que coisa horrível. Precisa ser design-led, design-oriented, design-qualquer-coisa’. Eu digo, não tem filmes onde os melhores atores a atrizes coadjuvantes roubam a cena”?

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