Precisamos falar sobre a nossa (falta de) vontade.

Andre Foresti
TroubleMakers
Published in
4 min readNov 26, 2019
Photo by Thomas Griesbeck on Unsplash

Uma das perguntas mais simples é, ao mesmo tempo, uma das mais difíceis de responder:

O que você quer?

Eu sei, imediatamente vem um monte de coisas na cabeça. Porém, a maioria delas são respostas prontas, como numa propaganda política na TV. “Saúde, emprego, transporte e alimentação para o meu povo.”

O que você realmente quer? Querer, do verbo que representa ter o desejo ou a intenção de algo, de desejar estar em determinada situação ou experimentar alguma coisa. E o mais importante: querer de ser o seu norte, algo a ser buscado.

No mundo do superlativo, abre-se uma distância cada vez maior entre o desejado e o praticado. “Incrível experiência. Muitoooo honrado de estar aqui. Pessoas maravilhooooosas”. E isso ocorre desde a confirmação de presenças nos eventos do Facebook que ninguém vai ao jantar com amigo que cruzou na rua e nunca aconteceu: “Vamos marcar!”

Obviamente as pessoas não são tão falsas assim ao ponto de não sentirem essas vontades e tudo ser da boca pra fora. Não, claro que não.

Mas é aí que mora o perigo, pois não se mover para o que se quer já pode ser um sintoma de uma doença do século, chamada marasmo. Zumbis travados em ciclos repetidos que fazem o tempo passar mais rápido. E, se refletir, deve vir a pergunta: Mas por que eu fiquei feliz e disse que ia fazer/marcar/ir/buscar?

Vivemos tão soterrados de informação, pressão e estímulos que estamos confundindo ter vontade com a “vontade de ter vontade”. Sutil, mas faz toda a diferença.

A vontade é o que te move. A coceira, a curiosidade, aquilo que quando você vê, tá fazendo, falando, agindo, tentando. A vontade de ter vontade é racional e montadinha. É o que você adoraria querer sentir.

O que seria bonito e certo de viver, numa projeção de expectativas e afirmação pessoal.

Num mundo sem tempo, emoções são mais difíceis de serem sentidas. Começa o dia com 10 tarefas e termina com 22. Tinha 10 pessoas pra fazer um trabalho, tem 7 pra fazer dois. Se programa para cumprir uma agenda, o whatsapp notifica 109 vezes e tem que renegociar tudo. Retrabalho ocupa mais que trabalho, mas isso é pauta para outro artigo. A grande consequência é que caímos na armadilha do piloto automático, exaustos, precisando uma taça de vinho e um isolamento na frente da Netflix. Até a próxima segunda feira. Sucessivamente.

Sem tempo livre, não temos espaço para sentir. Nem agenda para criar. Tempos difíceis para coisas tão opostas coexistirem (pessoal-profissional, reação-ação, iniciativa-topar convite, propor-ter tempo pra aceitar, oportunidade-escolha).

Logo, tempos difíceis para criatividade, risco, emoções puras e novidades.

Quem sou eu pra me meter na psicologia de alguém, mas esse mesmo ciclo tem afetado empresas e profissionais, principalmente para agendas de inovação. Inovação precisa tempo, fé, antevisão, antecipação, escolha. No dia a dia, o que acontece naturalmente é vendas, metas, emails, cobranças, entregas necessárias, débitos, política, incêndios, entregar o básico bem feito.

No mercado, a vontade de ter vontade também está escancarada. Vejam, por exemplo, o boom de palestras e festivais de inovação. Nada contra, adoro por sinal.

Mas vejo muita gente que não consegue inovar nada na sua empresa (e diga-se de passagem, tá morrendo de medo de ficar velha e obsoleta) se mistura num ambiente inovador, coloca um crachá no peito, um post no instagram, e naqueles breves dias ela diz pro mundo: “Sou inovador, p****! Sou digital, faço parte do mundo mudando. Olhem como tenho vontade disso”.

E na segunda-feira volta pro escritório. Fazer o que fazia. Não deixar ninguém fazer nada diferente. Ou então sucumbir ao Seu Carlos, que manda em tudo e só quer terminar mais um dia no lucro. Percebem? Era um flerte distante, a vontade de ter vontade de mudar. Mas não suficiente pra, no dia seguinte, ser uma vontade real que possa virar um plano.

Muita gente não usa como insumo, e sim como placebo.

A questão, no fim do dia, é simples. Sua vontade ajudou a se mover com passos concretos em direção a algo? Ou ela serviu para, na hora de colocar a cabeça no travesseiro, deixar você e seu ego mais em paz pela falsa sensação de estar querendo algo, flertando a distância?

“Sou um bom amigo, cruzei a Carolina e fui interessado, disse até que a gente ia marcar”. “Sou inovador, assisti uma palestra com tudo sobre a China. Sou foda. Vou postar no linkedin”. “Hoje na reunião chamei atenção do chefe, quando falei sobre inteligência artificial e o case da startup da Suécia”.

Se ainda não ficou claro, coloco na mesa o teste final:
Basta ver se sua intenção virou palavra ou ato.
Pois lembre-se: seus atos dizem sobre a sua vontade, já suas palavras sobre a vontade de ter vontade. Vontade move, vontade de ter vontade, apenas projeta.

Você tá com vontade? Ou na verdade tá com vontade de ter vontade?

Nada melhor que começar do começo: aceitando a sua realidade. Para depois, abraçar o que realmente te dá vontade. E fica meu convite: fique mais à vontade com suas vontades.

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*** André Foresti - designer estratégico e empreendedor na TroubleMakers, estúdio de desconforto, que trabalha para dar chacoalhão e destravar coragem nos clientes para que a inovação aconteça.

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