“Jovens Potência”: Pode a tecnologia ajudar a aumentar a renda e aproximar o jovem da periferia do mercado de trabalho?

Cristian Delgado Arantes
Somos Tera
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10 min readFeb 10, 2022

Iniciamos nosso projeto do bootcamp de UX Design da Tera com um problema real que afetava a jovens: “Como podemos ajudar jovens periféricos a se conectarem com o mercado de trabalho?”

Confesso que inicialmente esse problema deixou minha cabeça (e a do meu time) fervilhando.

Parecia muito um daqueles ‘wicked problems’ que não tem uma resposta fácil e que talvez não conseguíssemos elaborar uma solução que sanasse de fato o problema para todos os envolvidos.

Pois bem, ainda assim, prosseguimos com a pesquisa, motivados a descobrir o que nos esperava.

Desk Research: contextualizando o cenário inicial

Na nossa Desk Research, descobrimos alguns dados interessantes:

  • 30% dos jovens em SP estão desempregados e sem estudos (PNAD,2020);
  • Distância, preconceito e lacuna digital (falta de acesso à internet e computadores) são barreiras reais que impedem o acesso ao primeiro emprego (G1-Globo, Napratica, 2021);
  • Sinais de ansiedade e depressão dobraram entre jovens na pandemia (Abril, 2021) — Será que esses dados estariam relacionados ao desemprego e falta de oportunidades?);
  • Os jovens da geração Z são criativos e propensos a empreender, vendo a tecnologia como parte intrínseca e crucial de qualquer negócio que venha a surgir (Iorgulesco, 2016 em Identidade da Geração Z na Gestão de Startups)

Munidos dessas informações iniciais, partimos para a pesquisa de mercado, onde identificamos soluções digitais que compartilham o mesmo público-alvo de nosso problema.

Não encontramos soluções focadas nesse problema em específico, porém, plataformas como a DIO (Digital Innovation One) e o CIEE (plataforma para jovens aprendizes com cursos online e vagas para estudantes), foram o mais próximo do desejado.

A Pesquisa Quantitativa

Realizamos uma pesquisa quantitativa por meio de formulário online, enviando-o em grupos no Facebook, enviando pessoalmente para conhecidos com idade dentro do nosso público-alvo (jovens de 16 a 24 anos) e também por meio de tráfego pago em Instagram e Facebook, com limitação de idade e também geográfica (para bairros da periferia de São Paulo e Rio de Janeiro).

Como resultado dessa ação de pesquisa, obtivemos 83 participações, que após filtragem, computaram 40 participações válidas.

Perfil de escolaridade dos participantes da pesquisa
A faixa etária predominante compreende entre 16 e 18 anos

Entre os dados mais relevantes da pesquisa quantitativa podemos ressaltar:

  • 77% dos participantes procuram emprego;
  • 58% já participaram de um processo seletivo antes;
  • Usam múltiplas fontes para buscar emprego: sites de vagas, indicações de conhecidos e redes sociais;
  • 38% da amostra tinha entre 16 e 18 anos e 58% possuía o ensino médio completo;
  • 94% das pessoas referiram ter boa conexão de internet para consumir aulas e conteúdo online, porém, como nossa pesquisa foi feita somente online, não conseguimos obter acesso aos jovens que tem dificuldades de conexão.

As Entrevistas: conhecendo nossa pessoa usuária

Nosso formulário tinha um campo para que as pessoas pudessem se voluntariar para nossa fase de pesquisa qualitativa e conseguimos, inicialmente, 12 voluntáries.

Entretanto, apenas 4 entrevistas puderam ser realizadas por questões de agenda das pessoas inscritas.

As quatro pessoas entrevistadas compartilharam diversos insights preciosos nos 40 minutos de conversa que lhes foram concedidos.

Abaixo, separamos algumas das principais frases que nos foram ditas:

“Acho que meu currículo é até melhor do que outras pessoas da minha idade mas infelizmente a idade é um fator que desvaloriza os candidatos

Meu maior problema sempre foi minha ansiedade, principalmente nas provas durante os processos seletivos de emprego.”

“O jovem precisa passar maturidade para os entrevistadores, principalmente se ele não tem experiência. É necessário fazer cursos profissionalizantes e formalizar a postura, não usar de gírias ou linguagem informal demais e principalmente, falar o que a empresa deseja ouvir, usar as palavras certas na entrevista

Não existem muitas coisas gratuitas boas e para muitos jovens, faltam condições para fazer cursos, melhorar o currículo e poder competir com quem estudou em escola particular. ”

“Há muitos cursos que se dizem gratuitos e na verdade, o material ou certificado acaba sendo um custo que o estudante de baixa renda não consegue arcar”

“Tenho que compensar minha falta de experiência fazendo freelas. É algo que gosto mas tenho dificuldade de fazer virar um primeiro plano. Sinto que a qualquer momento meu freela vai acabar e ficarei sem dinheiro.

“Comecei a trabalhar muito cedo, aos 14 anos, num emprego informal, como babá.”

“Já fui passeadora de cachorros quando mais nova, mas atualmente me mantenho como babá freelancer, é importante ter essa flexibilidade para conciliar meus estudos.

“Divido minha vida entre o teatro e meu trabalho como freelancer. Eu preciso muito dessa liberdade para poder me manter ensaiando e participando de peças de teatro, que é a minha verdadeira paixão.”

Além disso, diversos relatos de preconceito com gostos pessoais e hobbies, racismo e intolerância religiosa foram relatados pelas pessoas entrevistadas por parte de pessoas recrutadoras.

Em resumo, notamos que as pessoas entrevistadas possuíam as seguintes características:

  • Jovens de 16 a 24 anos (maioria de 16 a 18 anos);
  • Predominantemente se identificavam com o gênero feminino;
  • Possuíam grande necessidade ou vontade de empreender/ser freelancer por conta da flexibilidade e possibilidade de ganho rápido;
  • Tem dificuldade para obter empregos formais por conta da experiência ou mesmo discriminação por faixa etária (< 18 anos).

A Persona: para quem projetamos?

Vanessa, persona definida com base em pesquisas para o projeto

Após nossas pesquisas chegamos à elaboração da nossa persona. Vanessa tem 16 anos, faz alguns freelas (ou bicos temporários, como alguns entrevistados relataram) e mora na Zona Leste de São Paulo.

Priorizamos a faixa etária de 16 a 18 anos por ser predominante em nossa pesquisa e pelos relatos de baixa empregabilidade diretamente relacionada à idade.

Entre as coisas que Vanessa não vive sem estão o celular, a internet e o dinheiro que ela obtém de trabalhos informais.

Vanessa tem como objetivos fazer faculdade (mas não sabe relatar qual), ajudar melhor seus pais financeiramente, ter sua casa própria e empreender.

Entre seus principais medos estão o medo de não conseguir ter experiência profissional antes dos 18 anos e com o fim do freela atual, ficar sem dinheiro por muito tempo.

Suas dores principais são a falta de oportunidade para menores no mercado de trabalho, a ansiedade que lhe atrapalha em processos seletivos e a falta de contratação de menores por parte das empresas.

Redefinindo o desafio: para o que projetamos?

Redefinimos nosso problema inicial para “Como nós podemos capacitar o jovem da periferia para empreender como freelancer enquanto ele se prepara para o mercado de trabalho formal?”

Com base nas pesquisas, elaboramos uma Matriz CSD para organizar o que sabemos do projeto e pensar em ações para sanar esses problemas.

Matriz CSD com priorização, elaborada na fase de ideação

Consolidando a pesquisa: quais os maiores anseios?

Afim de reunir os insights gerados a partir das pesquisas, usamos a ferramenta ‘diagrama de afinidade’ ou affinity map.

Nessa ferramenta escrevemos em post-its todos os principais insights e frases contextuais que as pesquisas geraram.

E então, a equipe classificou esses post-its por similaridade de contexto, para que pudéssemos enxergar de forma mais fácil quais as necessidades e também, os desejos mais latentes de nossa pessoa usuária.

Afim de não prolongar o relato desse estudo de caso, iremos falar apenas sobre os agrupamentos que fizeram sentido para a ideação do projeto.

Grupo Ansiedade

O primeiro agrupamento dizia respeito aos problemas gerados pela ansiedade durante processos seletivos. Até então não tínhamos visualizado quão grande era essa problemática e após esse exercício, colocamos a ansiedade como um problema em foco.

Grupo Freelancer

Em seguida, o grupo mais evidente durante o exercício dizia respeito ao hábito de agir como freelancer. Nem todo jovem se referia a trabalho informal com o termo ‘freelancer’, então tomamos a liberdade de interpretar os termos ‘bico’ ou ‘job’ como freelancer.

Observamos uma confirmação do perfil traçado na persona: o desejo de empreender e ser uma pessoa freelancer e conseguir viver disso de forma mais recorrente. Entre as motivações, a liberdade de horário e geográfica se destacam.

Grupo Educação: a percepção dos entrevistados sobre educação

Ao analisarmos tudo que nos foi relatado sobre estudos e educação, percebemos uma lacuna: os jovens relatam a falta de organização em cursos EAD, somado à falta de cursos e qualificação gratuita.

Alguns referem que cursos poderiam auxiliar quem não tem experiência profissional a enriquecer o currículo na busca por uma vaga de emprego.

Agrupamentos sobre o uso de site de vagas para busca de emprego

Quando fizemos a pesquisa quantitativa não tínhamos muito claras as informações sobre uso de sites de vagas na busca por empregos.

Agora, analisando os grupos de afinidade, vemos que temos dois tipos de usuário distintos: quem nunca usou site de vagas, seja pela falta de experiência ou por não acreditar na contratação e aquele usuário que já usou site de vagas mas que não tem um bom resultado nos processos.

Visão geral da solução e estratégia

Analisando todo o contexto até aqui traçado, percebemos que parte da ansiedade do jovem na recolocação profissional tem um contexto econômico social marcante: a necessidade de levantar dinheiro rápido para o dia a dia e ter em vista uma profissão para seguir.

Dessa forma, chegamos à nossa solução: o Educolab, uma plataforma de ensino colaborativo onde teremos experts que compartilharão seus cursos e vídeos informativos sobre diversos assuntos, incluindo mas não somente:

  • Técnicas e dicas para se sair bem em processos seletivos, passo a passo;
  • Seção com cursos e vídeos para aprender a empreender e ganhar dinheiro rapidamente;
  • Diversos cursos de formação profissional de áreas como culinária, design, programação e tecnologia, beleza e artesanato.
  • Conteúdo de curadoria com experts em saúde mental orientando sobre ansiedade, com exercícios para autogestão e auxílio para identificar quando há a necessidade de buscar ajuda profissional.

Dessa forma além de capacitar os jovens podemos diminuir os casos de pessoas que ficam ansiosas para os processos seletivos e também incentivar a busca por ajuda profissional.

Viabilidade e visão de negócios

Afim de estudar sobre a viabilidade do negócio, recorremos a uma ferramenta chamada Lean Business Model Canvas.

Nessa ferramenta, temos uma visão panorâmica do projeto todo, com percepção de quais métricas podemos avaliar para saber o sucesso da plataforma, quais os canais de divulgação, qual a proposta única de valor do produto e qual vantagem injusta frente à concorrência.

Como nossos problemas principais identificamos o desejo dos usuários empreenderem e não saberem como, a ansiedade que os atrapalha em processos seletivos e a barreira entre o jovem e o mercado de trabalho motivada pela inexperiência e preconceito com a idade.

A nossa solução, detalhada no tópico anterior será uma plataforma colaborativa de conteúdo de formação, capacitação para freelancing e também de conscientização sobre ansiedade.

Temos como proposta única de valor os recursos para lidar com a própria ansiedade e a capacitação para processos seletivos, tópicos não abordados em nenhum outro app gratuito ou pago até o momento (janeiro de 2022).

Nosso app terá como vantagem injusta, isto é, diferencial, a gratuidade total, com emissão de certificados também gratuitos. Isso será viabilizado pela publicidade veiculada no app que será a principal fonte de renda.

Por fim, planejamos fazer divulgação através de links que direcionem à Play Store, parceria com os professores voluntários que irão divulgar o app e também, divulgação um a um em escolas da rede pública através de visitas.

Observações importantes:

  • Como se trata de um projeto fictício não temos dados reais sobre estrutura de custos.
  • Os professores voluntários serão pessoas com conhecimentos técnicos abrangentes no assunto que tenham canal no Youtube ou qualquer outro meio de contato e aceitem participar voluntariamente em troca de divulgação.
  • Inicialmente nosso MVP contempla as features descritas até aqui, porém nosso próximo milestone será atingido por meio de parceria com empresas e disponibilização de vagas dentro do app, ampliando a conexão entre jovens e empregadores.

Educolab: visão do protótipo

Fluxo do usuário:

Tela de login do app

1 - O usuário acessa a tela inicial de login e se cadastra ou faz login com e-mail ou conta do Google.

2 — Na tela inicial, temos 3 botões principais onde separamos cursos para preparar para processos seletivos, conteúdo sobre ansiedade e cursos para ganhar dinheiro rapidamente empreendendo.

Logo abaixo, temos sessões de cursos de diferentes assuntos e uma barra de navegação onde é possível buscar os cursos ou categorias desejadas, acessar os cursos matriculados ou ver os conteúdos favoritados.

3 — Para se inscrever em um curso é muito fácil, basta acessar a categoria desejada ou clicar em um dos três botões como no exemplo ao lado.

No exemplo, o usuário selecionou ‘vá bem nas entrevistas’, em seguida, escolheu o curso ‘Entrevista para o primeiro emprego’, se matriculou e obteve uma mensagem de confirmação, perguntando se desejava assistir agora, sendo então direcionado à tela de exibição do curso.

Conclusão

Com esse projeto aprendemos que o contexto do usuário pode ser bem diferente do que imaginamos e que por vezes, é necessário apresentar uma solução para o agora enquanto tentamos ajudá-lo com uma solução de longo prazo.

Sabendo que as necessidades do dia a dia requerem dinheiro rapidamente para garantir a sobrevivência e dignidade humana enxergamos o potencial de capacitar esses jovens-potência para empreenderem em diversos segmentos.

Isso pode, em parte, diminuir a ansiedade gerada pelo imediatismo que as necessidades do dia a dia os impõe.

Isso não é de forma alguma, uma substituição ao mercado formal, mas pode atuar de forma coadjuvante, enquanto a juventude adquire experiência e mais idade para o mercado formal.

Salientamos ainda a necessidade de uma mudança de mindset por parte das empresas e dos setores de recrutamento e seleção para com esses jovens tão cheios de vontade e garra.

Agradecimentos especiais a Lucas Andrião durante o desenvolvimento do projeto, ao grupo de trabalho e aos mentores/experts da Tera.

Acesse o protótipo completo

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Cristian Delgado Arantes
Somos Tera

UX Design Brasileiro. Ex-fisioterapeuta e Webdesigner em Wordpress. UX Designer based in Brazil. Also, I'm a former Physical Therapist and Web Designer.