O que se aprende no caminho importa mais do que a chegada.

Whatson Allen
Somos Tera
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10 min readOct 11, 2019

Um relato pessoal sobre sobrevivência e dedicação no mundo do trabalho em transformação.

Imagem: @whatsonallen

Este é mais um relato pessoal sobre muita dedicação, um pouquinho de superação e perseverança.

Vou contar uma história sobre oportunidades:

(Fevereiro de 2011 durante uma entrevista de emprego)

"- Oi tudo bem? Meu nome é Whatson, eu tenho 20 anos, moro na cidade de Itapecerica da Serra em São Paulo"

Imagem: noticias sobre Itapecerica da Serra

"-O nome do meu bairro é…Parque Paraíso, isso mesmo"

Imagem: fotos do meu bairro (parque paraíso), terceira foto: vista da minha janela!

"-Experiências? Eu já fiz de tudo, mas hoje eu trabalho como auxiliar administrativo em uma usina de concreto, cuido da entrada de materiais e notas fiscais diariamente, mas estudo programação e design pra web."

Imagem: minha mesa, vista da janela e fotos minhas no caminho.

“-Minha cor na certidão?

Pardo.
Classe Social: D
Meus pais são separados sim senhora.
Estudei nas escolas públicas da minha região
Infelizmente repeti dois anos
Tenho algumas tatuagens mas não ficam à mostra, mas eu estudei inglês e consigo me comunicar muito bem. Minha infância foi simples, mas eu tive o suficiente, tenho experiência com muita coisa e estou super disposto a aprender"

Imagem: Fotos da minha infância

"-Ok Whatson, entraremos em contato contigo independente da resposta, boa sorte…"

Essa foi apenas uma, das minhas inúmeras tentativas de trabalhar com alguma coisa que eu gostava e entendia um pouquinho.

Imagem: Escola que eu estudei EMEF Professor Abrahão de Moraes (eu na esquerda)

E claro, que na época eu não tive a maturidade de encarar com bons olhos as semanas de silêncio e a minha ansiedade pra ter uma carreira e fazer alguma coisa diferente do que eu havia feito até então minha vida pra tentar sair da classe D.

Infelizmente eu entendi quase tudo do jeito errado e, depois de inúmeros conflitos comigo e com toda situação ao meu redor, principalmente da minha família, eu olhei pra todos esses fatores aí de acima e decidi de todo o meu coração…

Desistir de tentar! 😞

Resultado: minha demissão, nome sujo, a dificuldade em aceitar a doação de cestas básicas, mais e mais conflitos familiares e eu, tentando sobreviver com trabalhos pontuais sem me perder pra um caminho errado.

“-Vocês disseram que a fase ruim iria passar, só não disseram que ela passaria por cima de mim né?”*

Mas eis que a primeira e grande luz apareceu pra mim, quase 3 anos depois, em 2014 e eu pensei o seguinte:

"-É agora ou nunca Whatson, o que vai ser? Isso só depende de você, vamos." 😠

Minha esposa (namorada na época) acreditava que eu precisava de uma oportunidade e me inscreveu pra realizar a prova do Enem. Fiz minha oração como de costume e escrevi tudo que eu tinha no meu coração. ❤

Resultado: consegui alcançar 900 pontos na redação, o que me tornou elegível pra me inscrever no Prouni e ter um certificado de conclusão do ensino médio.
Enfim, comecei a cursar Comunicação Social na Universidade Ibirapuera com uma bolsa de 100%.

2015, o começo da “carreira”.

Montei um portfólio (bem ruim) e consegui a oportunidade de trabalhar como assistente de arte em uma agência de comunicação, onde eu aprendi o que significava ter um CPNJ, como as leis do nosso país desfavorecem os empreendedores e a dificuldade de trabalhar dentro de tantas regras principalmente em uma cidade pequena como Itapecerica.

Curiosidade: no meu primeiro dia eu precisei ligar um imac (computador da Apple) pra começar a trabalhar e não sabia onde ficava o bendito botão, morrendo de vergonha de perguntar, consegui um wifi do shopping e procurei no Google mesmo 🤦🏽‍♂️

Me dediquei pra ser um bom criativo, porque de fato eu estava bem aquém da necessidade da vaga na época e seria a próxima demissão com certeza se não tivesse estudado muito e guardado dinheiro pra fazer 2 cursos de especialização.

Imagem: (esquerda pra direita): amigos -Família (esposa, eu, mamãe, irmão e irmã) +amigos

Ah! Fui pela primeira vez no restaurante Outback, que era um sonho pra mim até então.

Imagem: minha rotina era dividida entre a familia, o trabalho, os estudos, os percursos e as partilhas de vida.

2016, FOMO? 📘🔎✈️

Comecei a entender o mercado de comunicação e me dedicar a aprender o máximo de ferramentas possíveis pra ser expert em alguma coisa e tentar me livrar o medo de ficar obsoleto sem perceber.

Eu estudei de tudo, tipografia, animações, retoque pra moda, gestão de redes sociais, programação e muito mas muito conteúdo sobre design de interface e UX.

Ah, tirei as minhas primeiras férias, 10 dias.
Viajei pela primeira vez de avião ✈️ para o Rio Grande do Norte (Natal) com a minha noiva. Pegamos malas emprestadas e tiramos umas 5 mil fotos 😂

Video: Férias em Natal (RN)

2017, Tecnologia? Squad? 💳 🚀

Consegui sair do mercado de agências de comunicação e entrei em uma consultoria de tecnologia como UX, mesmo sem conhecer muito do mercado, com a promessa de me dedicar incessantemente a ser uma referência pro time do Brasil.

Imagem: um pouquinho do time de UX da GFT na época (esquerda pra direita: Mathias Mattos, Livia Payes, Eu e Rafael Custódio)

Conheci pessoas excepcionais, finalmente tive minha chance de falar e treinar inglês (de verdade), trabalhar com times super diferentes, conhecer e interagir pessoas que tinham cargos de gerentes, diretores, CEOs. Sem dúvidas pessoas que tinham carreiras completamente diferentes e muito conhecimento pra compartilhar.

Imagem: Entrevista no Serasa Experiance Jam Hackathon (Eu e Bruno Bonetto)

E então um desafio quase que acidental: montar um time, recrutado por mim.

Acho que realmente eu tive sorte, e uma imensa gratidão por ter encontrado pessoas humildes que me ensinaram um tonelada de coisas que eu nunca tinha ouvido falar, mas principalmente a partilhar. Ouvir muito e falar o suficiente.

Imagem: um pouquinho do time de UX da GFT na época (esquerda pra direita: Gustavo Marinato, Celso Camillo, Vanessa Nonato, Eu e Rodrigo Teixeira)

Muita gratidão pelas pessoas que me suportaram nesse desafio com muita mas muita paciência mesmo: Rafael Fiorreti, Carol Pestitscheck, Gabriel Cocenza e Piero Genovese.

E depois de muita dedicação e muito aprendizado (mesmo), eu tive mais uma oportunidade que mudaria minha vida profissional e pessoal por completo.

2018, Inovação? Startups? 😯

Entrei para o time da Cielo, com o desafio de trabalhar em um time de pessoas que sabiam muito mais do que eu em todos os aspectos. Todos os dias eu tinha medo de não ser bom o bastante pra cadeira que eu ocupava.

Sem dúvida foi um dos lugares que mais me ensinou sobre a profissão de designer, sobre propósito e sobre o significado de trabalhar em equipe, verdadeiramente.

Imagem: algumas pessoas do time da Cielo (Leonardo Enrique, Salomão Lopes, Heloísa Santos, João Gabriel, Gustavo Burin, Leonardo Zampieri)

Viajei a trabalho pra Recife, Brasilia, Belo Horizonte, Rio de Janeiro ✈️
(e apesar de ser "enquadrado" duas vezes foi fantástico).
Fui em lugares que eu nunca imaginei entrar.
Treinei pessoas, palestrei pra jovens, pra adultos, pra crianças.
Participei do maior evento de Design da America Latina (ILA).
Participei do evento da VTEX com o Ex. Presidente Barack Obama.

Image: Eventos, cursos e treinamentos que participei enquanto estava na Cielo

Testemunhei experiências incríveis, conheci pessoas singulares e comecei a entender que o meu propósito estava em ajudar mais as pessoas, do mesmo modo que eu fui ajudado por tantas.

Agradecimentos pela força: (Eduardo Lauria, Gleice Donini, Luciane Pizeli)

Ah, levei minha familia na Outback pela primeira vez.

2019, as conquistas e mais aprendizado 👓

Me casei ❤
Comecei a trabalhar em uma multinacional reconhecido como um profissional sênior!

Mas hoje eu continuo estudando diariamente, porque eu ainda acredito que é isso que vai me preparar quando as oportunidades aparecerem, a única diferença é que agora eu tenho a oportunidade de conhecer boas escolas e investir no meu aprendizado de uma maneira mais profissional do que antes.

Imagem: Eu, 2019

Mas não se deixem enganar meus amigos…

Existe uma realidade dura das pessoas dentro das periferias de São Paulo que não aparece nos jornais, não é tópico nas entrevistas de emprego e muito menos é citado com orgulho no mercado de Design ou Tecnologia:

“-Desde cedo a gente aprende a dividir com uma calculadora que só tem o botão de subtrair.”*

Várias vezes eu tive vergonha de dizer onde eu morava e o quanto era difícil passar por tantas coisas, que claramente as pessoas não faziam ideia. Porque afinal, a gente se acostuma com as dificuldades, em ter o mínimo e até com as privações diárias, mesmo sem se perceber.

Eu via o mercado como uma grande fila, onde vários passavam na minha frente. Uns tinham mais contatos, outros tinham mais dinheiro e vários tinham os dois mas, o importante pra mim era continuar ali, esperando a minha vez.

“-Tem mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam nessa história”*

Percebam que…

Nos últimos anos eu dormi menos, estudei muito, sobre muitas coisas além de Design ou Tecnologia. Me dediquei a aprender coisas que eu não fazia ideia por onde começar, mas sempre olhando pra onde eu gostaria de estar pela minha família e tentando partilhar esse conhecimento com as pessoas sem querer nada em troca.

“-O mais importante pra mim em tudo isso foi o exemplo da minha família, a fome por conhecimento pela educação e a esperança de não caminhar sozinho, inspirar pessoas pelo caminho.”

Então vejam , ainda hoje, outubro de 2019, eu não tenho um carro importado, nunca fui pra outro país e não faço ideia de como é passar as férias na Disney.

Lidei com feedbacks duros sobre a exposição de situações tão delicadas e pesadas da minha vida ou cotidiano, mas ainda acredito que as pessoas precisam saber que nós podemos fazer diferente, se tivermos uma chance.

Imagem: Eu em Itapecerica da Serra.

Apesar da resistência eu vi de perto, meninos mais novos do que eu, serem completamente vencidos…pela desistência.

Ou pela depressão, pela sedução de ser do crime, pelo álcool, pela violência dentro de casa e sem falar pela “oportunidade” no tráfico. Gente que sonhava mais alto que eu, mais forte que eu, gente que queria no máximo do máximo ser chamado de classe média e sequer teve uma chance.

O que ficou de aprendizado pra mim com tudo isso?

Meu sonho de fato nunca foi ser rico, ou juntar milhões de reais. 💵💵
Eu acho que a minha meta hoje é trabalhar com coisas que eu acredito, tentar promover o bem pros meus iguais de coração, ser o meu melhor diariamente, escutar as pessoas de coração.

E sem sombra de dúvida, dar a oportunidade pra minha mãe nunca mais, ter que contar as moedas na bolsinha de pano e deixar a nossa "mistura" pra trás, no caixa do super mercado.

Imagem: (Esquerda pra direita): Mamãe (Pq. Fernanda 1986) — Mamãe, Irmão e Eu (Aparecida 2018) — Eu e mamãe (2019)

Whatson, qual foi o intuito em partilhar coisas tão pessoais e particulares? 🤔

1. Pra quem se identificou com a minha história:
Acredite em você, seja quem for, não desista nunca, por mais que tudo pareça escuro ou muito difícil, sem oportunidade em frente, você pode chegar, porque você é do tamanho do seu sonho.

2. Pra quem teve mais privilégios e oportunidades que nós:
Perceba que nós somos todos iguais, principalmente por dentro. Somos motivados por sonhos e pelas pessoas que amamos. Então, valorizem as oportunidades que vocês têm, de coração, porque são muitos os que lutaram muito mais do que eu, com relatos maiores e mais inspiradores que os meus, que sequer caberiam nesse texto, visando apenas uma única oportunidade de mudar de vida e ficaram pelo caminho.

Acreditem no potencial das pessoas que cresceram em periferias, favelas ou regiões esquecidas, que precisam se esforçar 100x mais pra ter uma pequena chance de entrar nessa fila porque eles têm muitas histórias de superação pra compartilhar.

Escutem as pessoas e não se esqueçam…
Promovam o bem, de coração, uns pelos outros, pelo bem do coletivo.

Muito obrigado! Fé!

Algumas inspirações e recomendações de leitura que me ajudaram:

“-E essa eu fiz pros favelado que nem eu.

Quem venceu?

Quem ultrapassou os trinta e não morreu.

Quem não se acostumou em ver, radinho rojão e roubo.

E hoje é rico de rap e roupa, opa!

Já tô pra seguir de exemplo aqui, sem teste de flow e métrica apenas meus sentimentos.

E se não fizer sentido? Caminhamos contra o vento…”

*Black 2019 (@blackbxd) / *FBC 2019 (@fbc.fc) / *Sant 2019 (@originalsant)

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Whatson Allen
Somos Tera

32 anos, pai, nascido na terra da garoa, apaixonado por música e pelos animais. Atualmente Gerente de Design em Cartão Elo. https://linktr.ee/whatsonallen