O que é mindset ágil?

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10 min readAug 9, 2020

A revolução do mindset ágil está transformando o mundo do trabalho.

Photo by Bonneval Sebastien on Unsplash

A revolução do mindset ágil está transformando o mundo do trabalho. Essa ideia decolou na área de desenvolvimento de software em 2001, e agora está se espalhando rapidamente, sob vários rótulos, para todas as partes e todos os tipos de organizações (incluindo as cinco maiores empresas do mundo). É realmente uma revolução copernicana na administração dos negócios.

Como o professor Julian Birkinshaw declarou em 2016, entramos na era do Agile. As empresas ágeis agora são capazes de fornecer um valor instantâneo para as pessoas, reproduzido em escala.

Caso você não tenha notado, tudo já está diferente.

Uma característica marcante dessa revolução é a visão difundida entre os profissionais de que o sucesso no gerenciamento Agile depende de um mindset ágil.

Mas afinal, o que é o mindset ágil?

Diz-se que os profissionais têm uma mentalidade ágil quando estão preocupados — e às vezes obcecados — em inovar e agregar cada vez mais valor ao cliente, em realizar trabalhos em pequenas equipes auto-organizadas e em colaborar com o network.

Demonstrou-se que as organizações com colaboradores de mindset ágil têm a capacidade de se adaptar rapidamente a um mercado em rápida mudança.

Entretanto, costuma-se dizer que os gerentes de organizações administradas tradicionalmente têm uma mentalidade burocrática quando se preocupam principalmente em ganhar dinheiro para a empresa e seus acionistas.

Essas pessoas geralmente organizam o trabalho de acordo com regras, papeis e critérios que determinam uma hierarquia fixa “de cima para baixo”, com várias camadas e divisões pré-determinadas que atrapalham o ideal de agilidade.

Como Gary Hamel diz: “(…) A estratégia é definida no topo. Grandes líderes nomeiam pequenos líderes. Esses indivíduos competem pela promoção. A remuneração está correlacionada com a classificação. Tarefas são atribuídas. Os gerentes avaliam o desempenho. As regras circunscrevem fortemente a discrição durante todo o processo”.

Em outras palavras, a burocracia resultante de tal mentalidade costuma dificultar a adaptação a um mundo em rápida mudança.

Os dois tipos diferentes de mentalidade exercem uma poderosa influência no comportamento de suas respectivas organizações e podem ser vistos como tendo a força de fato das leis organizacionais, como demonstrado na imagem a seguir:

(A mentalidade ágil versus a mentalidade burocrática, por Stephen Denning).

Não é que aqueles com uma mentalidade mais burocrática não se importem com o cliente: é que eles geralmente se concentram mais em ganhar dinheiro para a empresa e seus acionistas.

Também não significa que essas pessoas nunca focam no trabalho em equipe; é que, em uma burocracia, as equipes auto-organizadas são a exceção, não a regra.

Uma mentalidade burocrática, quando compartilhada por dezenas de milhares de funcionários e funcionárias, tende a criar um tipo de organização radicalmente diferente — e bem menos adaptável — do que uma mentalidade ágil.

Minhas primeiras impressões do mindset ágil

O manifesto Agile profundamente pragmático de 2001 não menciona nenhum “mindset ágil”. Meu livro “The Leader’s Guide to Radical Management” (traduzido como “O guia do líder que quer implementar o gerenciamento radical”), fala sobre atitudes, abordagens, pontos de vista e filosofias do tema, mas também não menciona nenhum “mindset”.

Encontrei o termo “mindset” pela primeira vez em 2015, quando as firmas-membro do Learning Consortium estavam tentando descrever o que haviam aprendido em uma série de visitas a empresas como Microsoft, Ericsson e Menlo Innovations (empresas que disseram ter implementado o “gerenciamento ágil”).

Nessas discussões, nós nos perguntamos: o que exatamente essas empresas estavam fazendo e por quê? Ficamos intrigados com as muitas variações de princípios e práticas que observamos, bem como com o fato de algumas empresas pareciam incorporar o espírito do Agile sem nunca usar o rótulo Agile.

O que essas empresas tinham em comum? Ficamos impressionados com uma coisa: os(as) gerentes de empresas bem-sucedidas parecem falar e agir de maneira diferente dos das empresas menos bem-sucedidas.

Quando os(as) gerentes falavam e agiam de maneira “ágil”, os benefícios pareciam fluir, mesmo que houvessem falhas nos processos. Por outro lado, quando os gerentes falavam e agiam de maneira burocrática mais tradicional, poucos ou nenhum benefício parecia fluir, mesmo quando as empresas estavam implementando processos e práticas Agile de acordo com o livro.

O que estava acontecendo?

Em nossas discussões no Learning Consortium, o CEO da Menlo Innovations, Rich Sheridan, sugeriu um termo que poderia resumir o que estávamos tentando descrever: os(as) gerentes de sucesso têm “um mindset ágil”. Aqueles que não possuem esse mindset, não o possuem e pronto. E essa foi a conclusão central do nosso relatório de 2015.

Compartilho com vocês uma parte do relato: “(…) Uma característica universal de todas as visitas ao local era o reconhecimento de que a obtenção dos benefícios depende da mentalidade de liderança necessária. Onde as práticas e metodologias de gerenciamento foram implementadas sem a mentalidade necessária, nenhum benefício foi observado. Individualmente, nenhuma das práticas de gerenciamento observadas é novidade. O que há de novo é a maneira como as novas metas, práticas e valores de gerenciamento constituem um sistema coerente e integrado, impulsionado e lubrificado com uma mentalidade de liderança ágil”.

De fato, o termo “mindset ágil” foi pioneiro pelo menos cinco anos antes em 2010 pelo líder do pensamento ágil Ahmed Sidky, como representado em seu brilhante diagrama abaixo:

(O mindset Agile, imagem de Ahmed Sidky).

O mindset de crescimento de Carol Dweck

Ainda antes, em 2006, a professora de Psicologia de Stanford, Dra. Carol Dweck, popularizou o termo “mindset” em seu livro mais vendido, “Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso” (Random House, 2006).

Ela distinguiu os mindsets entre uma “mentalidade fixa” e uma “mentalidade de crescimento”. A mentalidade fixa era aquela em que a pessoa determinava: “(…) acredito que minha inteligência, personalidade, caráter são fixos e obsoletos. Meu potencial é determinado no momento do meu nascimento. Ele não pode ser alterado”.

Por outro lado, uma mentalidade de crescimento era aquela em que o indivíduo afirmava: “(…) acredito que meu sucesso se baseia em trabalho duro, aprendizado, treinamento, resiliência e determinação”.

Dweck ofereceu em sua obra algumas pesquisas educacionais mostrando que as práticas de ensino baseadas em uma mentalidade de crescimento obtiveram melhores resultados do que as práticas baseadas na mentalidade fixa.

(Alguns bons livros com a temática “mindset”: “O mindset Agile” de Gil Broza, “O lado humano do mundo enterprise” de Douglas McGregor e a obra supracitada de Carol Dweck).

Alguns praticantes do Agile equiparam o mindset ágil à mentalidade de crescimento de Dweck. Contudo, esse é um uso incomum, pois parece omitir os principais elementos da revolução do gerenciamento ágil — o foco em clientes, nas pequenas equipes e nas redes de network.

A pesquisa de Dweck está, portanto, mais preocupada com a educação individual do que com a administração em si.

Duas outras preocupações sobre o trabalho de Dweck também devem ser mencionadas: uma é que a pesquisa de Dweck, apesar de relevante, ainda precisa ser aplicada a casos concretos — um requisito essencial para estabelecer sua validade. Outra preocupação é que os exemplos de gerenciamento citados em seu amplo livro parecem não ser totalmente assertivos.

A autora afirma que a mentalidade de crescimento levou as empresas de Jim Collins a lucrarem (o livro conta que os heróis dessa história incluem Jack Welch, da GE, e Lou Gerstner, da IBM). Enquanto isso, o fixed mindset (ou “mentalidade fixa”) é citado como a razão por trás das falhas de Lee Laccoca na Chrysler, Albert “Chainsaw Al” Dunlap na Sunbeam, Steve Case na AOL Time Warner e Ken Lay e Jeff Skilling na Enron.

Em uma escrita tão ousada é preciso se perguntar se os conceitos acabaram sendo estendidos além da conta.

A teoria Y de Douglas McGregor

O mindset ágil também é frequentemente associado ao trabalho de Douglas McGregor, professor de administração do MIT. A Teoria Y determina que gerentes são incentivados a confiar e apoiar o seu pessoal a fazer a coisa certa.

Essa teoria opõe-se à Teoria X, na qual gerentes desconfiam de seus funcionários e funcionárias e lhes dizem o que fazer.

Por esse motivo é plausível dizer que o livro de McGregor, “The Human Side of Enterprise”, faz o uso do conceito de mindset antes mesmo desse termo se tornar tão popular.

Embora o mindset ágil seja congruente com a mentalidade da Teoria Y, o primeiro conceito vai além do que o segundo propôs.

McGregor permaneceu neutro no posicionamento em questões como “cliente versus acionista”, “hierarquia versus a network/colaboração” e até na “Teoria X versus a Teoria Y”. Sua abordagem ofereceu uma maneira de encarar as questões em vez de resolvê-las e foi mais influente entre os pensadores humanistas do que entre as pessoas gerentes e administradoras.

Nas décadas seguintes a 1960, as empresas se concentraram cada vez mais no downsizing e no valor para os acionistas. A Teoria X passou a dominar, enquanto a Teoria Y permaneceu como um ideal não realizado.

As múltiplas “mentalidades” definidas por Gil Broza

Gil Broza, em seu interessante livro intitulado “The Agile Mindset” (3P Vantage Media: 2015), escreveu que um(a) líder pode ter várias “mentalidades” — Agile, Waterfall e Lean — e pode escolher a mentalidade mais apropriada de acordo com a tarefa do momento.

Os elementos da mentalidade ágil, no entanto — a priorização de clientes em relação aos acionistas, de equipes auto-organizadas em relação a indivíduos controlados por chefes e de redes de colaboração ao invés de hierarquias de “cima para baixo” — não mudarão diariamente. Algumas pessoas podem maquiar a realidade e se fazerem de perfeitos modelos a serem seguidos nessa área, mas o domínio completo da habilidade gera tempo.

Os objetos do mindset ágil também não são passíveis de ajustes a qualquer momento.

Portanto, há muito a ser considerado quando tentamos definir se uma pessoa tem a mentalidade ágil ou não.

Mindset ágil como uma mentalidade profissional

Talvez seja melhor pensar no mindset ágil como algo semelhante à mentalidade de uma profissão, como a de uma advogada, médica ou economista.

Advogados, médicos e economistas pensam sobre certos problemas de uma maneira característica. Eles percebem certos tipos de informações, dados e preocupações em seus respectivos assuntos com mais facilidade. Eles analisam os problemas de suas respectivas maneiras. Eles buscam seus respectivos tipos de soluções. Essas diferentes maneiras de pensar, perceber e agir como advogados, médicos e economistas, são adquiridas ao longo de anos de treinamento e prática, que por sua vez geram atitudes, valores e modos de pensamento característicos.

Mentalidades profissionais não são coisas que podem ser adquiridas durante a noite ou um curso de treinamento de dois dias.

Da mesma forma, os gerentes com uma mentalidade ágil também prestam atenção a certos tipos de informações, dados e preocupações de uma forma específica. Eles analisam problemas de maneiras particulares. Eles tendem a buscar certos tipos de soluções, concentrando-se no valor para os clientes, no trabalho em equipes pequenas e na colaboração. Suas formas de pensar, perceber e agir são frequentemente adquiridas ao longo de um período de anos de prática.

Não devemos nos surpreender com o fato de que a mentalidade ágil também não é algo que pode ser adquirido durante a noite ou em um curso de treinamento de dois dias.

O que estamos falando é que, com o mindset ágil, há o surgimento da noção de que gerenciar é — finalmente! — uma profissão real.

A natureza do mindset ágil

O mindset ágil é mais pragmático e orientado para a ação do que uma filosofia teórica. Vai além de um conjunto de crenças e se torna uma ferramenta para o diagnóstico e a base para a ação. É construído com base no conhecimento adquirido com a dificuldade da experiência.

Também pode ser chamado de estrutura, framework, paradigma ou modelo a ser seguido. No entanto, “mindset” parece a melhor escolha de palavra, uma vez que reflete o cenário de padrões de raciocínio.

O mindset ágil reflete maneiras de pensar que se desenvolveram ao longo do tempo. É um certo estado de espírito que enfatiza algumas coisas em detrimento de outras.

É uma postura que deve continuar a crescer e evoluir.

Lições aprendidas pelo caminho

Mudanças grandes, profundas e épicas (como a que estamos passando agora) levaram a profundas mudanças na sociedade antes, como a revolução de Copérnico na astronomia em 1539 e a revolução de Sir Frances Bacon na ciência em 1620.

Nessas revoluções intelectuais, podemos ver que os processos e práticas variaram, mas em cada caso, a mudança foi impulsionada por uma mentalidade constante.

Também podemos ver que, em cada caso, a mudança foi inicialmente resistida e a adoção completa da sociedade levou muito tempo. Versões falsas da mudança eram apresentadas inicialmente. No entanto, no final, a resistência foi inútil. A melhor mentalidade se mostrou mais forte do que a própria sociedade e prevaleceu.

Agile é mais do que uma mentalidade. Inclui muitos valores, princípios e práticas diferentes. Mas o que é ainda mais importante é a inteligência humana, a sensibilidade e os valores que estão direcionando esses processos, práticas e sistemas.

Esses valores podem ser usados ​​para o bem ou para o mal; podem abaixar e desumanizar a humanidade ou elevá-la e sustentá-la.

Compreender o mindset ágil como mentalidade profissional nos ajuda a alcançar a segunda hipótese.

Gostou? Continua interessado(a) no assunto? :)

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