Saiba qual é o “trabalho a ser feito” de seus clientes

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20 min readAug 9, 2020

Você já ouviu falar de “jobs to be done”?

Photo by Emily Morter on Unsplash

Este conteúdo é uma tradução do artigo Know Your Customers’ “Jobs to Be Done”, publicado na Harvard Business Review por Clayton M. Christensen, Taddy Hall, Karen Dillon e David S. Duncan.

Desde que nos lembramos, a inovação tem sido uma prioridade (e também uma frustração) para quem ocupa um cargo de liderança.

Em uma pesquisa recente da McKinsey, 84% das pessoas executivas globais relataram que a inovação era extremamente importante para suas estratégias de crescimento; mas, ao mesmo tempo, 94% delas estavam insatisfeitas com o desempenho de inovação em suas organizações.

A maioria das pessoas concorda que a grande maioria das inovações fica muito aquém de suas expectativas.

Entretanto, em alguns pontos, a tecnologia vai muito além dos marcos esperados.

Graças às inovações, por exemplo, as empresas estão começando a realmente conhecer os seus clientes.

Hoje, com a revolução do Big Data, as organizações podem coletar uma enorme variedade e volume de informações de clientes (em uma velocidade sem precedentes). Por causa dessa tecnologia é possível que as empresas façam análises sofisticadas de dados, algo muito benéfico para suas operações.

Muitas empresas estabelecem processos de inovação estruturados e disciplinados e trazem talentos altamente qualificados para executá-los. Quando isso acontece, é porque elas provavelmente já calcularam e mitigaram cuidadosamente todos os riscos das inovações que planejam implantar. Ou tentaram fazer isso.

Para quem vê de fora, parece que as empresas dominaram um processo científico muito preciso. Mas, na maioria dos casos, a inovação ainda é dolorosamente imprevisível para todas as pessoas envolvidas.

Por que isso acontece?

O problema fundamental é que a maioria dos estudos de dados do(a) cliente, feitos por empresas, acontece por meio de correlações.

Um exemplo clássico: “esse cliente se parece com aquele, vamos usar a mesma receita”, ou “68% dos clientes dizem que preferem a versão A à versão B, então ficaremos com a versão A”.

Embora seja empolgante encontrar padrões nos números, é preciso ter em mente que as soluções para os casos não são necessariamente correlatas em pontos subjetivos.

E, embora não seja de surpreender que a correlação não seja causalidade, suspeitamos que a grande maioria das pessoas que ocupam cargos de gerência tenha se acostumado a basear suas decisões em correlações.

Por que isso não é recomendado?

Considere o caso de um dos co-autores deste artigo, Clayton Christensen. Ele tem 64 anos; é um homem de um metro e oitenta e cinco de altura. O tamanho do seu sapato é 38. Ele e a esposa viram todos os filhos saírem de casa para fazer a faculdade em outra cidade. Ele dirige uma minivan Honda para trabalhar…

Ele tem muitas características, mas nenhuma delas o fez sair e comprar o New York Times. Suas razões para comprar o jornal são muito mais específicas. Ele pode comprá-lo porque quer ler algo para se distrair em um voo de uma viagem de trabalho, ou porque é fã de basquete e quer ficar por dentro do que acontece no “March Madness”, entre outras milhões de possibilidades.

Os profissionais de marketing que coletam informações demográficas ou psicográficas sobre Clayton — e que procuram correlações com outros segmentos de compradores — certamente não vão entender esses motivos.

Depois de décadas assistindo a grandes empresas fracassarem, chegamos à conclusão de que o foco na correlação (e em saber mais e mais sobre os infinitos gostos dos clientes) está levando as empresas a trilharem a direção errada.

As empresas precisam ter como prioridade a compreensão da jornada do seu cliente.

Elas precisam ter respostas para perguntas como: qual o progresso do meu cliente no seu objetivo? O que essa pessoa está tentando fazer nesta determinada circunstância? O que ele ou ela esperam alcançar nesta etapa?

É assim que chegamos na expressão “o trabalho a ser feito”.

Todos temos muitos trabalhos a serem realizados em nossas vidas.

Alguns trabalhos são pequenos (ter que esperar um tempinho na fila para ser atendido); alguns são grandes (encontrar uma carreira mais gratificante). Alguns surgem imprevisivelmente (como comprar um novo vestido para uma reunião de negócios fora da cidade depois que a companhia aérea perdeu sua mala), enquanto alguns acontecem regularmente (fazer um almoço saudável para minha filha levar para a escola).

Quando compramos um produto, essencialmente o “contratamos” para nos ajudar a fazer um trabalho. Se esse produto funcionar bem, na próxima vez que formos confrontados com o mesmo trabalho, tenderemos a contratar esse mesmo produto novamente. E se ele fizer um péssimo trabalho, nós o “despedimos” e procuramos por uma nova alternativa.

(Importante mencionar que estamos usando aqui a palavra “produto” como uma abreviação de qualquer solução que as empresas possam vender. É claro que o conjunto completo de “candidatos” que podemos considerar na fase de “contratação da solução” pode ir muito além das ofertas das empresas).

Esse insight surgiu nas últimas duas décadas em um curso ministrado por Clayton na Harvard Business School (confira aqui o artigo “Marketing Malpractice: The Cause and the Cure”, que pode ser traduzido como “Imperícia no Marketing: a causa e a cura”, escrito também por Clayton e publicado pela HBR).

A teoria dos trabalhos a serem realizados foi desenvolvida em parte como um complemento à teoria da inovação disruptiva — que, em sua essência, trata de respostas competitivas à inovação: explica e prediz o comportamento das empresas que correm o risco de serem interrompidas e as ajuda a entender quais novos pontos representam as maiores ameaças.

E é importante enfatizar que a teoria da interrupção não explica como criar produtos e serviços que os(as) clientes de fato desejam comprar. Porém, a teoria dos trabalhos a serem realizados faz esse trabalho.

Ela transforma nosso entendimento da escolha do(a) cliente de uma maneira que nenhuma quantidade de dados jamais poderia, porque chega ao fator causal por trás de uma compra.

O negócio que realmente muda vidas

Há uma década, Bob Moesta, consultor de inovação e amigo nosso, foi encarregado de ajudar a aumentar as vendas de novos condomínios para uma empresa de construção da região de Detroit.

A empresa tinha como alvo aposentados e aposentadas que queriam sair da casa da família e pais solteiros divorciados. Suas unidades foram precificadas para atrair esse segmento — US$ 120.000 a US$ 200.000 — com toques sofisticados para dar uma sensação de luxo. Pisos “sem ruído”. Porões triplos à prova d’água. Balcões de granito e utensílios de aço inoxidável. Uma equipe de vendas bem equipada estava disponível seis dias por semana para qualquer possível comprador ou compradora que entrasse pela porta. Uma campanha de marketing generosa exibiu anúncios nas seções relevantes do setor imobiliário de domingo…

As unidades receberam muito tráfego, mas poucas visitas acabaram se convertendo em vendas. Talvez a solução fosse substituir essas janelas por outras melhores, de sacada? As pessoas responsáveis pensaram que isso poderia ser uma boa ideia. Assim, o arquiteto se esforçou para adicionar outras janelas de sacada (e quaisquer outros detalhes que a equipe sugerisse). E as vendas não melhoraram.

Embora a empresa tenha feito uma análise de custo-benefício de todos os detalhes em cada unidade, ela tinha pouquíssima noção da diferença entre os “curiosos de plantão” e os compradores sérios que apareciam.

Era fácil especular sobre os motivos das vendas fracas: mau tempo, vendedores e vendedoras de baixo desempenho, a recessão iminente, lentidão nas férias, a localização dos condomínios… Mas, em vez de examinar esses fatores, Moesta adotou uma abordagem incomum: ele decidiu aprender com as pessoas que haviam feito o negócio. “Pedi às pessoas que desenhassem uma linha do tempo de como elas chegaram até aqui”, lembra ele.

A primeira coisa que ele aprendeu, reunindo ideias em dezenas de entrevistas, foi que não havia um padrão de pessoa que provavelmente compraria exato. Não havia um perfil demográfico ou psicográfico claro das pessoas compradoras de imóveis novos, apesar de todas essas pessoas terem algumas semelhanças. Tampouco havia um motivo determinante ou um conjunto definitivo de motivos em comum que fossem a razão dessas pessoas terem feito a compra.

Mas as conversas revelaram uma pista incomum: a mesa da sala de jantar.

Clientes em potencial disseram repetidamente à empresa que desejavam uma grande sala de estar, um grande segundo quarto para convidados e uma área social para tornar o entretenimento fácil e casual ao receber visitas; por outro lado, os(as) clientes alegaram que não precisavam de uma sala de jantar formal.

Nas conversas de Moesta com compradores reais, a mesa da sala de jantar surgiu várias vezes: “(…) as pessoas ficavam dizendo: ‘assim que eu percebi o ambiente que poderia criar com a minha mesa nessa sala de jantar, fiquei empolgado para me mudar’”, relata Moesta.

Ele e seus colegas não conseguiam entender por que, para aquelas pessoas, adequar sua mesa à sala de jantar do novo imóvel era tão importante.

Na maioria dos casos, elas estavam se referindo a móveis desatualizados e bem usados ​​que poderiam ser dados à caridade (ou relegados ao lixão local).

Mas, quando Moesta se sentou à sua própria mesa da sala de jantar com sua família no Natal, ele de repente entendeu.

Os aniversários de todos os seus entes queridos tinham sido comemorados em torno desta mesa. Todos os feriados… Lições de casa…

A mesa representava família.

O que estava impedindo as pessoas compradoras de tomar a decisão de mudar, ele supôs, não era uma característica que a construtora não apresentasse especificamente, mas sim a ansiedade resultante de desistir de algo que tivesse um significado muito profundo em suas vidas.

A decisão de comprar um condomínio de seis dígitos, muitas vezes, dependia da disposição de um membro da família de assumir a custódia de uma peça desajeitada de móveis usados. E essa percepção ajudou Moesta e sua equipe a começar a entender a luta que os potenciais compradores e compradoras de casas enfrentavam. “Pensei que estávamos no negócio de construção de novas casas”, lembra ele. “Mas percebi que estávamos no negócio de mudar vidas”.

Com esse entendimento do seu “trabalho a ser feito”, Moesta aplicou dezenas de pequenas (mas importantes!) mudanças em suas ofertas. Por exemplo, auxiliou o arquiteto a criar mais espaço nas unidades para uma mesa da sala de jantar, reduzindo o tamanho do segundo quarto.

A empresa também se concentrou em aliviar a ansiedade da mudança na família: fornecia seus próprios serviços de apoio na mudança, dois anos de armazenamento de móveis e uma sala de triagem dentro do condomínio, onde os novos proprietários e proprietárias podiam tomar seu tempo tomando decisões sobre o que descartar e o que manter.

A percepção do que os clientes realmente desejavam permitiu à empresa diferenciar sua oferta de maneiras que os concorrentes provavelmente não copiaram — ou mesmo compreenderam.

A nova perspectiva mudou tudo.

A empresa elevou os preços em US$ 3.500, o que incluiu (lucrativamente) a cobertura do custo de movimentação e armazenamento (aqueles novos serviços oferecidos, baseados no novo propósito de mudar vidas).

Em 2007, quando as vendas deste segmento caíram 49% e o mercado estava em queda, a construtora havia aumentado os seus negócios em 25%.

Lidando com o verdadeiro “trabalho a ser feito”

As inovações bem-sucedidas ajudam as pessoas consumidoras a resolver problemas, a progredir, enquanto lidam com qualquer ansiedade ou inércia que possa estar impedindo-as nesse processo.

Mas precisamos ser claros: o “trabalho a ser feito” não é um slogan para todos os fins. Os trabalhos são complexos e multifacetados; eles exigem uma definição precisa.

Aqui estão quatro princípios a serem lembrados nesse cenário:

1. “Trabalho” é uma expressão para aquilo o que uma pessoa realmente quer realizar em uma determinada circunstância.

E esse objetivo geralmente envolve mais do que apenas uma tarefa simples; temos que considerar toda a experiência que essa pessoa está tentando criar.

O que os compradores da construtora realmente desejavam, por exemplo, era uma transição para uma nova vida. Isso é completamente diferente da simples circunstância de comprar uma casa.

2. As circunstâncias são mais importantes do que as características do cliente, atributos do produto, novas tecnologias ou tendências.

Antes de entender o trabalho subjacente, a equipe da construtora se concentrou em tentar tornar as unidades do condomínio ideais.

Quando essas pessoas consideraram as opções de inovação por meio das lentes das circunstâncias dos clientes, o campo de atuação competitivo ficou absolutamente diferente.

Por exemplo, os novos condomínios estavam competindo não contra outros novos condomínios, mas contra a ideia de não fazer nenhuma mudança.

3. A solução verdadeiramente inovadora resolve um problema que anteriormente contava com soluções insuficientes — ou não contava com nenhuma solução.

Os potenciais compradores e compradoras de condomínios estavam procurando uma vida mais simples, sem os aborrecimentos da casa própria. Mas, para conseguir esse objetivo, eles tiveram que suportar o estresse de vender sua casa atual (e eventualmente remanejar seus pertences, entre outros aborrecimentos de mudança).

Ou eles poderiam ficar onde estavam, mesmo que essa alternativa se tornasse cada vez mais imperfeita à medida que envelhecessem…

Foi somente quando surgiu uma terceira opção que abordava todos os critérios relevantes para sua situação que os compradores se tornaram compradores da construtora.

4. “Trabalhos” nunca se resumem apenas à função; eles têm poderosas dimensões sociais e emocionais.

Criar um espaço na obra para uma mesa de jantar reduziu uma ansiedade muito real que os possíveis compradores e compradoras sentiam. Se não fosse por esse senso de empatia e compreensão, essas pessoas poderiam ter facilmente desistido da compra por não se sentirem compreendidas.

Em palavras simples, reduzir o estresse do seu cliente fez uma diferença realmente drástica.

Esses princípios são descritos aqui em um contexto de empresa para consumidor(a), mas é importante mencionar que estes trabalhos são igualmente importantes nas configurações de B2B.

Criando ofertas em torno desses “trabalhos”

Um profundo entendimento de um trabalho permite inovar sem adivinhar quais trocas seus clientes estão dispostos a fazer.

Dos mais de 20.000 novos produtos avaliados no relatório de inovação da Nielsen de 2012–2016, apenas 92 tiveram vendas de mais de US$ 50 milhões no primeiro ano (o co-autor Taddy Hall é o principal autor do relatório da Nielsen).

Aparentemente, a lista de ocorrências pode parecer aleatória — International Delight Iced Coffee, Hershey’s Reese’s Minis e Tidy Cats LightWeight, para citar apenas alguns exemplos — , mas eles têm uma coisa em comum. Segundo Nielsen, cada um desses projetos contou com um “trabalho” mal executado.

O International Delight Iced Coffee permite que as pessoas desfrutem em suas casas o sabor das bebidas geladas das cafeterias que elas mais adoram. E, graças à Tidy Cats LightWeight, milhões de proprietários(as) de gatos não tiveram mais que lutar para conseguir levar as caixas de areia pesadas e volumosas das prateleiras das lojas; a empresa entregava seus produtos em casa.

Aliás, como a Hershey’s alcançou um sucesso extraordinário com mais uma simples versão do famoso doce de manteiga de amendoim inventado (literalmente!) décadas atrás?

As pessoas pesquisadoras da Hershey’s começaram explorando as circunstâncias em que os responsáveis da Reese desfaziam de seus formatos atuais de produtos. Elas descobriram uma série de situações (ao dirigir o carro, ficar em um metrô lotado, jogar videogame) em que o formato grande original do chocolate era muito grande e não-funcional, enquanto os doces menores e embalados individualmente traziam a falta de praticidade (abri-los exigia duas mãos).

Além disso, o acúmulo de embalagens de papel alumínio dos doces ao que a pessoa consumia cada chocolate pequeno criava uma sensação de culpa/compulsão: eu já comi todos esses chocolates?

Quando a empresa Reese se concentrou no “trabalho” para o qual as versões menores de Reese estavam sendo contratadas, a organização criou o projeto “Reese’s Mini”. Eles não têm papel de embrulho e ainda vêm em uma sacola de fundo plano, que pode ser fechada novamente. Assim, a pessoa consumidora pode comer usando uma única mão. Os resultados foram surpreendentes: US$ 235 milhões nas vendas dos dois primeiros anos e o nascimento de uma extensão de categoria inovadora para a empresa.

Focando na experiência do(a) cliente

Identificar e entender o trabalho a ser realizado são apenas os primeiros passos na criação de produtos que os clientes desejam — especialmente aqueles pelos quais eles pagarão preços premium. Também é essencial criar o conjunto certo de experiências para a compra e o para uso do produto, integrando essas experiências ativamente no processo.

Quando uma empresa faz isso, é difícil para os concorrentes acompanharem.

Veja o exemplo das bonecas da American Girl. Se você não tem uma criança ou pré-adolescente em sua vida, pode não entender como alguém poderia pagar mais de cem dólares por uma boneca e gastar centenas a mais por roupas, livros e acessórios, certo? Pois bem. Até o momento, a empresa vendeu 29 milhões de bonecas e acumula mais de US$ 500 milhões em vendas anualmente!

O que há de tão especial nas American Girls?

Não são as próprias bonecas. Elas possuem uma variedade de estilos e etnias realmente bacana, são bonecas adoráveis, bem resistentes e etc… Enfim, elas são legais, mas não são incríveis. No entanto, há quase 30 anos a empresa domina seu mercado.

Quando você vê um produto ou serviço que ninguém conseguiu copiar com sucesso, o produto em si raramente é a fonte da vantagem competitiva a longo prazo.

A American Girl prevaleceu por tanto tempo porque na verdade não está vendendo bonecas, mas está vendendo uma excelente experiência.

As bonecas representam diferentes momentos e lugares da história dos EUA e vêm com livros que relatam a história de cada boneca. Para as crianças, as bonecas oferecem uma rica oportunidade de envolver sua imaginação. Para os pais, as bonecas ajudam a envolver seus filhos em uma conversa sobre as gerações de pessoas que vieram antes deles — sobre suas lutas, forças, valores e tradições.

A fundadora da American Girl, Pleasant Rowland, conta que precisava comprar presentes de Natal para suas sobrinhas. Ela não queria dar a elas Barbies hipersexualizadas ou brinquedos no estilo Cabbage Patch Kids (feitos para crianças mais novas). As bonecas refletem a compreensão sutil de Rowland sobre o “trabalho” que as meninas e os meninos pré-adolescentes a contratam para fazer: ajudar a articular seus sentimentos e validar quem são — sua identidade, seu senso de si e seu contexto cultural e racial — , trazendo a sensação de que eles podem superar os desafios de suas vidas.

Existem dezenas de bonecas da American Girl para representar uma ampla seção transversal de perfis de compradores e compradoras mirins.

Kaya, por exemplo, é uma boneca que representa uma jovem de uma tribo nativa americana do noroeste no final do século XVIII. Sua história diz muito sobre liderança, compaixão, coragem e lealdade. Kirsten, por sua vez, é uma imigrante sueca que se muda para Minnesota, enfrenta dificuldades e se torna uma vitoriosa no final de sua história. E assim por diante!

Uma parte significativa do fascínio com as bonecas American Girl são os livros bem escritos e historicamente precisos sobre a vida de cada personagem.

Rowland e sua equipe analisaram todos os aspectos importantes da experiência do cliente para realizar o seu grande “trabalho”.

As bonecas também nunca foram vendidas em lojas de brinquedos tradicionais. Elas estão disponíveis apenas por entrega em casa ou nas próprias lojas da American Girl, localizadas inicialmente em apenas algumas das principais áreas metropolitanas dos Estados Unidos.

As lojas geralmente têm um hospital de bonecas especializado para consertar peças quebradas, reparar cabelos emaranhados ou quaisquer danos nos produtos. Algumas lojas contam também com restaurantes para que os pais, filhos/filhas e bonecas possam desfrutar de um menu especial para crianças — ou onde os pais podem organizar festas de aniversário para seus pequenos.

Dessa forma, uma viagem à loja American Girl tornou-se um dia especial em família, fazendo das bonecas um catalisador de experiências que serão lembradas para sempre.

Nenhum detalhe era pequeno demais para ser considerado por essa equipe brilhante. Pegue as embalagens nas quais as bonecas chegam como exemplo! Rowland se lembra do debate sobre envolvê-las com tiras estreitas de papelão, conhecidas como “faixas da barriga”, comum para bonecas ficarem protegidas.

Como as tiras adicionavam 2 centavos à conta da produção e mais 27 segundos ao processo de embalagem, os designers sugeriram pular essa etapa, tirando as “faixas de barriga” das American Girls.

Rowland, no entanto, diz que rejeitou a ideia de imediato. “Eu disse: ‘você não está entendendo! O que realmente precisa acontecer para tornar tudo isso especial para uma criança sonhou em ganhar uma dessas bonecas? Não quero que ela veja um objeto embrulhado em papel retrátil saindo da caixa! O fato de ela ter que esperar uma fração de segundo para tirar as tiras torna o processo de abrir a caixa muito mais emocionante. Isso com certeza não vai ser o mesmo que andar por um corredor da loja de brinquedos comum e pegar uma Barbie na prateleira!”.

Nos últimos anos, a Toys “R” Us, o Walmart e até a Disney tentaram desafiar o sucesso da American Girl com bonecas muito semelhantes (por uma pequena fração do preço da boneca). E, embora a American Girl (hoje adquirida pela Mattel) tenha sofrido algumas quedas nas vendas nos últimos dois anos, ela é ainda a boneca mais desejada do mercado. É seguro dizer que, até o momento presente, nenhum concorrente conseguiu prejudicar seu domínio.

Por quê?

Rowland acha que os concorrentes se viram no “negócio de bonecas”, enquanto ela nunca perdeu de vista o motivo pelo qual as bonecas eram valorizadas: as experiências, histórias e conexões que elas possibilitam.

Alinhando todos os processos

A peça final do quebra-cabeça são os processos: como a empresa se integra entre as funções para apoiar o trabalho a ser realizado.

Os processos geralmente são difíceis, mas são importantes. Como discutiu Edgar Schein, do MIT, os processos são uma parte crítica da cultura tácita de uma organização. Eles dizem às pessoas dentro da empresa: “isso é o que mais importa para nós”.

A focalização dos processos no trabalho a ser realizado fornece uma orientação clara para todos da equipe. É uma maneira simples, mas poderosa, de garantir que uma empresa não abandone acidentalmente os insights que trouxeram o sucesso em primeiro lugar.

Um bom exemplo disso é a Southern New Hampshire University, que foi elogiada pelo U.S. News & World Report (e outras publicações) como uma das faculdades mais inovadoras da América. Depois de desfrutar de uma taxa de crescimento anual composta de 34% por seis anos, a SNHU estava chegando a US$ 535 milhões em receita anual no final do ano fiscal de 2016.

Como muitas instituições acadêmicas semelhantes, a SNHU lutou para encontrar uma maneira de se distinguir e sobreviver.

A estratégia de longa data da universidade dependia na ação de atrair um corpo estudantil tradicional: jovens de 18 anos, recém-saídos do ensino médio. O marketing e o alcance eram genéricos, direcionados a todos, assim como as políticas e os modelos de entrega que serviam à escola.

A SNHU tinha um programa acadêmico online de “ensino a distância” que era “uma operação lenta em um universo indefinido, paralela ao campus principal”, como descreve o presidente Paul LeBlanc. No entanto, o projeto atraiu um fluxo constante de estudantes que queriam retomar os estudos (por vários motivos diferentes, essas pessoas tinham deixado para trás a sua educação universitária). Embora o programa online já tivesse uma década de funcionamento, ele era tratado como um projeto paralelo; a universidade quase não dispunha de recursos para esse fim.

Num primeiro momento, os alunos e alunas da modalidade tradicional e online pareciam muito semelhantes. Uma pessoa de 35 anos e uma de 18 anos trabalhando para obter um diploma em contabilidade precisam dos mesmos cursos, certo?

Todavia, LeBlanc e sua equipe viram que o “trabalho” que os alunos online estavam “contratando” para fazer a SNHU não tinha quase nada em comum com o “trabalho” que os estudantes presenciais “contrataram” a organização de ensino para fazer.

Em média, os(as) alunos(as) da modalidade online já tinham 30 anos e faziam malabarismos com os desafios de conciliar trabalho, estudos e família. Muitas vezes eles ainda tinham dívidas de uma experiência anterior de faculdade. Essas pessoas não estavam procurando por atividades sociais ou festas no campus!

Esses estudantes precisavam de uma certificação de ensino superior e tinham quatro objetivos claros: horários que viabilizariam a sua participação em meio a uma rotina difícil, um fácil atendimento ao cliente, credenciais disponíveis e um tempo de conclusão de curso mais acelerado. E a equipe da universidade logo percebeu que essa realidade representava uma enorme oportunidade de negócio.

O programa online da SNHU estava em concorrência não com faculdades locais, mas com outros programas nacionais online, incluindo aqueles oferecidos por faculdades tradicionais e escolas com fins lucrativos, como a Universidade de Phoenix e o ITT Technical Institute. Ainda mais significativamente, a SNHU estava competindo com um grande espaço vazio no mercado. Não havia nenhuma solução parecida. De repente, o mercado que parecia finito e pouco promissor passou a ser considerado como um mercado com enorme potencial inexplorado.

Porém, haviam poucas políticas, estruturas e processos na SNHU para apoiar o “trabalho” real que aqueles alunos e alunas online desejavam tanto.

O que eles tinham que mudar? “Praticamente tudo!”, lembra LeBlanc. Em vez de tratar o aprendizado online como um projeto menor paralelo, ele e sua equipe fizeram disso o foco de negócios da SNHU. Durante uma sessão com cerca de 20 professores(as) e administradores(as), a equipe mapeou todo o novo processo de admissão da modalidade online em um quadro branco. “Parecia um esquema de um submarino nuclear!”, ele conta.

Os membros da equipe do projeto contornaram todos os obstáculos que algumas pessoas decisoras de operações da SNHU levantaram no processo. E, então, um por um, eles eliminaram os desafios e os substituíram por experiências que iriam realmente satisfazer os desejos dos alunos e alunas online.

Aqui estão três perguntas importantes com as quais a equipe trabalhou ao redesenhar os processos da SNHU:

1) Quais experiências seriam essenciais para que esses alunos(as) pudessem progredir?

Para os alunos e alunas mais velhos, informações sobre opções de ajuda financeira são essenciais; essas pessoas precisam descobrir se financeiramente conseguem dar continuidade à sua educação, e o tempo é um recurso escasso em seu processo de decisão.

Muitas vezes essas pessoas pesquisam por opções de cursos tarde da noite, após um longo dia, quando as suas crianças finalmente dormem. Portanto, responder às perguntas de um(a) potencial aluno(a) com um e-mail genérico (e com horas de atraso) pode significar a perda de uma janela de oportunidade.

Entendendo esse contexto, a SNHU estabeleceu uma meta interna de fazer uma ligação telefônica após o envio do e-mail de contato (com o prazo máximo de oito minutos e meio entre o primeiro contato e o segundo). A rápida resposta pessoal aumentava a probabilidade de os futuros alunos e alunas escolherem a SNHU.

2) Quais experiências seriam essenciais para que esses alunos(as) pudessem progredir?

Quais obstáculos precisavam ser prontamente removidos?

As decisões sobre o pacote de ajuda financeira de um possível candidato ou candidata e sobre quanto os cursos anteriores da faculdade contariam para obter um diploma da SNHU tinham de ser resolvidas em dias, em vez de semanas ou meses.

3) Quais são as principais dimensões sociais, emocionais e funcionais deste “trabalho”?

Os anúncios do programa online da universidade foram completamente reorientados para os alunos desse perfil; pessoas com cerca de 30, vivendo outras prioridades.

Para esse público, a universidade não priorizou apenas a educação, mas focou também nas habilidades emocionais e sociais dos indivíduos, de forma humanizada. O objetivo principal da equipe passou a ser a realização do sonho desses estudantes, que finalmente sentiriam orgulho em obter seus diplomas.

Um anúncio do projeto passou a mostrar um ônibus da SNHU percorrendo o país inteiro, entregando grandes diplomas emoldurados para estudantes online que não podiam estar no campus para se formar. “Para quem você conseguiu esse diploma?” a narração pergunta, enquanto o comercial captura a feição de estudantes graduados felizes, em sua residência. “Consegui para mim mesma”, diz uma mulher, abraçando seu diploma. “Fiz isso pela minha mãe”, confessa um homem de 30 e poucos anos. “Eu fiz isso por você, filho”, diz um pai, segurando as lágrimas enquanto seu filho fala: “parabéns, papai!”.

Mas (talvez o mais importante!), a SNHU percebeu que inscrever candidatos(as) em sua primeira aula na faculdade era apenas o começo do seu verdadeiro “trabalho”.

A universidade hoje reúne cada novo aluno ou aluna online com um conselheiro pessoal, que permanece em constante contato — e percebe sinais de alerta de desistência desses antes mesmo que os alunos o façam.

Esse apoio é muito mais crítico para os(as) estudantes de educação continuada do que os(as) tradicionais, porque muitos obstáculos em suas vidas cotidianas conspiram contra essas pessoas.

Então você não entregou a tarefa desta semana? Seu conselheiro/orientador entrará em contato com você. Tirou uma nota ruim em uma matéria? Você pode contar com uma ligação do seu orientador (ou da sua orientadora), não só para ver o que está acontecendo com o conteúdo, mas também o que está acontecendo na sua vida. Seu laptop está dando problema? O(a) conselheiro(a) pode te enviar um novo!

Esse nível incomum de assistência é um dos principais motivos pelos quais os programas online da SNHU têm índices Net Promoter extremamente altos (9,6 em 10), e uma taxa de graduação — cerca de 50% — superior à de praticamente todas as outras faculdades comunitárias (também muito acima da média das instituições mais caras, de fins lucrativos).

A instituição se declarou aberta para visitações nesse processo, oferecendo passeios para os executivos e executivas de outras instituições de ensino. A equipe estava segura de que as experiências e processos que a universidade criou para os seus alunos online seriam difíceis de copiar.

A SNHU não inventou todas as suas táticas. Mas a empresa “arregaçou as mangas” e determinou que todos os seus processos precisariam ser verdadeiramente adaptados ao “trabalho” para o qual os alunos e alunas estavam contratando seus serviços.

A maioria das organizações projeta inconscientemente muitos processos de inovação que produzem resultados inconsistentes e decepcionantes. Elas gastam tempo e dinheiro compilando operações ricas em dados que as tornam “mestres da descrição” — falhando em previsibilidade e na definição de prioridades.

As empresas não podem continuar nesse caminho. A inovação pode ser muito mais previsível (e muito mais lucrativa) se você estabelecer como primeiro passo do processo a identificação dos verdadeiros “trabalhos” que os seus clientes estão lutando para alcançar.

Sem essa visão, você estará fadado a inovar sem resultados.

Com essa nova perspectiva, você para de colocar a sua sorte na mão dos seus concorrentes.

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